Correio braziliense, n. 20347, 04/02/2019. Mundo, p. 13

 

Reprovação em cascata

04/02/2019

 

 

AMÉRICA LATINA » Com o fim do prazo dado pela Europa para a convocação de novas eleições presidenciais na Venezuela, a expectativa é de que os governos de pelo menos sete países reneguem Maduro e reconheçam autoridade de Juan Guaidó

Com o fim do prazo dado a Nicolás Maduro por França, Espanha, Alemanha, Reino Unido, Portugal, Holanda e Áustria para a realização de novas eleições na Venezuela, aumenta a pressão internacional sobre o chavismo. Na Europa, espera-se para hoje um efeito cascata no reconhecimento do parlamentar Juan Guaidó como presidente interino. O ultimato dos países europeus venceu à meia-noite, sem que o governante anunciasse a intenção de organizar um novo pleito. A expectativa é de que os sete — Viena aderiu ontem à demanda — juntem-se a Brasil, Estados Unidos, Canadá, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru e reconheçam a autoridade do deputado da oposição. Uruguai, México, Santa Lúcia, Guiana e União Europeia, que por enquanto estão neutros, marcaram para quinta-feira uma reunião em Montevidéu para discutir a crise política de Caracas.

“Vamos considerar que o senhor Guaidó é legítimo para ocupar o lugar (de Nicolás Maduro) e vamos considerá-lo como o presidente em exercício até eleições legítimas”, disse, ontem, a ministra francesa dos Assuntos Europeus, Nathalie Loiseau. Horas antes do prazo final do ultimato, ela descreveu como uma “farsa trágica” a proposta do chefe de Estado venezuelano de realizar eleições legislativas. No sábado, Maduro propôs antecipar o pleito em um ano. Atualmente, a oposição liderada por Guaidó é maioria na Assembleia Nacional, não reconhecida pelo governo, que vê autoridade na Constituinte.

Em entrevista à emissora espanhola La Sexta, o chefe de Estado disse ontem que apoia a reunião do grupo de contato internacional, mas criticou o ultimato europeu. “Por que a União Europeia tem que dizer a um país do mundo que já fez eleições que deve repetir suas eleições presidenciais? Por que não foram vencidas por seus aliados de direita?”, questionou. Maduro afirmou que não dará “o braço a torcer por covardia, diante das pressões”. Contudo, aprovou a iniciativa da reunião em Montevidéu. “Eu apoio essa conferência. Aposto que dessa iniciativa surgirá uma mesa de negociações, de diálogo entre os venezuelanos, para resolver nossos assuntos, para agendar um plano, uma rota de solução para os problemas da Venezuela.”

 

Recado

Antes de encerrar a entrevista, o presidente enviou uma mensagem ao oponente, Juan Guaidó: “Que abandone a estratégia golpista, que se quer aportar algo, sente-se em uma mesa de conversação cara a cara”. No sábado, o chefe de Estado foi confrontado pelo general da divisão da Aviação venezuelana Francisco Yánez, que declarou apoio a Guaidó em um vídeo. Foi o primeiro militar da ativa de mais alta patente a reconhecer a presidência interina. Ontem, foi divulgada uma foto de Maduro discursando para tropas na Base Naval de Turiamo, em Aragua, em uma tentativa de demonstrar apoio da Força Armada.

O deputado Juan Guaidó, 35 anos, reivindicou a presidência interina da Venezuela em 23 de janeiro, recebendo apoio de parte da comunidade internacional em seguida. As eleições que colocaram Maduro novamente no poder, em maio do ano passado, foram marcadas por fraudes relatadas por observadores estrangeiros. Por isso, democracias europeias e latino-americanas, além de EUA e Canadá, se recusaram a reconhecer a legitimidade do segundo mandato. Maduro, por sua vez, afirma ter o apoio de China, Coreia do Norte, Turquia, Cuba e Rússia, e aponta que há, em curso, uma luta geopolítica, na qual Washington usa Guaidó de fantoche para dar um golpe de Estado e ficar com as riquezas petroleiras da Venezuela.

Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reafirmou que o uso do Exército na Venezuela é viável, considerada diante da crise política no país. Quando perguntado, durante uma entrevista com o canal americano CBS, sobre o que o levaria a recorrer ao exército, o presidente disse que não comentaria a questão. Porém, emendou: “Mas é certamente uma opção”. Washington disse claramente há alguns meses, e novamente nos últimos dias, que “todas as opções”, incluindo a militar, estão sobre a mesa no que diz respeito à crise venezuelana.

Pelo Twitter, o autoproclamado presidente interino anunciou que pedirá à União Europeia ajuda humanitária e proteção de ativos venezuelanos. “Vamos exercer nossas competências para atender à crise, restabelecer a democracia e alcançar a liberdade”, escreveu Guaidó. No sábado, ele afirmou, em discurso à multidão, que será criada uma “coalizão nacional e internacional” com três centros de armazenamento de remédios e alimentos no Brasil, na Colômbia e em uma ilha caribenha. O conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton, confirmou que, a pedido do deputado, os EUA estão “mobilizando e transportando ajuda humanitária” para a Venezuela.

 

Frases

"Por que a União Europeia tem que dizer a um país do mundo que já fez eleições que deve repetir suas eleições presidenciais? Por que não foram vencidas por seus aliados de direita?”

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela

 

"Vamos considerar que o senhor Guaidó é legítimo para ocupar o lugar (de Nicolás Maduro) e considerá-lo como o presidente em exercício até eleições legítimas”

Nathalie Loiseau, ministra francesa dos Assuntos Europeus