O globo, n. 31298, 16/04/2019. País, p. 8

 

Brasil registrou 22 mil roubos de carga em 2018

Patrik Camporez

16/04/2019

 

 

 Recorte capturado

Falhas de policiamento e alto valor das mercadorias atraíram facções do tráfico para este crime, que ocorre preferencialmente na região Sudeste e em áreas urbanas, com prejuízo de R$ 2 bilhões; intervenção no Rio fez índice reduzir no ano passado

A ação de quadrilhas especializadas em roubos de cargas resultou, em 2018, no registro de mais de 22 mil ataques a motoristas em todo o país. Um levantamento da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC) mostra que o prejuízo para o setor produtivo com a perda de cargas e veículos chegou a cerca de R$ 2 bilhões.

O número de ataques a transportadores foi levantado pela entidade a partir do cruzamento de dados da Polícia Civil, da Polícia Militar e da Polícia Rodoviária Federal. O levantamento mostra que as ocorrências vinham aumentando até 2017 (quando o número chegou a 25.950 roubos no país), mas caíram 15% no ano passado.

A intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro, um dos estados com mais registros desse tipo crime, foi o principal elemento para a queda, segundo a entidade e especialistas em segurança. Ainda assim, os representantes do setor produtivo reclamam da falta de articulação dos governos em torno de um plano nacional de segurança para os transportadores.

— Admitir que tem 22 mil roubos de carga no país é um absurdo — afirma o responsável pelo levantamento, Paulo Roberto de Souza.

O roubo de cargas tornouse, nos últimos seis anos, um modelo de negócio para quadrilhas de traficantes de drogas e facções criminosas por causa da vulnerabilidade das estradas, das falhas de segurança pública das cidades e do alto valor de retorno das mercadorias. Em 2012, o país registrou 14.400 roubos de carga. Nos anos seguintes, esse número subiria até chegar ao pico, registrado em 2017.

Os produtos mais visados

Os dados coletados pela entidade em 2018 ainda estão sendo totalizados, mas já permitem aos transportadores cobrar ações do governo para reduzir o número de casos. Os números de 2017 mostram que a Região Sudeste desponta como o território mais hostil aos transportadores. Do total de 25.950 ataques no país, 85,53% aconteceram na região. Apenas Rio de Janeiro (40,81%) e São Paulo (40,75%) concentraram mais de 80% dos crimes.

Segundo o relatório, os produtos mais visados pelas quadrilhas — em maioria vinculadas ao tráfico de drogas —, são cigarros, eletrônicos, combustíveis, bebidas, autopeças e artigos alimentícios ou farmacêuticos.

Cerca de 78% dos roubos de cargas registrados no levantamento da PRF ocorrem em áreas urbanas. Os ataques em rodovias representam 22% do total. No caso dos crimes nas cidades, a maioria dos ataques ocorre pela manhã, enquanto, nas rodovias, o maior volume de roubos é registrado no período da noite.

Para o representante da NTC, a presença mais intensa de traficantes e de integrantes de facções criminosas nesses estados favorece o volume de ações contra transportadores.

— Por que o Sudeste concentra mais de 80% dos roubos, principalmente em áreas urbanas? Eu te respondo com outra pergunta: Onde a marginalidade opera? Onde circula o patrimônio. Rio e São Paulo são grandes polos econômicos. A circulação de cargas é intensa. E os bandidos vão aonde acham que vão ter êxito. As rodovias por onde circulam uma massa de veículos são atrativas para esses criminosos — diz Souza.

Na avaliação dos representantes do setor de cargas, o avanço da criminalidade nas estradas encarece o preço do frete, e a empresas passam a usar o transporte aeroviário em busca de mais segurança. Outro fator que influencia no frete, o custo do seguro das cargas, disparou. As empresas de transporte recorrem com mais frequência à escolta armada para proteger as mercadorias. Gerente-executivo de Pesquisas da CNI, Renato da Fonseca afirma que é o consumidor que acaba pagando a conta:

— O consumidor está pagando mais caro, porque tem uma taxa embutida para conter o risco. Não é só o custo da perda do roubo. Existe todo uma cadeia que fica mais cara para tentar prevenir esse tipo de ação.

O setor espera que o governo do presidente Jair Bolsonaro coloque para andar o plano nacional de segurança pública aprovado no governo do ex-presidente Michel Temer.

Apesar das críticas, a PRF e o Ministério da Justiça dizem que ampliaram ações de inteligência para prender criminosos e evitar roubos de cargas. O resultado desse trabalho seria a redução registrada no levantamento preliminar de 2018.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Combate passa pela investigação da receptação

Marcelo Remigio

16/04/2019

 

 

O roubo de cargas no Estado do Rio chegou em 2017 ao topo de uma série histórica que começou em 1991. Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) apontam para um total de 10.599 casos ao longo daquele ano, o equivalente a uma ocorrência a cada 48 minutos.

O crime tornou-se o principal alvo da intervenção federal na Segurança Pública fluminense, entre os meses de fevereiro e dezembro do ano passado. As operações policiais, com o auxílio das Forças Armadas, priorizaram o combate e resultaram na redução de 13% das ocorrências —uma queda para 9.182 casos.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que o combate ao roubo de cargas no estado passa necessariamente pela investigação da receptação. Segundo eles, a polícia falha ao não reprimir os pontos de venda. O lucro desse tipo de crime é considerado como certo, já que os produtos têm locais para comercialização.

Mercadorias de menor valor são vendidas em favelas e por ambulantes em áreas de comércio popular. Já as de maior valor ou em grandes quantidades abastecem comerciantes que fazem parte das quadrilhas.

—O roubo de cargas é um crime que cresce com a ineficiência da polícia em investigar. É um crime não apenas de repressão, mas de várias frentes de atuação no combate, e a principal delas é a área de inteligência —afirma o exsecretário nacional de Segurança Pública e coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, José Vicente da Silva, ao destacar que a maior parte das cargas roubadas tem destino certo. —É preciso atacar a receptação. A carga roubada encontra mercado, e não é de hoje. Também é necessário tornar as penas para esse crime mais rígidas. Atualmente chegam a quatro anos de prisão e, por enquanto, os planos anticrimes não contemplam essa questão.

Braço do crime organizado

Para o ex-secretário, a redução do roubo de cargas no ano passado era esperada, em função da presença ostensiva da polícia e dos militares em áreas de maior ocorrência. Ele afirma que agora é preciso investigar o destino das cargas, e que a indústria do roubo de mercadorias é mais um braço do crime organizado. Traficantes e milicianos encontram na atividade uma nova forma de renda, que utiliza-se da estrutura das quadrilhas.

Outra sugestão do ex-secretário é o monitoramento das cargas. Ele cita que produtos que lideram o ranking dos roubos, como medicamentos, cigarros, bebidas, pneus e alimentos, têm códigos nas embalagens que podem ser rastreados:

—Existe algo errado quando é posto a venda um lote com três ou cinco produtos pelo preço de um. É preciso saber a origem da mercadoria.

Especialista em Segurança Pública e presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, José Ricardo Bandeira reforça a análise do coronel Vicente da Silva. Ele afirma que a polícia erra ao não investir na investigação e monitorar receptores. Explica ainda que o crime organizado atua em parceria com as quadrilhas de roubo de cargas. Traficantes alugam armas, reservam locais em favelas para descarregar e guardar mercadorias, apontam locais em comunidades em que as cargas poderão ser vendidas e fazem a intermediação com comerciantes que revendem mercadorias roubadas.

De acordo com Bandeira, parte do percentual das vendas é entregue ao tráfico e à milícia, dependendo da área do roubo. Outras quadrilhas não terceirizam o crime e criam um braço de roubo de cargas próprio.