Correio braziliense, n. 20353, 10/02/2019. Mundo, p. 12

 

Cavaleiros de Troia

Silvio Queiroz

10/02/2019

 

 

UNIÃO EUROPEIA » Populistas de extrema-direita, adversários da integração continental miram a construção de uma forte bancada no parlamento do bloco, que será renovado nas urnas em maio. Impasse do Brexit desembarca na campanha

O ambicioso projeto de integração da Europa, acalentado desde o fim da 2ª Guerra Mundial e conduzido passo a passo ao longo de meio século, tem encontro marcado com o destino entre 23 e 26 de maio. Nesses quatro dias, milhões de cidadãos dos 27 países-membros renovarão o Parlamento Europeu, que detém poderes limitados, mas simboliza a ideia de uma democracia continental — principalmente nas eleições. Neste ano, porém, os eleitores irão às urnas com o imponente complexo de Bruxelas, sede da União Europeia (UE), e o palácio parlamentar de Estrasburgo sob assédio. Uma legião de políticos da extrema-direita populista, alguns deles partidários sem disfarces da demolição do bloco, está em campanha para conquistar posições e minar por dentro o edifício da integração.

Nos três últimos anos, a entrada em massa de imigrantes vindos do Oriente Médio e do Norte da África empurrou essas forças políticas para posições de destaque no cenário doméstico de alguns dos carros-chefes do bloco — sobretudo, Alemanha, França e Itália. Nos próximos dois meses, a ofensiva eleitoral dos eurocéticos tem como aliado o impasse em torno do Brexit, o processo pelo qual o Reino Unido deve se tornar, em 29 de março, o primeiro país a deixar a UE. A perspectiva de um divórcio sem acordo, com impacto imprevisível na economia, alimenta o discurso dos líderes dessa coalizão informal, que conta ainda com a simpatia da nova direita norte-americana.

Com os britânicos fora do processo, o total de cadeiras será reduzido a 705. Entre as atuais 751, a maior bancada é a do Partido Popular Europeu (PPE), composto pela direita “clássica” ou “histórica”, seguida pela dos socialistas. Esses, porém, despontam como os principais candidatos a perder dezenas de vagas para os populistas, que disputam com os representantes locais do PPE as primeiras posições, nas pesquisas de intenções de voto, entre os eleitores alemães, franceses e italianos.

 

Le Pen

“Os franceses e as francesas esperam que o poder político, finalmente, defenda os interesses da França, e não o das multinacionais”, proclamou há duas semanas, no lançamento da campanha, o líder da lista de candidatos apresentada pela legenda de ultradireita Reunião Nacional (RN), Nicolas Bay. Eurodeputado na legislatura que termina, ele foi apadrinhado pela estrela máxima do partido, Marine Le Pen, que na última eleição europeia fez da então Frente Nacional a campeã de votos no país.

Bay terminou janeiro diante de um quadro menos favorável que o da largada, quando a RN liderava as preferências dos franceses. Na última sondagem, perdeu três pontos e apareceu em segundo lugar, com 21%, atrás da República em Marcha (REM), do presidente Emmanuel Macron, que ganhou cinco pontos e chegou a 23,5%. Algoz de Le Pen no segundo turno da eleição presidencial de 2017, que venceu com dois terços dos votos, o centrista Macron dá sinais de superar o desgaste sofrido por semanas seguidas de protestos dos “coletes amarelos”, movimento nascido da revolta contra a situação econômica — que também apresentou candidatos à disputa europeia.

 

Berlusconi

É na Itália que os “cavaleiros de Troia” anti-UE apostam as fichas em uma vitória convincente, montados na força política do partido de extrema-direita Liga. Com uma forte agenda anti-imigração, a legenda emergiu da última eleição parlamentar, no ano passado, como a força motriz de um governo cuja composição reflete a fragmentação política do país. O primeiro-ministro, Giuseppe Conte, pertence ao Movimento Cinco Estrelas, legenda de protesto que conquistou o maior número de cadeiras no parlamento. Mas quem rege a orquestra é o ministro do Interior, Matteo Salvini, da Liga.

Com a centro-esquerda fora do páreo, a direitista Força Itália joga suas chances no ex-premiê Silvio Berlusconi, 82 anos, liberado pela Justiça após cumpir condenação por abuso de poder e corrupção. Personagem controverso, ele retorna ao palanque com as bênçãos do atual presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, um correligionário — e entra em campo disposto a encarnar o sentimento pró-UE. “Na minha maravilhosa idade, o senso de responsabilidade me obriga a assumir um papel e ajudar os cidadãos da Europa a compreender os riscos de nos afastarmos dos valores ocidentais”, discursou o Cavaliere, como é aclamado pelos admiradores.

Para a chanceler (chefe de governo) da Alemanha, Angela Merkel, a eleição europeia será quase um canto do cisne: com a popularidade em queda, ela anunciou a aposentadoria ao fim do quarto mandato consecutivo, em 2021. Em maio, ela empenhará o prestígio em favor da União Democrata Cristã (CDU), que se agarra nas pesquisas de opinião ao status de volkspartei (“partido de massas”), ameaçado pela ascensão da ultradireitista Altenativa para a Alemanha (AfD). Castigada em 2017 com o pior resultado do pós-guerra, a CDU escorrega do patamar de 30%, enquanto os rivais galgam os degraus da casa dos 20% e se firmam no segundo lugar — deixando para os social-democratas a incômoda perspectiva de se contentar com um resultado apenas na faixa dos 10%,

 

Frases

“Os franceses e as francesas esperam que o poder político, finalmente, defenda os interesses da França, e não o das multinacionais”

Nicolas Bay, candidato ao Parlamento Europeu pela Reunião Nacional, na França

 

Os “vilões” da integração

Extrema-direita e forças antieuropeias de olho em Estrasburgo

 

França

A Reunião Nacional (antiga Frente Nacional), formação ultradireitista, anti-UE e anti-imigração, foi a mais votada no país na última eleição europeia. Em 2017, sua líder, Marine Le Pen, desbancou partidos tradicionais de direita e esquerda e disputou o segundo turno da eleição presidencial, mas foi derrotada por Emmanuel Macron.

 

Itália

O partido de extrema-direita A Liga, do ministro do Interior, Matteo Salvini, é hoje a força principal de um governo que anda às turras com a UE. O Movimento Cinco Estrelas (M5S), legenda “antissistema” que integra o gabinete de coalizão, foi o mais votado na última eleição parlamentar e compartilha a posição antieuropeia.

 

Alemanha

Fenômeno das eleições legislativas de 2017, a Alternativa para a Alemanha (AfD) entrou no Bundestag (parlamento federal) com a terceira maior bancada — a maior da oposição à coalizão liderada pela chanceler Angela Merkel. Atualmente, aparece nas pesquisas em segundo lugar e aposta em bons resultados na eleição europeia de maio.