Correio braziliense, n. 20388, 17/03/2019. Política, p. 4

 

5 anos e futuro ameaçado

Renato Souza

Bruno Santa Rita

17/03/2019

 

 

Investigação » Com números bilionários em valores recuperados, a operação chega a meia década com conflitos internos e risco de enfraquecimento

Há cinco anos, o Posto da Torre, localizado no Setor Hoteleiro Sul, a pouco mais de 1km da Esplanada dos Ministérios, foi cenário do primeiro passo da maior operação de combate à corrupção da história brasileira. Os agentes da Polícia Federal que chegaram ao local, em meio à investigação do caminho usado por doleiros do Paraná para lavar dinheiro, não poderiam imaginar o tamanho do esquema que estavam prestes a desvendar. Nos meses e anos seguintes a esse primeiro ato, as diligências comprometeriam a cúpula dos Poderes Executivo e Legislativo e colocariam o Poder Judiciário, a Polícia Federal e a sociedade brasileira frente ao seu maior desafio na luta contra a corrupção. Agora, com meia década de existência, a operação se tornou alvo de uma crise política e jurídica.

A força-tarefa chega ao seu quinquênio pedindo R$ 18,2 bilhões em indenizações e com seu futuro em jogo. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada, terá forte impacto na operação. Boa parte dos crimes relacionados a nomes marcantes da política nacional — como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha — se refere ao suposto recebimento de propina para financiar campanha eleitoral.

Por decisão do Supremo, no entanto, esses crimes, popularmente chamados de caixa 2, serão enviados para a Justiça Eleitoral. A principal crítica é que as varas eleitorais não teriam estrutura para lidar com os casos complexos como os revelados pela operação. A Lava-Jato se tornou tão importante que a própria Justiça Federal se moldou às necessidades da operação. Em Curitiba, onde surgiu a investigação, a 13ª Vara Federal se consagrou como especializada nos crimes de colarinho branco. Em Brasília, o caminho foi bem parecido. A 10ª Vara Federal passou a concentrar os processos da força-tarefa.

A autorização dada pelo STF para a mudança dos locais de julgamento dos casos foi alvo de críticas  do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que, durante quatro anos, foi o rosto da operação entre membros do Judiciário. Do lado do Ministério Público, o protagonista foi o procurador Deltan Dalagnol.

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho, a medida ameaça não só a Lava-Jato, mas a luta contra a corrupção como um todo. “Não é uma notícia ruim. É uma notícia péssima, não só para a Lava-Jato, mas para o combate ao crime”, definiu. “Ao longo de cinco anos, a Justiça Federal desenvolveu varas especializadas, fez contatos com autoridades internacionais e desenvolveu uma tecnologia de primeira linha no combate à corrupção. Mas, agora, os processos serão enviados para a Justiça Eleitoral, que não tem estrutura nem expertise para lidar com processos complexos. Pode até se aprimorar, mas vai levar anos.”

Crise

Personalidades marcantes, que arrastaram multidões ao longo das últimas campanhas e receberam centenas de milhares ou milhões de votos foram parar no banco dos réus. A figura mais evidente é a do ex-presidente Lula, condenado a 12 anos e um mês de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e detido desde 7 de abril do ano passado. Outro caso foi o do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, condenado a 24 anos de detenção por desvios na Caixa Econômica Federal. Ele está preso no Complexo Médico Penal de Pinhais, em Curitiba.

Mas os holofotes que se voltaram para as cenas de prisões, julgamentos e discursos acalorados de procuradores logo serviram para chamar a atenção para a crise que se instalou nos desdobramentos recentes da operação. Um acordo, firmado entre o Ministério Público Federal no Paraná e a Petrobras, que foi organizado pela Lava-Jato, fez com que até mesmo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorresse ao STF para questioná-lo. Ao fazer isso, ela revoltou a própria classe e criou uma crise sem precedentes. Na PGR, os procuradores Pablo Coutinho Barreto e Vitor Souza Cunha, que atuavam nas áreas de perícia, renunciaram aos cargos. Esse pode ser apenas o começo de uma série de baixas na sede do MPF.

O trecho mais polêmico do acordo previa a criação de uma fundação para gerir R$ 1,2 bilhão de um total de R$ 2,5 bilhões que foram depositados pela estatal de petróleo em uma conta da 13ª Vara Federal de Curitiba. O acerto foi suspenso pelo ministro Alexandre de Moraes na sexta-feira. No entanto, a decisão do magistrado não acabou com as polêmicas criadas em torno da operação.

Após ver o STF ser alvo de uma série de críticas e até de acusações de golpe na Lava-Jato, feitas pelo procurador Diogo Castor, o presidente da Corte, Dias Toffoli, determinou abertura de inquérito para apurar “fake news”, calúnias e ameaças contra o Tribunal e seus membros. Mais uma vez, Raquel Dodge agiu e pediu ao Supremo que detalhe quais medidas foram tomadas.

Frase

“Não é uma notícia ruim (a transferência de processos de caixa 2 para a Justiça Eleitoral). É uma notícia péssima, não só para a Lava-Jato, mas para o combate ao crime”

José Robalinho, presidente da ANPR

Investigação

Veja os números envolvidos em cinco anos de Lava-Jato

Ações

Mandados de busca e apreensão    1.196

Mandados de condução coercitiva    227

Mandados de prisão expedidos pela Justiça Federal    267

Na Justiça

Condenações    242

Soma das penas    2.242 anos e 5 dias

Diligências

Pedidos de cooperação internacional    548

Países envolvidos    81

Ações de improbidade administrativa    10

Acordos de leniência    12

Termo de ajustamento de conduta    1

Acordos de colaboração com pessoas físicas    183

Dados financeiros

Alvo de recuperação por meio de leniência,

acordos e Termo de Ajustamento de Conduta    R$ 13 bilhões

Pedido de indenização em processos por

improbidade administrativa    R$ 18,8 bilhões

Fonte: Ministério Público do Paraná

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Balanço mais que positivo

17/03/2019

 

 

 

 

Os dados dos cinco primeiros anos da Operação Lava-Jato chamam a atenção. Somente no Paraná, ocorreram 60 fases com cumprimento de 1.196 mandados de busca e apreensão; 227, de condução coercitiva e, 310, de prisão temporária e preventiva, expedidos pela Justiça Federal.

Além disso, foram oferecidas 91 acusações criminais contra 426 pessoas. O número de sentenças designadas também é alto: 242 condenações contra 155 pessoas ao longo de 50 processos. A soma das penas é de 2.242 anos e cinco dias. O valor levantado pela operação sobressai. Dez ações de improbidade administrativa contra 63 pessoas físicas, 18 empresas e três partidos políticos pediram o valor de R$ 18,3 bilhões.

Também são alvo de recuperação R$ 13 bilhões provenientes de 12 acordos de leniência, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e 183 acordos de colaboração com pessoas físicas. Por fim, os acertos no exterior levaram grande destaque nos últimos cinco anos da operação. Foram realizados 548 pedidos de cooperação internacional. Desse total, 269 foram pedidos ativos para 45 países e outros 279, pedidos passivos com 36 países. Os dados de cooperação referem-se às solicitações feitas pela força-tarefa em Curitiba e no Rio de Janeiro e pelo grupo de trabalho da PGR em Brasília.

O procurador da República Paulo Roberto Galvão, integrante da Lava-Jato no Paraná, reforçou a ideia de que a cooperação internacional é fundamental para a operação. Segundo ele, a parceria com outros países permite a identificação de contas no exterior utilizadas por envolvidos em esquemas de desvio de dinheiro público, o que facilita o rastreamento dos pagamentos de propina. “Esse instrumento jurídico também fornece provas documentais de propriedade dessas contas. Assim, a manutenção de recursos no exterior, que antes aumentava a chance de impunidade, hoje representa uma vulnerabilidade para os criminosos”, frisou. (RS)