Valor econômico, v.19, n.4630, 15/11/2018. Brasil, p. A2

 

'Pacote' de juristas prevê que dono de empresa corrupta venda controle 

Murillo Camarotto 

14/11/2018

 

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu na semana passada o relatório final elaborado por uma comissão de juristas com propostas para a modernização da gestão pública e combate à corrupção. A tramitação do texto no Congresso deve ser debatida na reunião entre Maia e o presidente eleito, Jair Bolsonaro, prevista para acontecer na manhã de hoje, no gabinete de transição.

Entre as sugestões apresentadas pelos juristas, chama a atenção uma emenda à Lei Anticorrupção (12.846/13) que prevê a possibilidade de que donos de empresas envolvidas em desvios de recursos públicos sejam obrigados a vender todas as suas ações em um prazo de dois anos.

O dispositivo pode ajudar a resolver o recente dilema sobre a punição a pessoas jurídicas, muito frequente na esteira da Operação Lava-Jato. Principal sanção prevista para empresas, a declaração de inidoneidade é vista por muitos como algo negativo, que acaba atingindo mais os trabalhadores das empresas do que seus acionistas, normalmente responsáveis pelos atos ilícitos.

Em muitos setores da economia, a declaração de inidoneidade é considerada uma espécie de pena de morte para a empresa, que fica proibida de participar de licitações públicas e de tomar crédito em instituições financeiras oficiais por até cinco anos.

A ideia é que, para casos de fraude à licitação, como visto com as principais empreiteiras envolvidas na Lava-Jato, por exemplo, a declaração de inidoneidade seja substituída pela alienação do controle acionário.

"Se, de um lado, não é possível conceber a anistia de empresas corruptas, de outro, é preciso pensar em formas de punir os agentes corruptos - geralmente os acionistas controladores e alguns executivos -, mas preservar a função social da empresa, como os empregos, a arrecadação tributária e a capacidade tecnológica acumulada muitas vezes ao longo de décadas", explica o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), coordenador do grupo de juristas responsáveis pelas propostas.

O relatório também é assinado pelos professores Carlos Ari Sundfeld (FGV-SP), Juarez Freitas (UFRGS) e Sérgio Guerra (FGV-Rio), bem como pela conselheira do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro Marianna Willeman.

Outra proposta relevante trata do aprofundamento das exigências para a escolha de dirigentes das agências reguladoras. Novas diretrizes já estão previstas no Projeto de Lei 6.621/16, que ainda está em tramitação na Câmara, mas o relatório dos juristas pede critérios mais rigorosos.

Em vez de cinco anos de experiência no campo de atividade da agência, previsto no projeto de lei, os juristas recomendam, no mínimo, dez anos. O candidato também teria que apresentar um projeto de gestão, a ser submetido a uma comissão de notáveis formada por cinco integrantes.

O estudo, de acordo com a proposta apresentada, deve contemplar uma análise crítica do status do setor regulado, com sugestões de aperfeiçoamento voltadas à inovação, ao gerenciamento e à excelência administrativa.

Os juristas também propõem que essas regras para admissão de dirigentes sejam estendidas a órgãos que não são considerados agências reguladoras, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e Superintendência de Seguros Privados (Susep).

O relatório sugere ainda um reforço na autonomia e na profissionalização das ações de controle interno nos órgãos da administração pública. Um projeto de lei específico sobre esse tema foi anexado ao relatório entregue ao presidente da Câmara.

De acordo com o texto, as atividades de controle interno só poderão ser exercidas por servidores públicos concursados. Os dirigentes desses órgãos terão mandatos de dois anos, renováveis por igual período, e não poderão ser empresários, filiados a partidos políticos ou exercer qualquer função que gere algum tipo de conflito de interesses.

Há ainda iniciativas para a prestação digital de serviços públicos, voltadas à maior agilidade no atendimento à população.