Valor econômico, v. 18, n. 4464, 17/03/2018. Brasil, p. A7

 

'Infraestrutura verde' a serviço da água

Daniela Chiaretti

Rafael Bitencourt

Cristiane Bonfanti

17/03/2018

 

 

O mundo enfrentará uma lacuna de 40% no abastecimento de água até 2030. O acesso inadequado a água e saneamento custa US$ 323 bilhões anuais à economia global. Quase dois terços dos maiores aquíferos do mundo estão sendo exauridos. A demanda mundial para a produção agrícola e energética deverá crescer 60% e 80%, respectivamente, até 2025. O acesso universal à água potável e ao saneamento custaria US$ 115 bilhões ao ano. A agricultura usa 70% da água disponível globalmente. Mais de dois bilhões de pessoas não têm acesso a água potável. O dramático desafio global da questão da água, que vem sendo mapeado em inúmeras frentes, tem, contudo, uma boa notícia: a "infraestrutura verde".

O conceito ainda pouco conhecido será abordado na 8ª edição do Fórum Mundial da Água, que reúne esta semana em Brasília 10 mil representantes de empresas, instituições, universidades e governos. É a ideia-chave do relatório "Soluções baseadas na Natureza para a Gestão da Água", o principal estudo da ONU a ser lançado durante o evento. Elaborado por especialistas de 31 agências das Nações Unidas e 39 parceiros internacionais, o estudo relata como elementos naturais podem ajudar no abastecimento, saneamento, redução de riscos e desastres ou na drenagem urbana, por exemplo.

"É uma estratégia subestimada. Só 5% das soluções globais para problemas de água são baseadas na natureza. Os outros 95% são estruturas tradicionais de gerenciamento de água", disse ao Valor o hidrólogo Stefan Uhlenbrook, diretor do Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos liderado pela Unesco e coordenador do estudo. "Essas soluções podem ser muito mais baratas", continua.

A cidade de Nova York é um exemplo famoso de iniciativas do gênero. No fim dos anos 1990, o governo nova-iorquino desistiu de investir quase US$ 10 bilhões em uma estação de tratamento de água e preferiu concentrar esforços em proteger as três bacias hidrográficas com reflorestamento e agricultura sustentável. Hoje a cidade economiza mais de US$ 300 milhões em tratamento de água. A China, por sua vez, planeja investir no projeto das "cidades-esponja". A ideia é reciclar 70% da água da chuva em 16 cidades-piloto, além de permitir maior infiltração e recarga do lençol freático utilizando asfaltos mais permeáveis.

O Rajastão, na Índia, superou os danos de uma das piores secas de sua história trabalhando com as comunidades locais para estabelecer estruturas de coleta de água, reflorestar e recuperar solos. Conseguiram ampliar em 30% a cobertura florestal, o nível da água subterrânea subiu alguns metros e a produtividade agrícola aumentou. "Não quero, no entanto, ser apenas um advogado verde. Algumas vezes necessita-se da infraestrutura tradicional", segue Uhlenbrook. Ele cita, por exemplo, efluentes industriais muito contaminados ou rejeitos hospitalares.

Os desafios da água se traduzem diretamente nos negócios. Crises hídricas locais têm efeitos na economia global - uma seca no Brasil pode impactar os preços dos alimentos na Europa. "A crise global da água é uma emergência silenciosa", diz Guang Z. Chen, diretor sênior de Práticas Globais de Água do Banco Mundial. "Estamos vendo o que acontece na Cidade do Cabo, em Brasília ou a recente crise hídrica de São Paulo. Não haverá água suficiente para todos se seguirmos assim", continua.

A preocupação com escassez hídrica e gestão mais eficiente da água não tem a mesma prioridade, nas empresas, que assuntos relativos a mudança do clima e biodiversidade. "Temos que traduzir o que os desafios da água significam para o desenvolvimento. O cenário ficará difícil", diz Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que reúne 60 grandes empresas no Brasil.

O CEBDS elaborou o "Compromisso Empresarial Brasileiro para a Segurança Hídrica" procurando colocar a gestão mais eficiente da água na estratégia de negócios, incluir o tema na análise de riscos das empresas e medir os resultados. Outra meta é incentivar projetos compartilhados de reuso ou proteção de mananciais, promover o engajamento da cadeia e ajudar pequenas e médias indústrias com novas tecnologias. "Quando o tema é água, as empresas, se agirem sozinhas, não terão tanto impacto quanto se o fizerem juntas", diz Marina Grossi.

"Água é um insumo invisível. Temos que dar visibilidade a ele", diz Haroldo Machado Filho, assessor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Pnud.

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Empresários querem mais atenção aos recursos hídricos

Rafael Bitencourt 

Cristiane Bonfanti

Daniela Chiaretti 

17/03/2018

 

 

Nas proximidades das eleições de 2018, lideranças empresariais que participaram do Water Business Day, ontem em Brasília, defenderam que o cuidado com os recursos hídricos seja incorporado tanto na agenda política brasileira quanto na do setor produtivo. Entre os desafios urgentes apresentados pelos empresários está não apenas o acesso à água, mas também o saneamento básico - num país onde 34 milhões de pessoas, ou 17% da população, não têm acesso à rede de abastecimento de água e 89 milhões, ou 43% da população, não são atendidos por sistemas de tratamento de esgoto.

"No Brasil temos vários assuntos para trabalhar, mas a questão da água nós precisamos colocar na pauta de nossos governantes", afirmou o presidente do Conselho Nacional de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcos Guerra, no evento ligado ao 8º Fórum Mundial da Água.

Para Guerra, além da discussão política, os empresários precisam se engajar na troca de experiências para reduzir o risco de que "eventos extremos" relacionados ao abastecimento possam ter impacto na atividade econômica. Episódios no Brasil relacionados à falta de água, como racionamentos no Estado de São Paulo e no Distrito Federal, foram citados pelos executivos no evento.

Oscar de Moraes Cordeiro Netto, diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), disse que, dentro da agência, um dos maiores desafios para os próximos anos também diz respeito ao saneamento básico. De acordo com ele, está em curso uma discussão para oferecer à ANA um papel mais importante nessa área, inclusive por meio da elaboração de diretrizes gerais para o setor. "É uma tarefa complexa que temos pela frente", afirmou o diretor. Para ele, o tema "águas" deve subir "alguns degraus" na discussão política.

Para a presidente da BRK Ambiental, Teresa Vernaglia, somente com a inclusão da discussão sobre recursos hídricos na agenda política será possível viabilizar os R$ 20 bilhões anuais necessários para a universalização do acesso à água e ao saneamento básico. "Precisamos dar mais visibilidade para o tema saneamento como forma de mitigar a escassez de água", disse Teresa. "Não consigo imaginar um país que tenha restrição hídrica jogando milhões de litros de esgoto bruto nos nossos rios", completou a executiva.

No âmbito regulatório, a presidente da BRK Ambiental - antiga Odebrecht Ambiental - também falou das dificuldades jurídicas enfrentadas pelo setor. Segundo ela, os contratos são assinados para um horizonte de 30 anos e a instabilidade regulatória pode produzir paralisia na universalização do saneamento no Brasil. Ela alertou, ainda, que a quantidade de pessoas no país que não tem acesso a água tratada equivale à população do Canadá e que a perda de água "chega a sete Cantareiras por ano".

No que diz respeito ao uso da água no processo produtivo, Naty Barak, principal executivo global da área de sustentabilidade da empresa de irrigação Netafim, disse que mais de 70% da irrigação nas culturas no mundo é por inundação. Ele defendeu parcerias com empresas da área de bebidas e alimentos e com a indústria da confecção para mudar esse cenário. Ele sugeriu, por exemplo, que a Levi's compre algodão apenas de agricultores que façam irrigação por gotejamento. "Temos de convencer o mundo a utilizar água na irrigação de modo mais eficiente".