Correio braziliense, n. 20386 , 15/03/2019. Política, p.2

ABALO NO PODER DA LAVA-JATO

RENATO SOUZA

 

 

Os processos comuns que têm conexões com as eleições, como o caixa 2, agora serão enviados para a Justiça Eleitoral. Assim decidiu, por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão afeta profundamente os processos relacionados à Operação Lava-Jato, assim como outros casos de corrupção no país. Além de possibilitar a mudança na tramitação de diversas ações penais relacionadas aos pleitos de 2010, 2014 e 2018, entre outras, a definição poderá ser usada pela defesa de condenados para questionar processos anteriores e levar a uma revisão de ações julgadas. Para que o entendimento da Suprema Corte seja aplicado, o Poder Judiciário terá que analisar caso a caso. Nas últimas semanas, a força-tarefa da Lava-Jato fez uma campanha intensa pela internet para que os processos fossem mantidos na Justiça Federal. Mas as palavras dos procuradores não encontraram eco nos ouvidos da maior parte dos ministros do Supremo.

Os procuradores alegam que a Justiça Eleitoral não tem estrutura nem experiência para lidar com casos concretos. Entre as investigações afetadas, que podem ir imediatamente para a Justiça Eleitoral, estão algumas relacionadas a políticos e que ex-ocupantesde altos cargos do Poder Executivo e Legislativo. Podem solicitar mudança na tramitação das ações, por exemplo, os ex-presidentes Michel Temer (MDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), os ex-ministros Eliseu Padilha (MDB), Moreira Franco (MDB) e Guido Mantega (PT), além de parlamentares de legislaturas passadas e da atual, como Aécio Neves (PSDB-MG), José Serra (PSDB-SP) e Marcos Pereira (PRB-SP).

Os ministros Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli votaram para que as ações relacionadas a crimes eleitorais — como receber dinheiro não declarado durante a campanha — sejam enviados para a Justiça Eleitoral. Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia votaram pela divisão dos processos com a Justiça comum, a depender de cada caso.

O ministro Barroso defendeu que as ações ficassem na Justiça comum até análise do caso e que apenas os trechos relacionados ao Código Eleitoral fossem enviados à Justiça Eleitoral. De acordo com ele, essa medida seria importante para combater os crimes que lesam os cofres públicos. “Não será bom, após anos de combate à corrupção, mexer em uma estrutura que está dando certo, funcionando, e passar para uma estrutura que absolutamente não está preparada para isso”, afirmou.

O julgamento estava empatado em 5 a 5 quando o presidente do STF, Dias Toffoli, começou a votar. Foi dele o voto de Minerva para decidir qual seria a posição do Tribunal em torno do assunto. Ele disse que o combate à corrupção não mudaria e que a Justiça Eleitoral tem competência para lidar com os processos. “Todos aqui estamos unidos no combate à corrupção. Tanto que são raros os casos de reversão de algum processo, de alguma condenação, de alguma decisão. Todos também estamos aqui na defesa da Justiça Eleitoral”, afirmou.

 

Controvérsia

Na internet, teve início uma chuva de críticas logo após o julgamento. O procurador Deltan Dallagnol, do Ministério Público do Paraná, que liderou uma campanha contra a mudança no curso das ações penais, disse que o combate a corrupção foi enfraquecido. “Hoje, começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava-Jato”, disse.

Procurado pela reportagem, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho, disse que a decisão deve ser respeitada, mas que é um duro golpe na Lava-Jato. “É uma tragédia. A Justiça Eleitoral muda a cada dois anos. São alterados os juízes, a presidência do TSE, a composição de todos os tribunais. A decisão do Supremo tem que ser respeitada. Mas respeitar não significa concordar, e eu, neste caso, vou com a minoria de cinco votos que não concordou com essa avaliação. A Constituição é clara no sentido de que os processos devem tramitar separados e não juntos”, disse.

O julgamento ocorreu após um agravo regimental apresentado pelo ex-prefeito do Rio Eduardo Paes e pelo deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ). Ambos alegaram que têm direito ao foro privilegiado e pediram que seus processos sejam julgados pelo Supremo. No entanto, o relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello, entendeu que não estão presentes os requisitos para concessão do foro. Como a defesa dos acusados recorreu, o julgamento ocorrerá no plenário, incluindo um agravo de instrumento que levou a análise sobre de quem é a competência para julgar esse tipo de ação.