O globo, n. 31240, 17/02/2019. País, p. 12

 

Apesar de renovação, baixo clero ganha espaço no poder

Dimitrius Dantas

17/02/2019

 

 

Parlamentares sem expressão nacional conquistaram cargos-chave

As eleições de 2018 foram marcadas pela renovação, principalmente no Congresso Nacional. Contudo, nos primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro, quem mais se favoreceu não foram os novatos, mas membros do “baixo clero”, como é chamado o grupo de deputados e senadores sem expressão nacional. Parte deles soube surfar a onda da mudança. Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) chegaram juntos à Câmara dos Deputados em 2003. Hoje, Lorenzoni é ministro da Casa Civil e Alcolumbre é presidente do Senado. Nessa Casa, o líder do PSL, senador Major Olímpio (SP), é novato, mas não na política. Foi deputado estadual e federal, mas destacou-se muito mais fora da Câmara do que no plenário. Durante o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, compareceu a um evento no Palácio do Planalto e causou confusão ao gritar “Vergonha! Vergonha!”, bordão que virou um de seus slogans de campanha.

Oportunidade na crise

Na Câmara, a liderança do governo ficou para o Major Vitor Hugo (PSL-GO), deputado de primeiro mandato. Ele passou os últimos três anos diariamente nos corredores do Congresso Nacional, mas como funcionário concursado, na função de consultor legislativo. Foi nesse período que se aproximou de Bolsonaro e entrou de vez para a política. — São muitas as variáveis que produziram a eleição do Alcolumbre e de outros nomes do baixo clero para o topo da Câmara e do Senado. A crise abriu muitas oportunidades —diz o cientista político José Álvaro Moisés, professor da Universidade de São Paulo (USP).

Para ele, a troca de nomes é muito mais influenciada por um sentimento de negação, e pela necessidade de afastar os rostos da elite política que comandou Brasília nas últimas décadas, do que exatamente por um compromisso com uma mudança de práticas.

A carreira política de Alcolumbre se assemelha mais à tradição do que à renovação.

Em sua terra natal, o Amapá, sua família já está na política há muito tempo. O aeroporto internacional da capital do estado, Macapá, leva o nome de seu pai, Alberto. Seu primeiro suplente no Senado é o próprio irmão, Josiel. Em 2018, em três pareceres distintos, a Procuradoria-Geral Eleitoral pediu a cassação do mandato de Alcolumbre sob a acusação de ter cometido crimes eleitorais na sua eleição para o Senado, em 2014. Para chegar ao comando do Senado, em eleição disputada no último dia 2, Alcolumbre articulou com Onyx Lorenzoni uma manobra regimental típica de seu principal adversário, o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Para José Álvaro Moisés, a pergunta que definirá os novos rostos é a mesma que apareceu no início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: as novas lideranças conseguirão resistir às velhas práticas? Analisando os nomes de deputados e senadores, chega-se à conclusão que a atual legislatura foi a que teve a maior renovação desde 1998. Mas um estudo da consultoria de políticas públicas Patri sobre a composição do Congresso Nacional mostra que, na Câmara, apenas 66 deputados nunca tinham ocupado qualquer cargo público antes. Os outros 196 “novatos” já ocuparam algum cargo, mandato ou possuem parentes na política. No Senado Federal, nove nunca ocuparam nenhum cargo, enquanto 37 tem um histórico na política.