O globo, n. 31227, 04/02/2019. País, p. 4

 

Alerta, apesar da vitória

Amanda Almeida

Eduardo Bresciani

Jussara Soares

04/02/2019

 

 

Governo, agora, atua para aprovar reformas

Apesar da eleição de aliados para comandar o Senado e a Câmara, o governo Bolsonaro tem consciência que precisará de uma articulação mais eficiente para a formação de uma base parlamentar ampla para a votação de propostas polêmicas e que alterem a Constituição, como a reforma da Previdência. Os tumultos na eleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP) deixaram fraturas importantes no Senado, principalmente no grupo de Renan Calheiros (MDB-AL).

A eleição tranquila de Rodrigo Maia (DEM-RJ), por sua vez, é um mérito que o governo admite ser mais do parlamentar fluminense, que apoia as reformas, que do Planalto, tanto que aliados de Maia já traçam estratégias para aumentar o poder de barganha com o governo. A principal é esvaziar o poder do deputado novato Major Vitor Hugo (PSLGO), escolhido pelo presidente como seu líder na Casa, atribuindo papel de interlocução com o Planalto ao líder da maioria, que ainda não foi escolhido.

Vista como uma vitória pessoal do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, a eleição de Alcolumbre no Senado deflagrou uma preocupação de integrantes do Palácio do Planalto sobre as dificuldades que o governo Jair Bolsonaro enfrentará com a oposição declarada de Renan Calheiros, desafeto de Onyx. O chefe da Casa Civil também é contestado por alguns parlamentares da base, inclusive do PSL de Bolsonaro.

Mesmo com a derrota, Renan, na visão de auxiliares do presidente, tem influência para definir as votações e atrapalhar a vida do governo. Parte da equipe do Executivo defendia, reservadamente, a vitória do emedebista para o comando da Casa, por considerar que ele teria mais instrumentos para garantir a aprovação da reforma da Previdência. Tanto que o ministro Paulo Guedes (Economia) se reuniu com Renan antes da eleição e nunca procurou Alcolumbre.

A desistência de Renan após o voto aberto de Flávio Bolsonaro, filho primogênito do presidente, foi entendida como um recado de que o governo não terá vida fácil. Aliados do pai consideraram uma “trapalhada” a atitude de Flávio, por empurrar o emedebista a ficar contra o governo.

MDB define estratégia

O MDB ainda vai discutir seus próximos passos em uma reunião na tarde de hoje. A ideia é, primeiro, fazer a negociação de outros espaços na Casa antes de se posicionar sobre o governo. Um dos senadores que apoiaram o alagoano diz que a legenda, como maior bancada, quer espaço na Mesa Diretora e comandar a comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a principal da Casa. O grupo afirma que aceita negociar, mas adverte que, se Alcolumbre optar pelo isolamento do grupo de Renan, estará criado um problema para o governo.

Cotada para um cargo na Mesa ou a presidência de uma comissão importante, a senadora Simone Tebet (MS), que enfrentou Renan na bancada do MDB e saiu vitoriosa com o apoio a Alcolumbre, avalia que a eleição para a Presidência do Senado não é o termômetro ideal para sentir a força do governo no Senado.

—Havia ali um interesse específico, que era tirar o Renan. Há gente que votou em Davi e que não vota na reforma, necessariamente. Há gente que é governo e não gostaria de votar no Davi para não dar hegemonia ao DEM, mas votou com outro objetivo. Além disso, há muita gente nova que não vai necessariamente seguir o líder. Vai ser difícil ser líder nesse Congresso —avaliou Simone Tebet.

Aliado de Alcolumbre, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) reconhece a ajuda de Onyx, mas refuta a avaliação de interferência do governo na eleição.

—O Davi não era candidato do governo. O governo não tinha candidato. Agora, se você perguntar se o Onyx foi aliado do Davi? Claro que foi. O Onyx é amigo do Davi, mas o governo não operou nada — afirmou Marcos Rogério.

A vitória maiúscula de Rodrigo Maia na Câmara esconde insatisfações que começam a surgir na base aliada do governo. A falta de interlocução está presente na conversa de vários deputados, que reclamam da escolha do líder do governo. Major Vitor Hugo está em seu primeiro mandato e ainda na fase de se apresentar aos colegas. Alguns defendem que alguém com mais traquejo político comande as negociações.

Diante disso, o bloco que deu sustentação a Maia já discute internamente o nome do líder da maioria, cargo que foi criado há dois anos e, até então, tinha pouca importância. A ideia é nomear alguém capaz de concentrar as negociações com os principais partidos, esvaziando o poder de Vitor Hugo.

O governo está ciente da dificuldade. O ex-deputado Carlos Manato, secretário especial da Casa Civil para a Câmara, inclusive, pediu uma sala na Câmara para que possa despachar às terças e quartas, auxiliando na interlocução com os deputados.

—Será um apêndice da Casa Civil — afirmou Manato, durante a eleição de Maia.

As primeiras dificuldades foram externadas por Rodrigo Maia logo após sua vitória. Ele manifestou resistência a uma manobra que o governo preparava para levar a reforma da Previdência diretamente ao plenário. Maia destacou que a tendência é o projeto começar do zero, pelas comissões. Com isso, o governo terá que trabalhar por mais tempo para alcançar seu objetivo. 

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Davi é investigado por fraude em prestação de contas

André de Souza

04/02/2019

 

 

Presidente do Senado é alvo de dois inquéritos no STF por possíveis crimes na campanha de 2014; ele nega irregularidades

O novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), é investigado em dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), por possíveis crimes ocorridos durante a campanha eleitoral de 2014, quando foi eleito senador. As informações foram divulgadas pela Rádio CBN e confirmadas pelo GLOBO.

No inquérito mais antigo, de 2016, Alcolumbre é investigado em razão da “utilização de notas fiscais frias inidôneas para a prestação de contas, ausência de comprovantes bancários e contratação de serviços com data posterior à data das eleições”, segundo manifestação da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Há cheques que, embora emitidos a empresas que teriam prestado serviços ao candidato, foram endossados pelo contador da campanha ou sacados em espécie na boca do caixa.

O segundo inquérito é mais recente, de 2018, e apura a apresentação de notas fiscais frias na prestação de contas da eleição de 2014. Como são assuntos ligados, as duas investigações estão correndo em conjunto no STF, por decisão do juiz instrutor Fernando Brandini Barbagalo, que trabalha no gabinete da ministra Rosa Weber, relatora dos processos.

Presidente nega acusação

No pedido de abertura do segundo inquérito, Dodge reconheceu que o processo não foi adiante na Justiça Eleitoral, mas destacou que isso não impede que o caso possa ser investigado em outras instâncias. A Justiça Eleitoral concluiu que o senador não teve ciência prévia de que as notas fiscais eram falsas. Também entendeu que não houve prova da participação dele na falsificação. Dodge discordou:

“Ressai improvável o alegado desconhecimento e, efetivamente, a não participação do parlamentar. Para a segurança necessária para eventual oferecimento de ação penal, no entanto, o aprofundamento da apuração é medida necessária”.

Alcolumbre nega qualquer irregularidade e, à Justiça Eleitoral, defendeu a legalidade dos gastos e destacou que suas contas foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP) .

Em nota enviada ontem, ele afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que as apurações vão provar que ele não tem envolvimento nas acusações. “Os dois inquéritos estão relacionados à prestação de contas da campanha de Davi Alcolumbre ao Senado em 2014. A prestação de contas foi aprovada pelo TRE do Amapá. O senador Davi Alcolumbre confia que, ao final das apurações, ficará provado que ele não teve envolvimento algum com as acusações que lhe são feitas”, diz o texto.