O globo, n. 31299, 17/04/2019. País, p. 10

 

Entrevista - Edison Lanza: ‘Vemos com preocupação algumas situações no Brasil’

Edison Lanza

Janaína Figueiredo

17/04/2019

 

 

Relator sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o uruguaio Edison Lanza classificou de censura a decisão ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes de exigir que a revista digital “Crusoé” e o site “O Antagonista” tirassem do ar a reportagem intitulada “O amigo do amigo do meu pai”.

A medida adotada pelo ministro Alexandre de Moraes viola normas internacionais?

Sim. O Brasil ratificou a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e tem uma participação ativa no sistema interamericano. O país foi condenado não faz muito tempo pela impunidade no caso do assassinato do jornalista Vladimir Herzog e acatou a decisão. A Convenção é nossa carta de direitos humanos no hemisfério e ela obriga todos os organismos públicos do Brasil a respeitar e garantir os direitos previstos no texto. O artigo 13 estabelece o direito à liberdade de expressão e protege de forma contundente o direito da sociedade a receber informação sobre temas de interesse público. A Convenção proíbe a censura prévia ou indireta, salvo que seja para proteger a infância. Em casos de controle e combate à corrupção, a proibição de censura é absoluta.

Alguns assuntos, como corrupção, têm tratamento diferenciado no marco da Convenção?

Exato, o sistema interamericano afirma que determinados tipos de informação têm proteção reforçada. Assuntos políticos, assuntos vinculados ao controle da gestão pública, à proteção dos direitos humanos e a corrupção. Inclusive, a CIDH divulgou recentemente uma resolução na qual fala sobre a importância da liberdade de expressão e o acesso à informação para combater a corrupção, pela situação que se vive na região. A informação é um elemento fundamental no combate à corrupção.

Este caso poderia chegar à comissão?

Poderia, deveríamos avaliar. Primeiro devem ser esgotados os recursos internos.

O senhor considera este tipo de decisões um retrocesso?

Já faz algum tempo que vemos com preocupação algumas situações no Brasil em relação à liberdade de expressão. Digo vemos porque é algo que conversei nas Nações Unidas. Vemos que o governo (Bolsonaro) tem buscado limitar o acesso à informação pública, certa perseguição à imprensa e tudo isso é um retrocesso. No sistema interamericano, todas as pessoas têm o direito de receber, buscar e divulgar informações sem censura prévia e, claro, estando sujeitas a responsabilidades. Não se pode restringir informações por meios indiretos, e qualquer denúncia ou debate devem ser resolvidos com mais informação e não menos. Se alguém diz que uma pessoa participou de um ato de corrupção e existe uma base de veracidade, o que corresponde é que a pessoa acusada apresente uma explicação.

Neste caso, Dias Toffoli...

Exato. Se, em algum caso, houver negligência por parte de quem divulgou a informação, o sistema sugere um julgamento de responsabilidade civil mas nunca a censura.

A comissão fará algo sobre esse caso?

Vamos analisar e minha intenção é propor à CIDH manifestar-se sobre o assunto.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Sem citar Supremo, Bolsonaro defende liberdade de expressão

Amanda Almeida

Daniel Gullino

Gustavo Maia

Vinicius Sassine

17/04/2019

 

 

OAB critica censura à imprensa, e associação de procuradores pede habeas corpus preventivo para evitar medidas contra MP

Sem citar diretamente as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito que investiga ataques à Corte, o presidente Jair Bolsonaro se manifestou ontem a favor da “liberdade de expressão”. Em uma publicação nas redes sociais, ele disse que respeita as instituições, mas que a liberdade é “inviolável”:

“Acredito no Brasil e em suas instituições e respeito a autonomia dos poderes, como escrito em nossa Constituição. São princípios indispensáveis para uma democracia. Dito isso, minha posição sempre será favorável à liberdade de expressão, direito legítimo e inviolável”.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, comentou rapidamente o tema. Ao responder sobre a proibição de publicação de reportagens e o bloqueio de contas nas redes sociais de pessoas que atacam o STF, ele não quis entrar em detalhes, mas se disse favorável à liberdade de expressão:

— É uma questão que está sendo discutida no Supremo, espero que o Supremo resolva. Minha posição pessoal sempre foi favorável à liberdade de expressão.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) criticou a censura à revista “Crusoé” e a operação de ontem por determinação do ministro Alexandre de Moraes. A nota do Conselho Federal da entidade se manifesta pela “plena defesa” de direitos como “a liberdade de expressão e de imprensa, princípios irrenunciáveis e invioláveis em nosso estado de direito”. O texto diz ainda que “nenhum risco de dano à imagem de qualquer órgão ou agente público, através de uma imprensa livre, pode ser maior que o risco de criarmos uma imprensa sem liberdade”.

Já a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido de habeas corpus coletivo que impeça procuradores da República de serem chamados para depor no inquérito aberto pela STF para investigar ataques à Corte. No mesmo pedido, a ANPR pede o trancamento do inquérito.

“É necessário que os direitos fundamentais, uma das principais vigas de toda Constituição, sejam respeitados, principalmente por quem tem o dever de ser o guardião da Lei Maior”, diz a nota divulgada pela ANPR.

A operação de ontem também repercutiu no Congresso. A Rede Sustentabilidade entrou com um pedido de liminar no STF para derrubar a decisão do ministro.

No Senado, houve muitas críticas à decisão do ministro Alexandre de Moraes, e parlamentares mais críticos ao Supremo Tribunal Federal voltaram a se organizar para pedir a abertura de uma CPI que investigue atos dos tribunais superiores.

Senadores criticam

Um pedido já havia sido protocolado no mês passado, mas teve seu arquivamento recomendado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O arquivamento ainda vai ser analisado pelo plenário, o que não tem data para ocorrer.

Randolfe Rodrigues (RedeAP) considerou que houve um “escárnio à Constituição”.

—O que nós temos assistido nas últimas 48 horas é um escárnio: censura à imprensa, busca e apreensão em um inquérito que é quase sigiloso e, hoje, possível censura a rede sociais que apresentarem divergências em relação aos ministros do Supremo. Qual será o próximo passo? Fechar o Congresso? —reagiu.

O líder do Podemos, Alvaro Dias (PR), considera que o STF está se colocando acima da Constituição, quando deveria ser o guardião dela:

— Esta investigação é outro fato inusitado que tem que ser repelido prontamente. Avançaram demais o sinal. Colocam o STF acima da Constituição. Não são proprietários da Constituição, são seus guardiões.

O senador Alessandro Vieira (PPS-SE), autor do requerimento de pedido da CPI, afirmou que irá apresentar um pedido de impeachment contra Toffoli e Moraes.

— Houve instauração de um inquérito ilegal, e decretação e execução de medidas que não poderiam ter sido cumpridas. Vai da censura à busca e apreensão com relação a pessoas que apenas emitiram opiniões em redes sociais. É contrário à democracia —disse Vieira.

Diversos pedidos de impeachment contra ministros do STF já foram apresentados nos últimos anos, mas acabaram engavetados.

“Acredito nas instituições e respeito a autonomia dos poderes, como escrito na Constituição. Dito isso, minha posição sempre será favorável à liberdade de expressão, direito legítimo e inviolável”

Jair Bolsonaro