O globo, n. 31267, 16/03/2019. País, p. 10

 

Um ministro a prêmio

Renata Mariz

Gustavo Maia

16/03/2019

 

 

Evangélicos e militares já disputam indicação de substituto de Vélez

Diante do racha no Ministério da Educação e do rumor de demissão do titular da pasta, Vélez Rodríguez, que ontem foi chama dopara reunião no Palácio do Planalto, grupos evangélicos e de militares se articulam para emplacar o substituto. Um dos cotado sé o engenheiro Anderson Correia, que agrada à a la religiosa. Chamado ontem pelo presidente Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto em meio à crise que paralisa o MEC, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, mantém-se no cargo, mas a corrida para indicar um eventual substituto já movimenta grupos aliados ao governo.

De um lado, alas ligadas aos evangélicos deram sugestões de nomes para o presidente Jair Bolsonaro. Os militares do entorno do presidente, por outro lado, também receberam recomendações sobre possíveis ocupantes da pasta com capacidade para debelar a crise interna. Um dos cotados no banco de apostas é o engenheiro Anderson Ribeiro Correia, escolhido pelo atual governo para presidir a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), tendo passado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). O nome dele ganhou força entre os grupos religiosos que apoiam Bolsonaro. Correia é evangélico. Ontem, quando a notícia de que Vélez fora chamado ao Planalto causou rumores de que seria demitido, mensagens defendendo o nome de Correia foram enviadas ao presidente Bolsonaro e ao ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil. Um dos remetentes foi o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Correia é apresentado como um perfil adequado para apaziguar a briga atual de diferentes grupos no MEC Além de formação técnica, é religioso e tem ligação com militares. No entanto, ele não é nome de consenso entre os evangélicos.

Demissões na cúpula

A bancada religiosa está estremecida com Bolsonaro e tem ligação com Ricardo Roquetti, coronel da Aeronáutica demitido por Vélez por ordem do presidente, após ter sido alvo de críticas do escritor Olavo de Carvalho. O grupo de seguidores de Carvalho, que se autodenominam “olavetes”, acusou Roquetti de blindar o ministro e assessorá-lo mal. Dessa forma, segundo fontes do governo, o fato de ter sido reitor do ITA não coloca Correia no grupo de indicados por militares de alta patente com influência no governo. O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), um dos representantes da bancada evangélica, defende a indicação do engenheiro, caso Vélez seja demitido: —Não falo em nome da frente parlamentar (evangélica), mas se puder contribuir com o governo nesse momento, acho que o Anderson Ribeiro Correia é um bom nome. É melhor arrumar a casa com alguém que já está dentro. Nomes de militares que poderiam substituir Vélez também chegaram a generais que auxiliam o presidente Bolsonaro. Os perfis sugeridos estão ligados ao grupo de transição, que se reunia em Brasília para tratar da educação. Servidores das Forças Armadas que conhecem os meandros do MEC foram chamados ao Planalto nesta semana para assessorara cúpula do governo, que tem dificuldade de compreender os últimos acontecimentos na pasta. Desde a semana passada, o ministério passa por uma crise provocada pela guerra por espaço travada entre os grupo de militares, o quadro mais técnico e a ala de viés ideológico, que inclui os“olavetes ”. A confusão já levou a demissões e deslocamento de pessoas na estrutura do MEC. Vélez trocou o secretário-executivo, “número dois” na pasta, duas vezes em apenas três dias. Luiz Tozi, que estava no cargo de secretário-executivo do MEC desde o início do governo, caiu na terça-feira após Olavo de Carvalho pedir sua cabeça. Rubens Barreto, que era sub de Tozi, foi nomeado, mas também não resistiu aos ataques do mesmo grupo. Na quinta-feira, o ministro anunciou Iolene Lima, especialista em educação ligada a escolas cristãs que é evangélica. Ela figurou como o terceiro nome no cargo em quatro dias. A falta de nomeação de Iolene em Diário Oficial da União, porém, acendeu o alerta vermelho sobre a frágil situação de Vélez. Os rumores de uma possível demissão aumentaram na parte da tarde, quando o ministro foi ao Palácio do Planalto e se encontrou com Onyx Lorenzoni. Na berlinda, Vélez Rodríguez abandonou ontem o tom cerimonioso com que costuma publicar mensagens no Twitter e disparou críticas contra a imprensa. Após os rumores de sua demissão, ele escreveu: “A mídia cumpriria seu papel com os cidadãos deste país se sua real preocupação fosse informar. Qual o interesse de vocês em fomentar uma atmosfera apocalíptica? Torcer pelo sucesso do Governo é uma opção, mas vocês querem manchetes escandalosas” #brasil”", escreveu. (Colaborou Ana Clara Costa).

Os principais pontos da crise no MEC

Tropeços do ministro

Após declarações desastradas à imprensa, como a de que brasileiros roubam itens de hotéis quando viajam, o desgaste de Vélez aumentou com o episódio da carta enviada a escolas pedindo a leitura de mensagem que incluía o slogan da campanha de Bolsonaro e de filmagem das crianças cantando o hino nacional. Ele voltou atrás.

Briga interna

Uma briga interna no MEC foi acirrada na última semana por postagens do escritor Olavo de Carvalho. Ele acusou um grupo da pasta, formado por militares e pessoas a eles ligados, de perseguir seus admiradores alocados no órgão e pediu a cabeça de auxiliares de Vélez. O ministro foi obrigado a demitir dois deles: Ricardo Roquetti e Luiz Tozi.

Na berlinda

Fragilizado, a permanência de Vélez começou a ser colocada em dúvida no governo. Grupos já tentam influenciar na escolha de um eventual substituto.

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Tentativa de Bolsonaro de se reaproximar de evangélicos pode atrapalhar permanência

Thiago Prado

16/03/2019

 

 

Um dos freios de arrumação que Bolsonaro e sua equipe já detectaram que precisam fazer para melhorar o relacionamento do governo com o Congresso é com a bancada evangélica. No fim de novembro, a relação começou a apresentar ruídos. O então presidente eleito pedira aos deputados três indicações para o Ministério da Cidadania, responsável por comandar os programas sociais do governo. Foram sugeridos os nomes dos deputados Gilberto Nascimento (PSC-SP), Marco Feliciano (PodemosSP) e Ronaldo Nogueira (PTB-SP). Nenhum deles emplacou. No dia 28, sem dar qualquer satisfação aos parlamentares evangélicos, Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro de Michel Temer, foi anunciado como o escolhido para a pasta. A bancada sofreu mais um revés dois dias depois. Magno Malta, que chegou a ser chamado por Bolsonaro na campanha como o seu “vice dos sonhos”, foi descartado como opção para o ministério. “Não achamos adequado”, disse o presidente na ocasião, para irritação do pastor Silas Malafaia, relevante aliado durante a campanha presidencial e principal defensor da nomeação. “Gratidão é memória do coração”, alfinetou na época. Antes da virada do ano, mais uma frustração para o apetite por cargos. A pastora Damares Alves foi designada para cuidar do Ministério dos Direitos Humanos sem qualquer aval dos deputados da frente evangélica.

Até a semana passada, os deputados da bancada procuravam ser discretos em suas reclamações. Bolsonaro beneficiou-se em seus dois primeiros meses de governo da disputa interna pelo comando da bancada evangélica —até agora, cinco deputados estiveram mais preocupados brigando pela disputa do posto de líder da frente, ainda em aberto. Uma demissão no Planalto mudou de vez a postura dos integrantes nos últimos dias. No fim de semana passado, Pablo Tatim, auxiliar do ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni e ligado aos evangélicos, foi exonerado por ser investigado em um procedimento referente à sua atuação no governo anterior.

A decisão levou a bancada evangélica a decidir divulgar em breve um manifesto de independência ao governo. Marco Feliciano é daqueles aliados que não escondem mais a insatisfação com a administração Bolsonaro: “O ego daqueles que vocês elegeram está tão inflado que só enxergam seus umbigos. Alguns ministros estão deslumbrados com os holofotes”, disparou na internet recentemente.