Correio braziliense, n. 20346, 03/02/2019. Mundo, p. 14

 

Maduro sofre revés nos 20 anos do chavismo

03/02/2019

 

 

VENEZUELA » Pela primeira vez, um militar do mais alto escalão declara apoio a Juan Guaidó no comando do país, enquanto multidões vão às ruas em manifestações contra e a favor do líder oposicionista. Em discurso, presidente anuncia que antecipará eleições parlamentares

No dia em que o chavismo completou duas décadas, um militar na ativa de alto escalão na Venezuela afirmou, pela primeira vez, que não reconhece Nicolás Maduro como presidente do país. Uniformizado, o general da divisão da Aviação Francisco Yánez publicou um vídeo nas redes sociais, declarando apoio ao líder da oposição, Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente do país em 23 de janeiro. “Me dirijo a vocês para informá-los que não reconheço a autoridade ditatorial e autoritária de Nicolás Maduro e reconheço o deputado Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela”, declarou.

De acordo com Yánez, diretor de Planejamento Estratégico do alto-comando da Aviação, na base aérea de La Carlota (Caracas), 90% da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) “não está com o ditador, está com o povo da Venezuela”. A divulgação do vídeo, gravado em local não identificado, ocorreu no 20º aniversário da primeira posse de Hugo Chávez — 2 de fevereiro de 1999 — e no dia em que opositores e apoiadores do chavismo foram às ruas para se manifestar sobre a frágil situação política do país.

Discursando a uma multidão, Maduro anunciou a antecipação das eleições parlamentares, que seriam realizadas no ano que vem. A proposta da governista Asssembleia Constituinte é renovar o Parlamento, de maioria opositora. “A Constituinte avalia convocar uma antecipação das eleições parlamentares este mesmo ano (…). Eu estou de acordo e me comprometo com essa decisão”, disse. Também afirmou que aumentará o número de soldados para enfrentar o que denunciou como um “plano macabro” do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para intervir no país e derrubá-lo.

No vídeo divulgado ontem, Francisco Yánez deu a entender que nenhuma manobra será capaz de manter Maduro no poder. “A transição à democracia é iminente. Continuar mandando a Força Armada seguir reprimindo o nosso povo é continuar com as mortes de fome, de doenças e, Deus me livre, de combates entre nós mesmos”, advertiu. Segundo o general rebelado, “companheiros democratas” do grupo aéreo presidencial lhe informaram que, diariamente, dois aviões ficam em prontidão, no caso de Maduro decidir sair do país. “Que vá embora!”, enfatizou.

Em reação, a Aviação Militar publicou no Twitter uma foto do militar com a palavra “traidor”. “Manifestamos o nosso mais enérgico rechaço à atitude criminosa (de Yánez), que trai seu juramento de lealdade à pátria, à institucionalidade e ao nosso comandante em chefe, Nicolás Maduro”, escreveu o general Juan Teixeira, comandante da Defesa Aeroespacial da Fanb.

 

Lealdade

A cúpula da Força Armada declarou, em várias ocasiões, lealdade absoluta a Maduro, mas há fissuras internas. Em 21 de janeiro, dois dias antes de o chefe do Parlamento se autoproclamar presidente interino, 27 militares da Guarda Nacional se rebelaram e, depois de se entrincheirarem em um quartel de Caracas, foram detidos. A rebelião fez explodir surtos de violência, com pequenos protestos e roubos. Juan Guaidó, que comandou ontem uma manifestação exigindo a saída de Maduro do poder, oferece anistia aos militares que tentarem quebrar o principal apoio do governo.

“Aos meus companheiros de armas, peço que não deem as costas ao povo (...), não reprimam mais”, apelou Yánez no vídeo, em um momento em que protestos opositores deixaram, em uma semana, 40 mortos e 850 detidos, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Liderada por Juan Guaidó, uma multidão desafiou o regime chavista e foi às ruas de Caracas pedir que Nicolás Maduro entregue o poder. “Usurpador, saia já”, “Fora, ditador” e “Força Armada, escuta o povo” eram frases lidas em cartazes que os opositores levavam. “Viva, Guaidó”, gritaram quando o deputado subiu no palanque.

Em frente à sede da União Europeia, no leste de Caracas, os opositores saíram em passeata em apoio ao ultimato dado a Maduro por França, Espanha, Alemanha, Reino Unido, Portugal e Holanda para aceitar eleições livres. Na quinta-feira, o Parlamento Europeu reconheceu Guaidó como presidente interino, pressionando a UE. À procura de uma saída para a crise, foi anunciada a criação de um grupo de contato de países europeus e latino-americanos por um período de 90 dias.

México e Uruguai convocaram uma conferência internacional para países neutros em 7 de fevereiro em Montevidéu. Já Estados Unidos e países latinos, incluindo o Brasil, declararam apoio a Juan Guaidó. Mas Maduro, 21 anos mais velho que o adversário, conta com a China e a Rússia e diz ser vítima de um golpe de Estado, no qual Washington usa Guaidó como “fantoche”.

O presidente, que ontem recebeu o apoio do Irã, aglutinou outra multidão para celebrar o chavismo. Vestindo uma camisa vermelha, ele cantou e discursou para o povo em um palanque, ao lado da mulher, Cilia Flores. Foi a primeira vez que Maduro retornou à Avenida Bolívar desde 4 de agosto, quando dois drones carregados com explosivos foram detonados perto da tribuna onde ele chefiava uma parada militar.

 

Frase

"A transição à democracia é iminente. Continuar mandando a Força Armada seguir reprimindo o nosso povo é continuar com as mortes de fome, de doenças e, Deus me livre, de combates entre nós mesmos”

Francisco Yánez, general da divisão da Aviação venezuelana