Correio braziliense, n. 20358, 15/02/2019. Mundo, p. 12

 

Guerrilha de nervos

15/02/2019

 

 

Venezuela » Governo chavista reforça o bloqueio nas fronteiras para impedir a entrada de ajuda humanitária. Cuba denuncia deslocamento de forças especiais americanas pelo Caribe para preparar "uma aventura militar"

Militares da Venezuela reforçaram o bloqueio de uma ponte na fronteira com a Colômbia, em mais uma ofensiva do regime de Nicolás Maduro para impedir a entrada da ajuda humanitária articulada pelo opositor Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino e reconhecido por 50 governos estrangeiros. Novos contêineres de carga foram posicionados ontem junto da ponte internacional de Tienditas, que liga Cúcuta (Colômbia) a Ureña (Venezuela), enquanto agentes armados da Guarda Nacional protegiam o lado venezuelano da fronteira. A manobra ocorreu no mesmo dia em que o governo de Cuba afirmou que tropas de elite dos Estados Unidos se deslocam pelo Caribe para preparar uma “agressão” e uma “aventura militar” contra a Venezuela, disfarçada de “intervenção humanitária”.

Maduro tem reiterado que não permitirá a entrada de ajuda externa, por considerar que ela faz parte de um plano orquestrado pelos EUA para executar um golpe contra o seu governo. A possibilidade do uso da força contra o regime chavista voltou a ser admitida pelo presidente Donald Trump, na quarta-feira, durante encontro, em Washington, com o mandatário colombiano, Iván Duque, um dos mais ferrenhos opositores de Maduro.

Além de afirmar que o presidente venezuelano “comete um erro terrível” ao bloquear a ajuda humanitária, Trump insistiu que não tem uma decisão tomada sobre uma solução militar para o impasse. Mas reforçou, sem entrar em detalhes, que “avalia todas as opções” e que tem “um plano B, C, D, E e F” para a situação.

“Agressão”

O Ministério das Relações Exteriores de Cuba citou “movimentações de forças de operações especiais dos Estados Unidos rumo a aeroportos de Porto Rico, da República Dominicana e de outras ilhas do Caribe, sem o conhecimento de seus governos”. De acordo com o regime de Havana, um dos principais aliados de Caracas, “continua a preparação de uma agressão militar contra a Venezuela, sob pretexto humanitário”.

A diplomacia cubana afirmou que os deslocamentos de tropas dos EUA ocorreram entre 6 e 10 de fevereiro, “em aviões de transporte militar, para o aeroporto Rafael Miranda, de Porto Rico, a Base Aérea de San Isidro, na República Dominicana, e outras ilhas do Caribe estrategicamente localizadas”.

Cuba afirma que “meios políticos e da imprensa, inclusive americanos”, revelaram que “figuras extremistas” dos EUA organizam uma “tentativa de golpe de Estado na Venezuela, por meio da ilegal autoproclamação de um presidente” — uma referência a Guaidó, que é também é o presidente da Assembleia Nacional.

Enquanto isso, um carregamento de ajuda humanitária enviado pelos EUA está desde 7 de fevereiro em um centro de coleta na cidade fronteiriça colombiana de Cúcuta. A entrada dos suprimentos na Venezuela está impossibilitada em razão do bloqueio da ponte de Tienditas, iniciado na semana passada, quando os militares colombianos atravessaram a pista com um caminhão-tanque e dois contêineres. Ontem, o esquema foi reforçado com mais contêineres, no mesmo dia em que Guaidó voltou a fixar 23 de fevereiro como data para entrada da ajuda humanitária. Na terça-feira, a oposição promoveu uma grande manifestação para pressionar os militares a permitirem a entrada dos suprimentos para aliviar a crise, que levou milhares de cidadãos a deixar o país.

“Contamos com todos, em 23 de fevereiro. Não tenham temor: vamos fazer o necessário. O jogo mudou, e a ajuda humanitária vai entrar, sim e sim”, assegurou o opositor, em discurso na sala de concertos da Universidade Central da Venezuela (UCV), durante evento com vários sindicatos de trabalhadores.

O ministro da Saúde, Carlos Alvarado, confirmou a chegada de 933 toneladas de medicamentos e material médico procedentes de Cuba, de China, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e de “algumas compras diretas” feitas pelo governo. Os regimes comunistas de Havana e de Pequim estão entre os principais apoiadores de Nicolás Maduro. Falando nas Nações Unidas, o chanceler Jorge Arreza garantiu que o governo chavista tem o aval de 50 países-membros da organização.

“No momento, estão aqui 64 contêineres com diferentes tipos de medicamentos, com 933 toneladas de suprimentos para a saúde”, disse Alvarado. O anúncio foi explorado por Guaidó, que chamou Maduro de “mentiroso”, por dizer que o país sofre um bloqueio econômico. “Então, qual é o bloqueio?”, questionou, em alusão à interdição da ponte que liga o país à Colômbia.

Europa registra aumento do êxodo

O impasse entre o governo da Venezuela e a oposição, passadas três semanas desde a proclamação de Juan Guaidó como presidente interino, acirra a crise humanitária  e torna a vida ainda mais difícil para mais de 2 milhões de cidadãos que se viram obrigados a abandonar o país, nos últimos anos. Cerca de 22 mil venezuelanos pediram refúgio na União Europeia (UE) em 2018, quase o dobro do total registrado no ano anterior, segundo o Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo (EASO), que também registrou forte aumento entre sírios (em primeiro lugar) e colombianos. O texto destaca, pelo segundo ano, o caso dos venezuelanos, cujas solicitações aumentaram 88% em 2018, após aumento de 155% no ano anterior. Antes de 2014, eles apresentavam cerca de 100 pedidos por ano. Até o fim de 2018, o número de venezuelanos à espera de resposta para a solicitação de asilo era de  30.900, segundo o relatório.

Frase

“Contamos com todos, em 23 de fevereiro. Não tenham temor: vamos fazer o necessário. O jogo mudou, e a ajuda humanitária vai entrar, sim e sim”

Juan Guaidó, presidente autoproclamado da Venezuela

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Controle da petroleira em jogo

15/02/2019

 

 

A Procuradoria da Venezuela decidiu investigar os diretores da subsidiária da companhia petroleira estatal PDVSA nos Estados Unidos, a Citgo. Também são objeto de inquérito os embaixadores nomeados pelo líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, reconhecido como presidente interino por 50 governos estrangeiros.

“Abrimos uma investigação contra os cidadãos inconstitucionalmente nomeados diretores da PDVSA e da Citgo por um usurpador de poder”, afirmou ontem o procurador William Saab. O funcionário chavista destacou que o Ministério Público iniciou a abertura de “uma série de investigações”, diante do que classificou como “uma escalada que começou com a usurpação na Presidência da República”, menção à autoproclamação de Guaidó, em 23 de janeiro.

A investigação inclui os “embaixadores fantasmas” designados “ilegalmente” pelo parlamento, de maioria opositora, informou o procurador. Saab alegou que os citados estão envolvidos em uma “conspiração contra a paz dos cidadãos”, e advertiu que haverá “consequências legais” para aqueles que aceitaram as nomeações, assim como para Guaidó.

“Pela primeira vez no planeta Terra, um usurpador ocupa duas posições de sede de poderes públicos nacionais”, acusou Saab. “Só em sua mente pode caber que o chefe do Poder Executivo seja, ao mesmo tempo, chefe do Poder Legislativo.”

A Assembleia Nacional, cuja autoridade é desconhecida pelo governo chavista e pela Justiça, nomeou representantes diplomáticos em uma dezena de países que reconheceram a presidência interina de Guaidó, inclusive os EUA. O líder opositor anunciou na quarta-feira um novo conselho de administração da Citgo, dentro da estratégia adotada para sufocar economicamente o governo de Maduro. O parlamento de maioria antichavista nomeou Luisa Palacios, Ángel Olmeta, Edgar Rincón, Luis Urdaneta, Andrés Padilla e Rick Esser, sem detalhar o que acontecerá com os atuais executivos da Citgo.

“Isso é um escárnio, um circo que está sendo montado para atropelar a nossa Constituição”, afirmou o procurador-geral venezuelano, que tinha anunciado, em 29 de janeiro, uma investigação contra Guaidó, a quem acusa de promover atos para alterar a paz. O presidente interino está proibido de deixar o país por ordem do Supremo Tribunal de Justiça, e a Controladoria investigará seus bens, por suposto financiamento externo.

No campo oposto, Washington congelou as contas e ativos venezuelanos, cujo controle foi entregue a Guaidó. A partir de 28 de abril, os EUA vão impor um embargo às importações de petróleo venezuelano. Caracas calcula em US$ 30 bilhões o dano causado à economia pelo que chama de “bloqueio americano”.