O globo, n. 31210, 18/01/2019. País, p. 6

 

Delegado da PF faz alerta sobre decreto das armas

Bela Megale

Daniel Gullino

18/01/2019

 

 

Chefe da Divisão Nacional de Controle de Armas de Fogo afirma que aumento exagerado do mercado pode ter ‘nefastas consequências’; advertência é focada em trecho que trata de exceções ao limite máximo

Um memorando da Polícia Federal (PF) afirma que um “aumento exagerado do número de armas em poder dos cidadãos” pode ter “nefastas consequências” para a segurança da sociedade. O texto é assinado pelo delegado Éder Rosa de Magalhães, chefe da Divisão Nacional de Controle de Armas de Fogo (DARM) da PF, e foi enviado anteontem para delegados de todo o país que atuam no controle de armas de fogo.

No documento, o delegado faz um resumo das mudanças impostas pelo decreto editado na última terça-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, que flexibilizou a posse de armas no Brasil, permitindo o acesso a todas as pessoas com mais de 25 anos, sem antecedentes criminais, submetidas a exames de aptidão técnica e psicológica.

A observação sobre as consequências prejudiciais do aumento do número de armas em circulação foi registrada pelo delegado no trecho em que ele orienta os integrantes da PF sobre como proceder ao analisar os “casos excepcionais” previstos no decreto de Bolsonaro, que liberam a posse de mais de quatro armas, nos casos em que isso for justificado.

Por exemplo, um produtor rural com múltiplas fazendas pode utilizar esse fato como argumento para solicitar um número indefinido de registros de posse de armas. No caso, a preocupação do delegado foi orientar os policiais a serem rigorosos na análise desses pedidos diferenciados. Ele ressalta que é necessário realizar uma “análise aprofundada” desses pedidos.

“Desse modo, nos requerimentos voltados à aquisição de mais de quatro armas de fogo, deverá haver uma análise aprofundada voltada a sopesar a ‘efetiva necessidade’ prevista na Lei nº 10.826/2003 para aquisição e transferência de armas de fogo, haja vista as nefastas consequências que um aumento exagerado do número de armas em poder dos cidadãos pode acarretarà incolumidade pública ”, escreveu.

O decreto assinado por Bolsonaro afirma que esse limite de armas pode ser superado “conforme legislação vigente”. A norma atual, expedida por portaria de 1999 do Exército, estabelece, apenas em casos especiais, um limite máximo de seis armas para instituições de segurança ou atiradores desportivos, que têm ainda acessoa modelos e calibres de uso restrito. São duas curtas e quatro longas.

Essa quantidade poderá mudar, no entanto, caso o Congresso Nacional crie uma lei estabelecendo outro parâmetro, que então se tornará a “legislação vigente” mencionada no decreto assinado por Bolsonaro.

O memorando também afirma que a PF não precisará fiscalizarse ascas a sonde moram crianças ou adolescentes terão um cofre —uma das exigências do decreto —e diz que será disponibilizado no site da corporação um modelo da declaração que as pessoas nessa situação deverão apresentar.

“Deverá haver uma análise aprofundada voltada a sopesar a ‘efetiva necessidade’ para aquisição e transferência, haja vista as nefastas consequências que um aumento exagerado do número de armas em poder dos cidadãos pode acarretar à incolumidade pública"

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Aumento de crimes é quase consenso na comunidade científica

Dimitrius Dantas

Tiago Dantas

18/01/2019

 

 

Ao analisar 61 estudos sobre o tema, pesquisador aponta aumento de riscos; outros fatores ainda contribuem para determinar efeitos na sociedade

Quanto mais armas de fogo, mais possibilidade de aumento dos crimes. Pelo menos é esse o consenso dos pesquisadores sobre o tema, de acordo com uma análise que reuniu mais de 61 estudos internacionais sobre o controle do acesso a armas e sua relação com a violência. Mas isso não quer dizer que, após o decreto do presidente Jair Bolsonaro, a violência vai crescer. A constatação é explicada por especialistas na área ouvidos pelo GLOBO: a realidade sobre a segurança pública é muito mais complexa e depende de muitos fatores diferentes.

A tese é corroborada por um documento produzido pela Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência em junho de 2018. Nele, especialistas apontam outros fatores que podem influenciar na taxa de crimes, segundo evidências encontradas pela pesquisa científica. Entre eles estão desde a iluminação pública a até mesmo a alíquota do imposto sobre bebidas alcoólicas.

Professor do Insper e da Unicamp, Thomas Conti é autor de “Dossiê Armas, Crimes e Violência: o que nos dizem 61 pesquisas recentes”. No seu trabalho, Conti reuniu os estudos mais recentes e relevantes sobre a relação entre acesso a armas de fogo e a taxa de crimes. O resultado aponta uma clara direção nas pesquisas da área: 90%constatam que mais armas geram mais crimes.

—Praticamente existe um consenso científico, o que é diferente de unanimidade. Há um entendimento cada vez mais comum entre os especialistas na área de que mais armas levam a mais crimes —diz Conti.

Para o professor, no entanto, é necessário entender que a segurança pública funciona como um cabo-de-guerra: as armas podem, sim, puxar para um lado, mas outras variáveis podem contribuir para a redução dos homicídios ao mesmo tempo. E a soma desses diferentes efeitos pode ser redução das mortes, por exemplo. Uma amostragem importante se faz presente no Brasil da última década: enquanto esteve vigente o Estatuto do Desarmamento em todo o território nacional, os homicídios caíram no Sudeste, principalmente em São Paulo, e subi ramno Nordeste.

O pesquisador afirma que não há evidências que apontem para o fato de que a flexibilização da posse de arma possa ser vista como uma medida de segurança pública. Ou seja, que o decreto do presidente Jair Bolsonaro irá levar à redução dos crimes, o que não retira o fato de que essa possa ser uma decisão a favor dos direitos individuais.

Uma outra visão

O debate sobre o tema cresceu em importância durante a década de 1990, quando um dos principais expoentes da tese “mais armas, menos crimes”, o economista americano John Richard Lott Jr. lançou um livro defendendo a hipótese. No livro “Mais armas, menos crime —entendendo crime e leis de controle de armas”, Lott aplica métodos matemáticos para analisar dados de crimes em 3.054 distritos de todos os estados norte-americanos entre 1977 e 2005.

Segundo Lott, 31 estados que permitem o porte da arma, desde que ela esteja oculta, tiveram queda no número de mortes no período estudado. De acordo com sua análise, para cada ano em vigor da lei de porte de arma escondido, a taxa de homicídios cai 3%, enquanto as de roubos e estupros caem 2%. Ainda segundo ele, isso acontece por dois motivos: um assaltante não sabe qual vítima está armada e qual não está e a população tem a chance de se defender.

A posição pró-armamentista de Lott o elevou ao status de comentarista da Fox News, rede de TV alinhada à direita americana, e a acusações de que seus estudos foram financiados pela Associação Nacional de Rifles (NRA), que protege os direitos dos portadores de armas. Lott sempre negou essas denúncias.

Na outra ponta do debate está o também economista americano John J. Donohue III, um dos principais críticos das teses de Lott. Em 2017, ele publicou, ao lado de outros dois pesquisadores da Universidade de Stanford. Seu grupo aplicou uma metodologia semelhante a de Lott nos mesmos estados americanos, mas em um período de tempo maior, de 1977 a 2014, e chegaram a uma conclusão diferente: “mais armas, mais crimes”.

Com outros modelos matemáticos, o time de Donohue concluiu que, nos 31 estados que adotaram a regra da posse escondida de arma, crimes violentos tendem a ser de 13% a 15% maiores dez anos após a adoção da lei. Outro resultado do estudo de Donohue revela que crimes caíram 42% no período em estados que não aprovaram o porte de arma, enquanto foram 9% menor nos estados que permitem a porte escondida.

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Nos EUA, regras variam por estado; no Reino Unido, nem a polícia pode andar armada

Tiago Aguiar

18/01/2019

 

 

As regras para posse e porte de armas variam ao redor do mundo, em razão de aspectos culturais e da própria história de cada país. Repressão a milícias ou grupos paramilitares tendem a motivar mudanças nessas regras.

Os Estados Unidos aparecem como um dos países com a cultura de posse de arma mais enraizado, relacionado com seu processo de guerra civis e à luta por direitos individuais.

Por lá, leis estaduais criam um mosaico de regulamentações distintas em cada região. Na Califórnia, por exemplo, é necessário esperar por uma autorização no momento da compra, há uma série de restrições para o porte (que, na prática, é permitido em áreas rurais) e há um banco de dados do estado de todas as armas vendidas. Já no estado vizinho, Nevada, nenhuma dessas regras se aplica.

Já em Israel, é preciso provar que se sabe usar a arma. O país tem o Exército muito presente na vida pública, e áreas com risco grande de ataques externos, por isso o israelense precisa provar que seu trabalho ou residência é em uma área considerada perigosa é um critério levado a sério para se conseguir o direito à posse de arma.

A idade mínima para compra do armamento é de 21 anos, com análise de antecedentes criminais, saúde física e mental.

No Reino Unido, um dos países mais restritivos do mundo, a polícia não carrega armas, com exceção da Irlanda do Norte. Os critérios para venda de arma incluem análise de antecedentes criminais, entrevista domiciliar feita pela polícia, entrevista com conhecidos e verificação do local onde a arma será guardada.

Crime organizado

Na América Latina, há casos mais restritivos motivados pelo forte crime organizado como México e Colômbia, mas que possuem um amplo mercado ilegal de armas.

No México, a posse de armas é um direito constitucional, mas há apenas uma loja que vende armas em todo o país. O comércio ilegal, no entanto, é amplo. Estima-se que haja mais de 13 milhões de armas ilegais no país, enquanto que o número de armas registradas é de pouco mais de 3 milhões (dados de 2017).

O número de mortes causadas por armas de fogo, no entanto, é um dos mais altos do mundo.

Ao fazer solicitação para a posse, o governo da Argentina destaca como regra para conceder a autorização a necessidade de haver razões “fundamentadas” de segurança pessoal.

Com poucos dados atualizados para comparação de importação e exportação, a Argentina reduziu pela metade o número de armas legais no país entre 2001 e 2006. De 2010 em diante, porém, o número voltou a crescer.

Regras fora do Brasil

Nos Estados Unidos

Leis estaduais criam um mosaico de regulamentações. Na Califórnia, por exemplo, é necessário esperar por uma autorização no momento da compra, há uma série de restrições para o porte (permitido em áreas rurais) e existe um banco de dados do estado de todas as armas vendidas. Já no estado vizinho, Nevada, nenhuma dessas regras se aplica e a posse é disseminada.

Reino Unido

Os critérios para venda incluem análise de antecedentes, entrevista domiciliar e com conhecidos e verificação do local de guarda