O globo, n. 31246, 23/02/2019. Economia, p. 19

 

Entrevista - Rogério Marinho: ‘Todo mundo acha que a reforma é importante, mas ninguém quer dar a sua parcela de contribuição’

Rogério Marinho

Geralda Doca

Martha Beck

23/02/2019

 

 

Mudança nas regras de aposentadoria inclui ações contra grandes devedores. Governo envia na próxima semana ao Congresso projeto que endurece cobrança de quem tem dívida acima de R$ 15 milhões

O governo vai enviar ao Congresso na próxima semana mais um dos pilares da reforma da Previdência, o projeto que facilita a cobrança da dívida ativa. O texto está em fase final de preparação, mas o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, disse ao GLOBO que ele vai trazer uma definição do que são devedores contumazes: contribuintes que ficam inadimplentes por mais de um ano, entram e saem sistematicamente de programas de parcelamento e têm dívidas superiores a R$ 15 milhões —um universo de quatro mil devedores. Segundo o secretário, os outros três pilares são o combate a fraudes, a equidade e a justiça social. O secretário afirmou que vê com naturalidade as críticas que a reforma recebeu na largada e adiantou que está pronto para defender cada ponto da proposta, mas também para negociar.

Como o senhor recebeu as críticas de alguns líderes e governadores em relação à reforma? Vários disseram que ela terá de ser modificada para passar no Congresso.

Recebi com naturalidade. Faz parte do processo democrático. As pessoas falam de acordo com a sua percepção e a pressão que recebem de seus eleitores. As pessoas que chegam aqui estão representando um segmento. O nosso papel é conversar com essas pessoas, mostrar os dados, e tentar convencê-las.

O governo está disposto a fazer concessões? Retirar o que for mais impopular da reforma?

Numa negociação, não tem nada terminativo. Não podemos ir para uma posição de intransigência ou achar que o que o governo apresentou vai se manter incólume, até porque o papel do Congresso sempre foi o de aperfeiçoar os textos que lá chegam. Eu confio muito no espírito público deste novo Congresso. Os presidentes da Câmara e do Senado já têm uma agenda reformista.

O que é sagrado na proposta?

O que é sagrado é a espinha dorsal do projeto, o combate à fraude e aos grandes devedores, a questão da equidade, de todos participarem, a justiça no processo. Na verdade, o que a gente está propondo é fazer com que os mais ricos tenham as mesmas regras dos pobres, que já se aposentam com 65 anos. Todo mundo acha que a reforma é importante, mas ninguém quer dar a sua parcela de contribuição.

O governo alega que a proposta de reforma já foi encaminhada ao Congresso sem gordura para queimar. Já tratou da diferenciação de carreiras, por exemplo. Isso não é arriscado na hora de negociar?

Nós não abrimos mão de todo o histórico de negociação que ocorreu durante a preparação da PEC, na qual houve estresse, negociação com categorias e corporações. Evidente que nós entendemos que a dinâmica de tramitação no Congresso pode permitir outros tracionamentos indesejáveis, porque afetam o impacto fiscal e vão gerar um efeito cascata em todas as categorias que se sentem especiais. Mas a categoria mais especial é o conjunto da população, que já se aposenta aos 65,5 anos, recebe pouco mais de um salário mínimo, está na base da pirâmide social e não tem as prerrogativas das corporações. Mesmo reconhecendo as especificidades de algumas profissões, como policiais e professores, nós achamos que outras exceções podem fragilizar o processo como um todo.

O senhor não teme que a proposta acabe muito próxima à que foi apresentada pelo ex-presidente Michel Temer?

Acho que o governo fez a sua parte e apresentou o que ele acredita ser o melhor para o país. O Congresso fará a parte dele. Todos os interesses serão colocados e são legítimos num processo de discussão. O nosso papel é fazer a interlocução e, no limite, fazer algumas concessões, algumas transigências. Agora, tudo isso será feito de forma transparente. Qualquer concessão precisa ser explicada à sociedade.

O que o senhor pode falar sobre o projeto dos grandes devedores, que foi apresentado junto com a PEC da reforma, mas ainda não chegou ao Congresso?

O projeto deve chegar terça ou quarta-feira. Ele vai caracterizar o devedor contumaz. Aquele que não paga há mais de um ano, sem dar satisfação ao Estado, e tem dívidas acima de R$ 15 milhões. O projeto também vai fortalecer a PGFN (ProcuradoriaGeral da Fazenda Nacional), encurtar prazos, dar mais condições para que ela possa fazer tratativas, negociações, e focar no devedor.

Quantos devedores têm hoje esse perfil?

Há quatro mil, incluindo pessoas físicas e jurídicas, estados e municípios.

O governo endureceu as regras para servidores públicos, mas também para trabalhadores rurais e pessoas que recebem benefícios assistenciais. Como o senhor responde a críticas às mudanças?

A forma como as pessoas entenderam isso não é o entendimento que temos a respeito do BPC (benefício assistencial). Para os que recebem o benefício aos 65 anos, nós antecipamos a idade com um valor de R$ 400. Nesse extrato, de 60 a 64 anos, há 1,1 milhão de famílias que ganham o Bolsa Família, em média R$ 129. Essa antecipação (de R$ 400) vai permitir que as pessoas, individualmente, recebam os recursos, e não mais o grupo familiar. Ou seja, o dobro de pessoas vai ser beneficiado com R$ 400. É verdade que a pessoa só vai ganhar o salário mínimo aos 70 anos. Mas, por outro lado, 20 milhões de brasileiros recebem aposentadoria de um salário mínimo após terem contribuído por pelo menos 15 anos. Que incentivo a pessoa vai ter para contribuir para o sistema se terá a mesma coisa pelo BPC? Isso tem de ser revisto. Há uma concorrência entre os dois que está gerando uma desagregação do sistema.

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Proposta prevê bloqueio de bens de devedores contumazes

Marcello Corrêa

23/02/2019

 

 

Projeto de lei mira inadimplente contumaz e prevê bloqueio de bens

Um dos pilares da reforma da Previdência, a cobrança da dívida ativa será alvo de mudanças estabelecidas em projeto de lei que será apresentado ao Congresso. Uma das medidas prevê o bloqueio de bens de devedor contumaz —que deixou de pagar mais de R$ 15 milhões, não negociou a dívida e usou estratégias fraudulentas — antes de esgotados os recursos. “Todos acham que é importante a reforma, mas ninguém quer fazer sua parcela de contribuição”, disse o secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho. Oprojeto de lei que endurece a cobrança da dívida ativa — um dos pilares da reforma da Previdência — permitirá que o governo bloqueie bens de devedores contumazes antes de encerrados todos os recursos. A ideia é evitar manobras que escondem o patrimônio, tornando a recuperação do dinheiro mais difícil. A medida é um dos pontos do texto que será apresentado ao Congresso. Será considerado devedor contumaz quem deixou de pagar mais de R$ 15 milhões, não tenha tentado negociar a dívida por ao menos um ano e tenha usado estratégias consideradas fraudulentas.

O grupo de grandes devedores (acima de R$ 15 milhões) chega a cerca de 16 mil. Quatro mil serão enquadrados como “contumazes” e receberão uma cobrança mais dura. Hoje, a Justiça costuma questionar o bloqueio de bens de devedores antes de todos os recursos encerrados, que podem chegar até o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf ). O problema é que, após a autuação, empresas podem, por exemplo, criar CNPJs para transferir o patrimônio que poderia ser usado para pagar o débito, explica o procurador-geral adjunto de gestão da Dívida Ativa da União e do FGTS, Cristiano Neuenschwander. A legislação permitirá que órgãos fiscalizadores peçam o bloqueio de bens antes de esgotados os recursos.

— (O devedor contumaz) está no campo do ilícito, utiliza ardis e fraudes para se furtar (de fazer o pagamento) — explica Neuenschwander. A medida só valerá para empresas e pessoas que se enquadrarem nesse critério após a entrada em vigor da nova lei. Por exemplo, uma empresa que deve mais de R$ 15 milhões há dez anos e se enquadra nos outros critérios terá que passar mais um ano nessa condição, após a lei, para ser acionada pelas regras mais duras.