O globo, n. 31225, 02/02/2019. País, p. 4

 

Casa do impasse

02/02/2019

 

 

Após aliado de Onyx articular voto aberto, Senado adia eleição para presidência da Casa

Em sessão tumultuada, um impasse adiou para hoje a eleição do novo presidente do Senado. A decisão ocorreu após um movimento que uniu o candidato patrocinado pelo chefe da Casa Civil do Planalto, Onyx Lorenzoni, e senadores contrários à vitória de Renan Calheiros (MDB-AL). A manobra fortaleceu Davi Alcolumbre (DEM-AP), adversário do emedebista na disputa pelo comando da Casa. O resultado da eleição para o comando do Senado é considerado crucial para o avanço da agenda do governo Jair Bolsonaro no Congresso. Depois de trabalhar dia e noite, desde dezembro, por sua candidatura, Renan chegou à sessão como favorito. Porém, sofreu uma derrota nas duas primeiras horas da disputa, quando o plenário decidiu mudar a previsão do regimento interno do Senado e acabar com o voto secreto. Sem sair da cadeira desde 16h40, Alcolumbre abriu caminho para o Senado aprovar o voto aberto para a disputa. Ele assumiu a presidência da sessão sob o argumento de ser integrante remanescente da última Mesa Diretora. Os senadores Randolfe Rodrigues (REDE-AP) e Lasier Martins (PSD-RS) abriram a sessão questionando a constitucionalidade do voto secreto, previsto no regimento. Alcolumbre transferiu a decisão sobre o assunto para o plenário, que, por 50 votos a dois, decidiu pelo voto aberto. A estratégia foi articulada desde o final do ano passado, como principal aposta para derrotar Renan. Lasier Martins recorreu ao STF com a mesma questão. Obteve liminar favorável do ministro Marco Aurélio Mello ao voto aberto. Mas a decisão foi derrubada pelo presidente da Corte, Dias Toffoli.

Desgaste do voto aberto

Com o voto aberto, o grupo anti-Renan avaliava que parte dos colegas deixaria de votar em Renan para não se expor no apoio a um nome alvo de nove inquéritos no Supremo. Com o risco de derrota, Renan e aliados passaram a duelar com Alcolumbre. O senador do DEM, porém, não cedeu. O líder do MDB, Eduardo Braga (AM), foi o primeiro a questionar os colegas: — Podemos alterar o nosso regimento, mas nós temos um rito e, se não fizermos isso, nós estabeleceremos a desordem, a insegurança jurídica, quebraremos o direito democrático do povo brasileiro na mais alta Casa da legislação. Na sequência, começaram os questionamentos sobre a legitimidade de Alcolumbre para presidir a sessão, já que era também candidato. Líder do DEM, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) defendeu o correligionário, argumentando que, até aquele momento, ele não era oficialmente candidato. Renan se exaltou. Na direção de Pacheco, gritou: — Não sei se vossa excelência, trazendo aí os anos e as culturas de Minas Gerais, dos doutos que participaram de momentos dramáticos da história deste Parlamento... Vou lembrar Tancredo Neves, quando Auro de Moura Andrade, que era presidente, não era terceiro suplente, quando ele cassou um presidente da República, o Tancredo Neves daqui gritou: “Canalha! Você não pode fazer isso, canalha! Você está espancando a democracia e a Constituição”. Não adiantou. Alcolumbre mandou iniciar a votação sobre a escolha ser sigilosa ou não. Aliada de Renan, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) se revoltou. Subiu à Mesa Diretora e, em pé, ao lado de Alcolumbre, exigiu que ele deixasse a presidência da sessão.

— Se o senhor pode presidir esta sessão, eu também posso. Chame o (senador) mais velho; depois, o segundo mais velho; depois, o terceiro —disse a senadora. Alcolumbre disse que aceitaria repassar a presidência da sessão ao senador José Maranhão (MDB-PB), o mais idoso no plenário, desde que a votação que definiu o voto aberto não fosse anulada. — Enquanto estiver amparado, quero dizer ao Senado que continuarei exercendo minhas atribuições. Respeito posições contrárias, mas não ofensas. Respeito divergências, mas não aceito agressões —afirmou. Ao longo do dia, Renan montou uma espécie de bunker no gabinete de Eduardo Braga. O receio com o voto aberto aumentou com o passar das horas, quando alguns colegas sinalizaram a ele dificuldade em apoiá-lo sem o sigilo da escolha.

Nas últimas semanas, emissários de Onyx circularam no Senado tentando dissuadir pré-candidatos e oferecendo um “governo de portas abertas” aos apoiadores de Alcolumbre. A interferência de um ministro de Bolsonaro incomodou e foi levada a público por parlamentares de diferentes partidos. (Amanda Almeida, Renata Mariz, Jailton de Carvalho e Natália Portinari)

“Vou lembrar Tancredo Neves. Quando Auro de Moura Andrade cassou um presidente, o Tancredo gritou: ‘Canalha!” Você (Alcolumbre) está espancando a democracia”

Renan Calheiros (MDB-AL), senador

“Se o senhor pode presidir esta sessão, eu também posso. Chame o (senador) mais velho; depois, o segundo mais velho; depois, o terceiro”

Kátia Abreu (PDT-RO), senadora e aliada de Renan

“Enquanto estiver amparado, quero dizer ao Senado que continuarei exercendo minhas atribuições. Respeito posições contrárias, mas não ofensas, não aceito agressões”

Davi Alcolumbre (DEM-AP), senador e presidente da sessão