O globo, n. 31243, 20/02/2019. Opinião, p. 2

 

A chance de afinal a homofobia ser criminalizada

20/02/2019

 

 

Por contingências da realidade brasileira, a pauta do Supremo Tribunal Federal tem sido dominada por temas relacionados ao estratégico enfrentamento da corrupção na vida pública. Este longo e produtivo ciclo começou em 2005, com a denúncia do mensalão petista, e teve sequência com a Lava-Jato, operação lançada em 2014.


Está previsto para abril o STF voltar a enfrentar a questão da jurisprudência da prisão na condenação em segunda instância, instrumento-chave no combate à corrupção, como também da criminalidade em geral, principalmente a organizada.

A Corte, porém, tem conseguido tratar de temas sociais relevantes, em que costuma tender para o lado progressista, como necessário numa sociedade democrática e que se pretende aberta. No momento, está na pauta a criminalização da homofobia, causa de vários crimes.

O Tribunal aprecia duas ações, propostas pelo PPS e pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), que têm como relatores os ministros Celso de Mello e Edson Fachin. O primeiro iniciou a leitura do seu voto na semana passada e deve concluí-la hoje, dentro da correta linha da criminalização dos ataques à comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros). Levantamentos indicam que, a cada 20 horas, um LGTB é morto ou se suicida. No ano passado, 420 morreram no país.

O ministro Celso de Mello lastreia seu voto, entre outras bases, no respeito às minorias, garantido pela Constituição. Não deixa de criticar, sem nominá-la, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves: “(...) ‘meninos vestem azul e meninas vestem rosa’, essa concepção de mundo impõe, notadamente em face da comunidade LGBT, uma inaceitável restrição a suas liberdades fundamentais (...)”. Os ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que anda irão votar, elogiaram a tendência do voto de Celso de Mello.

Mas não é um julgamento fácil, porque ele ocorre no vácuo da omissão do Congresso em enfrentar o assunto. As ações foram impetradas devido à resistência de deputados e senadores a votarem projetos de criminalização da homofobia. Em 2001, a então deputada federal Iara Bernardi (PT-SP) apresentou o seu. Passaram-se 14 anos de tramitação, e ele terminou arquivado no Senado, pela regra do limite de três legislaturas de trâmite.

Se naquele Congresso o tema teve dificuldade de transitar, hoje, quando o perfil do Legislativo federal se mostra mais conservador, os obstáculos parecem maiores.

Mais uma razão, portanto, para o Supremo interpretar o tema à luz da Constituição — por sinal, seu papel preponderante. Mesmo assim, poderá haver ministro que peça vista dos processos, a fim de evitar conflito com o Poder Legislativo, agora com um peso maior de correntes conservadoras. Será uma pena.