O Estado de São Paulo, n. 45781, 20/02/2019. Política, p. A6

 

Áudios confrontam versão de Bolsonaro

Tânia Monteiro e Julia Lindner

20/02/2019

 

 

Mensagens no WhatsApp mostram conversas entre presidente e Gustavo Bebianno durante crise que culminou na exoneração do ministro

A demissão do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, pelo presidente Jair Bolsonaro foi precedida por uma discussão longa por meio do aplicativo WhatsApp, com troca de acusações entre eles relacionadas à TV Globo, a uma viagem à Amazônia, revelada pelo Estado, e a suspeitas de que haveria candidaturas “laranjas” no PSL, partido de ambos.

Os áudios, datados de 12 de fevereiro e dos dias posteriores, foram publicados ontem pelo site da revista Veja. O teor das mensagens coloca em xeque a versão inicial do presidente de que eles não haviam conversado naquela data. Bolsonaro disse em entrevista à TV Record que era mentira que eles tivessem mantido um diálogo no dia 12, antes da alta hospitalar. A acusação foi o estopim para a crise que culminou com a demissão de Bebianno, anteontem.

As mensagens dão ideia do conjunto de razões para a saída do ex-ministro, que, segundo a Presidência da República, foram de “foro íntimo” de Bolsonaro. O presidente é chamado por Bebianno de “capitão” ao longo do diálogo.

Na conversa, Bolsonaro trata a TV Globo como “inimiga” e manda o agora ex-ministro cancelar uma audiência com um representante da direção da empresa, no Palácio do Planalto. Segundo a revista, o presidente encaminhou a mensagem a Bebianno no dia 12, com a agenda do ministro. Ele receberia o vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo, Paulo Tonet Camargo, e respondeu: “Algo contra, capitão?”.

“Gustavo, o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero ele aí dentro. Qual a mensagem que vai dar para as outras emissoras? Que nós estamos se (sic)

aproximando da Globo. Então, não dá para ter esse tipo de relacionamento. Agora… Inimigo passivo, sim. Agora… Trazer o inimigo para dentro de casa é outra história”, diz o presidente na mensagem. Após a divulgação dos áudios, o Grupo Globo emitiu nota. “O Grupo Globo considera que não tem nem cultiva inimigos. A própria natureza de sua atividade jamais permitiria qualquer postura em contrário. Hoje, como sempre, sua missão é levar ao público jornalismo independente – dando transparência a tudo o que é relevante para o País – e entretenimento de qualidade.”

Nos áudios, Bolsonaro também relata restrições a uma viagem de Bebianno à Região Norte, articulada enquanto ele ainda estava internado em recuperação de uma cirurgia, com os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos). A viagem, antecipada pelo Estado, tinha como missão tratar com líderes locais obras do governo na região.

Em outra mensagem, o presidente revela preocupação com a investigação da suspeita de desvio de dinheiro público no PSL. Ele sugere que havia a intenção de “empurrar essa batata quente” para o seu colo. Bebianno tenta se explicar e afirma que o presidente está “envenenado”, em uma referência ao filho do presidente, Carlos Bolsonaro, seu desafeto.

‘Lealdade’. O vazamento na semana passada de uma pequena parte dos diálogos já havia irritado Bolsonaro – e pavimentado a exoneração de Bebianno. Ontem, após a divulgação do teor integral das gravações, a equipe de auxiliares mais próximos do presidente ainda avaliava a estratégia para conter os “estragos” da fala do ex-ministro.

O vice-presidente Hamilton Mourão criticou e responsabilizou Bebianno pela divulgação de conversas com o presidente. “Não resta dúvida de que o exministro, ao divulgar uma conversa dele com o presidente, está faltando com a lealdade.”

Os interlocutores do Planalto também não esconderam o temor de que Carlos volte a colocar “lenha na fogueira” com mensagens nas redes sociais.

Questionado ontem, o portavoz da Presidência, general Otávio do Rêgo Barros, afirmou que as explicações do Planalto sobre o caso já haviam sido dadas no anúncio da exoneração de Bebianno e em um vídeo do presidente no qual ele fez elogios ao ex-ministro.

 

NO APLICATIVO

 

● Áudios de Jair Bolsonaro e de Gustavo Bebianno começam a partir do dia 12

‘MENTIROSO’

Bolsonaro: “O caso incitando a saída (de Bebianno) é mais uma mentira. Você conhece muito bem a imprensa, melhor do que eu. Agora: você não falou comigo nenhuma vez no dia de ontem. Ele (Carlos) esteve comigo 24 horas por dia. Então, não está mentindo.”

Bebianno: “Nós trocamos mensagens ontem três vezes ao longo do dia, capitão. Ele (Carlos) não pode atacar um ministro dessa forma. Isso está errado. Por que esse ódio? Vir a público me chamar de mentiroso? Será que o senhor vai permitir que eu seja agredido dessa forma?”

Carlos disse que Bebianno mentiu ao afirmar que havia conversado com Bolsonaro no dia 12.

SUSPEITA NA ELEIÇÃO

Bolsonaro: “Querem empurrar essa batata quente desse dinheiro lá pra candidata em Pernambuco pro meu colo, aí não vai dar certo. Aí é desonestidade e falta de caráter. A Polícia Federal já entrou no circuito. Quem deve paga, tá certo?”

Bebianno: “A minha tarefa como presidente interino nacional foi cuidar da sua campanha. Agora, cada Estado fez a sua chapa. Em nenhum partido, capitão, a nacional é responsável pelas chapas estaduais. Se o (Luciano) Bivar escolheu candidata laranja, é um problema dele. E é um problema legal dela explicar o que ela fez com o dinheiro (...) Depois a gente conversa pessoalmente, capitão, tá? Eu tô vendo que o senhor está bem envenenado.”

Há suspeita de que “candidaturas laranjas” do PSL tenham recebido verbas públicas.

AMAZÔNIA

Bolsonaro: “Uma pergunta: Jair Bolsonaro decidiu enviar para a Amazônia? Não tô entendendo (...) Conversei com o Ricardo Salles. Ele tava chateado que tinha muita coisa para fazer e está entendendo como missão minha. Conversei com a Damares. Eu não quero que vocês viajem porque… Vocês criam a expectativa de uma obra. Daí vai ficar o povo todo me cobrando. Então essa viagem não se realizará, tá ok?”

Bebianno, Salles e Damares viajariam no dia 13, como parte da agenda do governo na região.

 

‘INIMIGO’

Bolsonaro: “O o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero ele aí dentro. Qual a mensagem que vai dar para as outras emissoras? Que nós estamos se aproximando da Globo (sic). Então não dá para ter esse tipo de relacionamento. Agora… Inimigo passivo, sim. Agora… Trazer o inimigo para dentro de casa é outra história. Pô, cê tem que ter essa visão, pelo amor de Deus, cara.”

O ex-ministro disse que receberia um representante da Globo para “conversa institucional”.