O globo, n. 31253, 02/03/2019. País, p. 4

 

Nas mãos deles

Amanda Almeida

Bruno Góes

Eduardo Bresciani

Dimitrius Dantas

Silvia Amorim

02/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

Deputados articulam proposta que ameaça cotas de recursos e de candidaturas femininas

Em meio à polêmica sobre o uso de laranjas nas últimas eleições, a lei que reserva 30% das candidaturas às mulheres e o entendimento da Justiça sobre a destinação do mesmo percentual do fundo público eleitoral para as candidatas podem vir a ser alterados. Parlamentares manifestaram a intenção de rediscutir essas cotas, mas ainda não há consenso entre os partidos. Em entrevista ao GLOBO, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), relacionou os casos de uso irregular do fundo eleitoral a uma interferência do Judiciário. Em maio do ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) usou a cota de candidatas para também reservar 30% do financiamento público às mulheres, assim como os horários de propaganda eleitoral na televisão e no rádio. Anteontem, o senador Angelo Coronel (PSDBA) decidiu apresentar um projeto que revoga a reserva de 30% das vagas. —Toda vez que o Judiciário legisla, dá problema. Nós colocamos recursos para as mulheres no fundo partidário, de 5 a 15%, eu fui o relator. Nós ampliamos a participação das mulheres no programa semestral dos partidos, que agora acabou. E a Justiça resolveu pegar essa decisão nossa e levar como interpretação de que se o número de vagas é de 30%, o financiamento é 30%. Todos nós avisamos que isso seria problema —disse o Maia. Segundo o senador Angelo Coronel, a regra não conseguiu cumprir o propósito de atrair mulheres à disputa por cadeiras no Legislativo. — Isso vai evitar esses últimos casos que estamos assistindo, que mostram candidaturas laranjas de mulheres, porque os partidos são obrigados a cumprir esse percentual —alega o senador. Líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA) afirma que o assunto precisa ser debatido antes das eleições municipais e que o projeto do senador ataca “a origem do problema”.

— Tudo que começa errado, termina errado. É preciso que o assunto seja discutido, porque a eleição que se avizinha, em 2020, pode ter muitas distorções. Aliás, historicamente, as distorções nas distribuições de fundos para as campanhas municipais é sempre maior. Tanto Maia quanto Nascimento ressaltam que a participação feminina nas eleições é importante, mas que a regra não se adequa à realidade. O presidente da Câmara diz ainda que este é um assunto que deve ser tratado com “cuidado”. Na justificativa de seu projeto, Coronel destaca que a proposta não altera a lei que estabelece “que, no mínimo, 5% dos recursos do Fundo Partidário serão destinados a programas de promoção e difusão da participação feminina na política”. Líder do PR na Câmara, José Rocha é contra o projeto. Ele diz que a legislação atual é importante para a inserção de mulheres na política. — Acho que não deve ter alteração. O texto tem que ser mantido para termos mais mulheres na política.

"Cinismo"

Presidente do PSDB Mulher, a deputada Yeda Crusius (PSDB-RS) considerou “cinismo” a discussão sobre a extinção de cota.

— Não acordaram para a realidade que a gente buscou enfrentar. O erro não está nas cotas para mulheres mas no comportamento dos partidos de criarem barreiras para a presença de mulheres na disputa política. Os 30% do fundo eleitoral não são um erro. Ele corrige distorção histórica que a gente tenta mudar. Acabar com a cota e o financiamento para candidatas é uma maneira cínica de tratar do problema —afirmou. Segundo Yeda, a bancada de deputadas tucanas prometem redigir uma carta de repúdio ao projeto de lei do senador Angelo Coronel. A deputada estadual eleita

Marina Helou (Rede-SP) lembrou que o Brasil ocupa a posição 133 em um ranking de 188 países que mede mulheres no parlamento e rebateu a declaração de Maia: — As candidaturas laranjas não são resultado da lei, e sim do descumprimento dela — disse a parlamentar. — Colocar a culpa na lei é simplesmente admitir um sistema falho e fraudulento.

Colocar mais mulheres na política faz parte da mudança nesse sistema. Segundo Marina, muitas mulheres não entram na política por falta de apoio: —Precisamos não só da manutenção da lei que garante o mínimo 30% de mulheres nas chapa se 30% do financiamento público mas também de maior transparência e participação nos partidos políticos.

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Suspeitas indicam cumprimento apenas formal da cota

02/03/2019

 

 

A destinação de recursos do fundo eleitoral e partidário para bancar candidaturas femininas sob suspeita expôs um esquema que pode ter contaminado as eleições de 2018. Para cumprir, apenas formalmente, a cota de 30% de candidatas mulheres, siglas partidárias teriam lançado nomes na disputa com interesse exclusivo de repassar os recursos a caciques de partidos. O PSL do presidente Jair Bolsonaro está no epicentro das denúncias de candidaturas femininas laranjas, mas não é o único. O caso que se tornou mais famoso foi no PSL. Em Pernambuco, uma candidata recebeu R$ 400 mil e teve apenas 274 votos, conforme informou o jornal “Folha de S.Paulo”. O episódio desencadeou uma crise que acabou com a demissão de Gustavo Bebianno da SecretariaGeral da Presidência da República. Ele era o presidente interino do PSL quando a verba foi liberada. O caso está sendo investigado. Outra apuração foi aberta após o mesmo jornal mostrar que o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), direcionou R$ 279 mil a quatro candidatas de Minas Gerais que, juntas, receberam pouco mais de 2.000 votos. Ao menos R$ 85 mil foram gastos em empresas de pessoas ligadas ao ministro, que na época presidia o diretório de Minas do PSL.

O GLOBO revelou que o PSL teve duas candidatas que adquiriram, a menos de 48 horas da eleição, mais de 10 milhões de santinhos, folders e praguinhas. Foram R$ 268 mil para duas candidatas a deputada estadual no Ceará e em Pernambuco. O montante mal parou nas contas de campanha de Gislani Maia e Mariana Nunes, que gastaram praticamente todo o valor recebido em gráficas entre os dias 5 e 6 de outubro. Levantamento feito pelo GLOBO e publicado em 17 de fevereiro mostrou que, nas últimas eleições, dos 79 candidatos que registram gastos de mais de R$ 1 mil para cada voto obtido, 76 são do sexo feminino. São R$ 13,8 milhões em fundo partidário e fundo eleitoral, verbas públicas, gastos com essas candidaturas. Nenhuma dessas mulheres foi eleita.