Título: Mal-estar no bloco
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 03/07/2012, Mundo, p. 16

Chanceler uruguaio afirma que o seu país só aceitou a entrada da Venezuela após a intervenção da presidente Dilma Rousseff Renata Tranches

A um mês de se tornar membro pleno, a Venezuela e sua entrada no Mercosul foram motivo de mal-estar, ontem, entre as nações integrantes do bloco. Apesar do voto favorável ao ingresso, na sexta-feira passada, o chanceler do Uruguai, Luiz Almagro, afirmou que seu país não estava de acordo com a decisão tomada "nessas circunstâncias" — uma referência à suspensão do Paraguai. Segundo ele, a aprovação foi acatada após um pedido da presidente, Dilma Rousseff. O governo brasileiro negou, porém, que tenha havido qualquer pressão durante a cúpula de líderes e chanceleres, em Mendoza (Argentina).

Em entrevista ao programa En Perspectiva, da rádio El Espectador, Almagro disse que seu governo deu provas claras de defender "outra posição" antes do encontro dos presidentes. No entanto, a situação "acabou se resolvendo em uma reunião a portas fechadas entre os chefes de Estado" do bloco, quando o presidente uruguaio, José Mujica, deu seu voto favorável. As declarações de Almagro foram veiculadas por jornais e rádios locais ontem, com informações sobre bastidores da reunião, realizada entre quinta e sexta-feira da semana passada.

O chanceler alegou que "tudo começou com um pedido da presidente Dilma Rousseff". "A iniciativa foi bem mais brasileira, o posicionamento do Brasil foi decisivo nesta história", expressou Almagro, descartando, porém, que tenha havido algum tipo de "imposição" de Dilma ou da presidente argentina, Cristina Kirchner. O ministro afirmou ainda que "a última palavra não está dita neste tema". "Temos de atuar no marco do mais pleno direito", observou.

Os argumentos foram rebatidos por Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais. Ele sustentou que o Brasil levou à reunião na Argentina uma posição "fortemente amparada por critérios jurídicos" e por um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre as alternativas a serem aplicadas no caso. "Tanto a suspensão do Paraguai como a entrada da Venezuela no Mercosul, já aprovadas pelos Congressos, foram fortemente amparadas nesse parecer", afirmou. O assessor da Presidência negou pressão por parte do Brasil e disse que esse não é o estilo da presidente Dilma. "Foi uma decisão unânime (tomada) pelos três presidentes e por suas chancelarias, que refletiu o consenso político. Não corresponde à tese de que teríamos feito qualquer tipo de pressão a nenhum governo", alegou.

Marco Aurélio declarou ainda ter conversado, por telefone, com o presidente uruguaio. De acordo com ele, partiu do próprio Mujica a proposta de incluir a Venezuela no bloco a partir de 31 de julho, quando a nação passará à condição de membro pleno. "Ele (Mujica) confirmou que essa será a posição do Uruguai", disse o assessor. O Ministério das Relações Exteriores não se posicionou oficialmente, mas fontes consultadas pelo Correio afirmaram que a atitude do chanceler uruguaio não "confere com o consenso exigido pelas decisões tomadas" no Mercosul.

Cautela

O Paraguai foi suspenso da unidade do Cone Sul, assim como da Unasul, após a destituição do presidente Fernando Lugo (leia entrevista abaixo) em um processo de impeachment relâmpago em 22 de junho. A medida valerá até a realização das próximas eleições presidenciais, previstas para abril de 2013. Seu parlamento era o único a ter pendente a aprovação da entrada de Caracas, requisitada pelo presidente Hugo Chávez em 2005. A incorporação já havia sido aprovada por Brasil, Argentina e Uruguai. A Organização dos Estados Americanos (OEA) ainda não decidiu se tomará medida semelhante. No entanto, para o professor de relações internacionais José Blanes Salas, da Universidade Federal do ABC (São Paulo), a entidade não deverá seguir os blocos sul-americanos. "A OEA está olhando com mais cautela para essa crise", afirmou o especialista em Mercosul e integração regional.

O tom cuidadoso da organização, aliás, pode ser observado nas primeiras declarações de seu secretário-geral, José Miguel Insulza, em visita ao Paraguai. Após se reunir com o presidente destituído e com o atual líder, Federico Franco, Insulza disse que não se atreveria a classificar a situação como "grave", mas, sim, "delicada". Ele explicou que apresentará um relatório ao conselho do organismo, ainda sem data definida. Ainda segundo Insulza, o Paraguai está "tranquilo", após tudo o que ocorreu. "Ninguém notou uma convulsão. Há uma situação especial que esperamos que se supere. Faremos todo o possível para que isso se produza", assinalou à imprensa paraguaia. (Colaborou Juliana Braga)