O globo, n. 31226, 03/02/2019. País, p. 10

 

Desastres colocam em xeque modelo de mineração no Brasil

Manoel Ventura

03/02/2019

 

 

Órgão fiscalizador tem apenas 34 agentes para dar conta de 717 barragens em todo o país. Em Minas Gerais, são só cinco

O rompimento das barragens de Mariana e de Brumadinho, em Minas Gerais, com o colapso das estruturas de rejeitos úmidos de minério de ferro, trouxe à tona a discussão sobre a forma como o material é armazenado no Brasil e a necessidade de encontrar alternativas para a atividade da mineração no país. Especialistas são unânimes em condenar o método de construção por alteamento a montante, utilizado nos dois reservatórios que foram ao chão.

O desastre também chamou atenção para a fiscalização federal de barragens de mineração praticamente inexistente no país. A Agência Nacional de Mineração (ANM) tem apenas 34 fiscais para dar conta de 717 barragens em todo o país. Em Minas Gerais, estado que concentra o maior número de estruturas no país, são apenas cinco. Para fiscais do órgão ouvidos pelo GLOBO, seriam necessários, no mínimo, dois mil profissionais para conseguir acompanhar presencialmente todo o sistema de barragens de mineração no Brasil. A última vez que a barragem rompida em Brumadinho foi visitada pelos técnicos do órgão responsável pelo monitoramento foi em 2016. A fiscalização da agência ocorre de duas formas. Uma delas é documental.

A agência recebe as declarações de estabilidade das próprias empresas, com relatórios de inspeções quinzenais e com declarações de estabilidade duas vezes por ano. A barragem da Vale teve declaração de estabilidade entregue pela mineradora em nome de consultorias como a Tüv Süd pelo menos três vezes em 2018. A segunda forma de fiscalização pela ANM é presencial. Técnicos afirmam reservadamente, no entanto, que o monitoramento in loco é raro e, em alguns empreendimentos, nunca ocorreu. Não há braço suficiente para dar conta de mais de 700 barragens espalhadas por 20 estados. Diante da crise, a agência tentará contratar funcionários temporários para a função de fiscal até conseguir fazer um concurso público. Para um diretor do órgão, no entanto, a chave de tudo isso é investimento em tecnologia para monitoramento online e em tempo real de cada uma das estruturas.

Preocupação

O que mais preocupa o governo são as 88 barragens espalhadas pelo país e construídas seguindo a técnica de alteamento a montante. Nesse modelo, a barragem vai crescendo em forma de degraus para dentro do reservatório, utilizando o próprio rejeito do processo de beneficiamento do minério sobre o dique inicial. Este tipo de barragem já é proibido no Chile, por exemplo, e tem sido menos usado nos Estados Unidos e na Europa. Os outros tipos de construção, considerados mais seguros, são alteamento a jusante, linha de centro e etapa única.

A ANM estuda mandar eliminar todas as estruturas a montante, assim como a Vale anunciou que fará com seus dez reservatórios desse tipo. Desde 2016, após o desastre de Mariana, o governo não autoriza mais a construção de barragens desse tipo. O problema é o passado. Das 88 estruturas, 43 são classificadas como de alto dano potencial associado. Roberto Galery, professor e pesquisador da faculdade de Engenharia de Minas da UFMG, alerta que qualquer barragem de mineração precisa ter um sistema de drenagem eficiente, monitorado e controlado para a estrutura não encharcar e desabar.

—O nível de água da barragem tem que ser mantido o mais baixo possível. A grande questão é drenar para fora da barragem a água e isso independente do modelo de construção —afirma. Carlos Barreira Martinez, pesquisador da UFMG e especialista em engenharia hidráulica, critica o setor mineral por, segundo ele, usar técnicas ultrapassadas, e cita monitoramentos com sensores a laser, de vibração e sonoros que devem ser usadas para monitorar barragens.

— Existe uma lei de segurança de barragem. Ela tem que ser seguida —afirmou. O processamento de minério a seco vem sendo defendido por especialistas como alternativa para as barragens de todos os tipos.

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Canadá mudou após catástrofe

Marco Grillo

03/02/2019

 

 

Um desastre ambiental no Canadá provocou mudanças no setor de mineração, um dos grandes propulsores econômicos do país. Em agosto de 2014, a barragem da mina de Mount Polley, em British Columbia, se rompeu, lançando 24 milhões de metros cúbicos de rejeitos em rios e lagos da região. Após a tragédia, três investigações diferentes foram conduzidas, uma delas por um comitê independente, composto por engenheiros e outros técnicos dedicados às causas do rompimento da estrutura.

Uma outra apuração foi conduzida pelo superintendente-chefe de Minas —funcionário indicado pelo governo canadense para coordenar o trabalho de mineração no país —e, ao fim dos trabalhos, o grupo de engenheiros e o representante do governo expediram 26 recomendações para as empresas do setor. As mudanças incluíram questões de segurança, como a alteração nos limites de inclinação das barreiras; a obrigatoriedade da análise de engenheiros independentes para a aprovação da barragem e atualizações periódicas das condições; e o maior afastamento de novos depósitos de rejeitos de represas, rios e lagos, atingidos pelo desmoronamento de agosto de 2014. Após as recomendações, o Código de Saúde e Segurança das Minas de British Columbia, documento que rege as atividades na região, foi atualizado formalmente.

“Com as mudanças, nossos padrões para armazenamento de rejeitos de mineração agora estão entre os melhores do mundo”, disse na época o ministro de Minas e Energia Bill Bennett. Um ponto, no entanto, é semelhante à situação brasileira: se aqui, Vale e Samarco não pagam as multas aplicadas, no Canadá, a Imperial Metals Corp não sofreu punição financeira.