Correio braziliense, n. 20310, 29/12/2018. Brasil, p. 6

 

Denúncia contra médium reúne 19 depoimentos

Otávio Auguto 

29/12/2018

 

 

Violação sexual mediante fraude e estupro de vulnerável. Por esses dois crimes, o Ministério Público de Goiás denunciou o médium João de Deus no Fórum de Abadiânia. A pena máxima para os dois delitos chega a 21 anos. Segundo os promotores da força-tarefa, os ataques teriam ocorrido dentro e fora do centro espírita Casa Dom Inácio de Loyola, no município goiano, distante 120km de Brasília.

A primeira denúncia contra o líder religioso diz respeito a casos cujas investigações foram concluídas nesta semana. Oito inquéritos ainda estão em andamento na Polícia Civil de Goiás. Um representante do Fórum de Abadiânia foi à sede do Ministério Público, em Goiânia, para buscar o documento. Até o fechamento desta edição, a defesa do religioso disse não ter sido notificada.

Os promotores denunciaram quatro casos que teriam ocorrido entre abril e outubro deste ano. Outros 10, registrados entre 1975 e 2018, prescreveram. Cinco ainda precisam de mais diligências e investigações para ser concluídos.

A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) informou que a denúncia foi protocolada e “está em mesa para análise, mas, diante do volume de documentos que será analisado, é preciso aguardar” até que possam ser divulgadas mais informações. O órgão não repassou detalhes porque o processo vai tramitar em segredo de Justiça.

Em dois casos, os promotores concluíram que João de Deus manteve relações sexuais sem o consentimento das mulheres em situações em que elas estariam incapazes de reagir às investidas dele. Com base nisso, o religioso foi indiciado por estupro de vulneráveis. Em outros dois ataques, ele apalpou ou pediu para ser apalpado por mulheres, com argumento de que os toques eróticos faziam parte da cura, o que resultou no indiciamento por abuso mediante fraude.

“Muitas mulheres conseguiram provar que estiveram na Casa Dom Inácio de Loyola (onde os atendimentos ocorriam) e há atestados psicológicos. Há uma infinidade de elementos que mostram que a negativa do investigado não é verossímil. É emocionante ouvir os relatos, a quebra do silêncio. Ouvir os relatos é desesperador. É um quadro de horror”, comentou a promotora Gabriela Clementino, ao protocolar a denúncia.

 

Bloqueio

O Tribunal de Justiça de Goiás determinou o bloqueio de R$ 50 milhões do médium. O montante será usado para indenizar vítimas, se o religioso for condenado. De acordo com a Corte, R$ 20 milhões serão utilizados para reparação de danos às mulheres supostamente abusadas por ele, e R$ 30 milhões, para danos morais coletivos.

João de Deus nega todas as acusações. Em depoimento, o médium chegou a dizer que não se lembrava de nenhuma das mulheres que o acusam. Ele afirmou também sofrer de disfunção erétil. Até o momento, 600 contatos foram feitos com o Ministério Público de Goiás, e 260 foram identificados como de vítimas. Dessas, 79 já prestaram depoimento.

A defesa de João de Deus pediu ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a soltura dele nas acusações de crimes sexuais, mas foi negado o habeas corpus. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, é contra a liberação do líder religioso. Ela defende que há risco de fuga e intenção do médium de dificultar as investigações. A decisão está com o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, responsável por avaliar os pedidos durante o recesso do Judiciário.

 

14 DIAS

Tempo que o médium João de Deus está preso no Complexo Prisional de Aparecida de

Goiânia

 

Frase

“Há uma infinidade de elementos que mostram que a negativa do investigado não é verossímil. Ouvir os relatos é desesperador. É um quadro de horror”

Gabriela Clementino, promotora do MPGO, ao protocolar a denúncia