Título: ONG pede a Dilma: enquadre Chávez
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Fonte: Correio Braziliense, 04/08/2012, Mundo, p. 19

A organização não governamental Human Rights Watch (HRW) enviou uma carta à presidente Dilma Rousseff e aos demais chefes de Estado do Mercosul na qual pede a eles que convençam o mais novo integrante pleno do bloco, a Venezuela, a respeitar os direitos humanos, a liberdade de expressão e o pleno equilíbrio entre os três poderes. Há duas semanas, a instituição tinha divulgado um relatório no qual denuncia a concentração de poder e os abusos cometidos pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, e classifica como "precária" a situação do país. No texto enviado a Dilma, à presidente Cristina Kirchner (da Argentina) e ao chefe de Estado uruguaio, José Mujica, o diretor da HRW para as Américas, José Miguel Vivanco, assinala que o ingresso da República Bolivariana no Mercosul dá aos demais países-membros "a oportunidade e a responsabilidade" de enfrentar os problemas do novo sócio na área dos direitos humanos.

Em entrevista ao Correio, Vivanco afirmou que a carta, de três páginas, chama a atenção para o compromisso do Brasil e dos demais Estados do bloco — exceto o Paraguai, que está suspenso e cujo mandatário, Federico Franco, não recebeu a mensagem — para com o Protocolo de Assunção, que estabelece os princípios do bloco. "No primeiro artigo do protocolo, consta que o pleno respeito às instituições democráticas, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais é condição essencial para a existência e a evolução do processo de integração" sul-americano, ponderou o diretor da HRW. Ele e a organização que representa temem o que pode ocorrer caso as nações do Mercosul fechem os olhos para o governo do presidente Chávez, "que tem sistematicamente debilitado as instituições democráticas e as garantias dos direitos humanos". De acordo com Vivanco, "se (os demais presidentes) não agirem, vão prejudicar a credibilidade desse compromisso e trair os princípios democráticos que deveriam ser centrais no processo de adesão ao Mercosul".

Enviada com cópia para o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, a carta salienta o uso do Poder Judiciário venezuelano para "intimidar, censurar e condenar os que criticam o presidente ou se opõem a sua agenda política", inclusive ativistas de direitos humanos. O primeiro passo para essa interseção entre os poderes, de acordo com a HRW, foi dado em 2004, quando o governo de Caracas aumentou de 20 para 32 o número de juízes do Supremo Tribunal. Para as 12 vagas abertas foram nomeados apenas aliados políticos de Chávez. A interferência do Executivo sobre o Judiciário tornou-se ainda mais gritante após a detenção da juíza María Lourdes Afiuni, em 2009. Detida por ter concedido liberdade condicional a um crítico do governo, ela foi chamada de "bandida" pelo presidente, passou mais de um ano atrás presa e se encontra atualmente em prisão domiciliar.

O artigo 2º do Protocolo de Assunção também é invocado na carta da Human Rights Watch. "As partes cooperarão mutuamente para a promoção e a proteção efetiva dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, através dos mecanismos institucionais estabelecidos no Mercosul", diz o texto do documento do bloco. A organização alerta que várias leis venezuelanas restringem as liberdades para os meios de comunicação e os grupos humanitários — que não podem receber recursos externos, sob pena de os responsáveis serem acusados de traição e condenados a até 15 anos de prisão.

Vivanco convocou os governantes dos países-membros do Mercosul, independentemente de quem ocupe a presidência rotativa do bloco, a aplicar o Protocolo de Assunção em relação ao novo parceiro. "Essa é a oportunidade de pressionar o país a enfrentar seus graves problemas de direitos humanos", afirmou. A Venezuela foi formalmente incorporada ao Mercosul em 31 de julho, em uma reunião de cúpula extraordinária celebrada em Brasília. Até o fechamento desta edição, a carta ainda não havia sido protocolada no Palácio do Planalto nem no Itamaraty.

Essa é a oportunidade de pressionar a Venezuela a enfrentar seus graves problemas de direitos humanos"

Se não agirem, vão trair os princípios democráticos que deveriam ser centrais no processo de adesão ao Mercosul"

José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch para as Américas