O globo, n. 31138, 07/11/2018. Economia, p. 27

 

Bolsonaro: decisão sobre embaixada em aberto

Mateus Coutinho

07/11/2018

 

 

Após negar-se a responder a pergunta sobre cancelamento de visita do chanceler Aloysio Nunes pelo Egito, presidente eleito ensaia recuo e diz que transferência da representação diplomática do Brasil em Israel para Jerusalém está indefinida

Questionado sobre a decisão do Egito de cancelar em cimada hora uma visitado ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes Ferreira, ao país árabe, o presidente eleito JairBol sonar o afirmou ontem que a questão da transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém ainda não está decidida. A realocação fora anunciada e vinha sendo sendo repetidamente confirmada por Bolsonaro.

Na segunda-feira, o Egito informou ao Brasil que a agenda com o ministro e empresários brasileiros — que ocorreria a partir de amanhã — teve de ser cancelada por motivos de alteração na agenda das autoridades árabes. A comitiva brasileira planejara uma série de compromissos no país entre os dias 8 e 11 de novembro. Com o cancelamento, 20 empresários já no Egito para a visita voltaram ao Brasil.

Viagem sem nova data

A viagem foi cancelada pelo Egito sem a definição de uma nova data, o que, em linguagem diplomática, serve como demonstração de insatisfação. O 2º Fórum Brasil-Egito de oportunidades de investimento, que aparecia com destaque no website da Câmara de Comércio Brasil-Árabe, também foi cancelado sem nova data.

Nos bastidores da diplomacia, a decisão de cancelar a agenda foi vista como retaliação às recentes declarações de Bolsonaro de que pretende transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, cidade que está no centro da histórica disputa entre israelenses e palestinos.

Inicialmente, Bolsonaro não quis comentar o tema com repórteres ao sair do Ministério da Defesa ontem.

— Outro assunto, outra pergunta — disse o presidente eleito ao ser indagado sobre o episódio.

Mais tarde, após um encontro no Ministério da Marinha, Bolsonaro foi novamente questionado e, dessa vez, sinalizou que o assunto não está totalmente fechado e que a decisão ainda não foi tomada.

— O que eu estou falando é o seguinte: para nós, não é um ponto de honra essa decisão. Agora, quem decide onde é a capital de Israel é o povo, é o Estado de Israel. Se eles mudaram de local… — disse Bolsonaro, deixando em seguida a questão da transferência em aberto: — (o cancelamento da visita foi uma) Questão de agenda. Seria prematuro um país anunciar uma retaliação em função de uma coisa que não foi decidida ainda.

Alerta sobre comércio

A ONU não reconhece Jerusalém como capital de Israel e indica que a questão deve ser decidida em negociações finais de paz. Ocupada pelos israelenses na Guerra dos Seis Dias, em 1967, a parte oriental da cidade é reivindicado pelos palestinos como capital de um futuro Estado independente.

Na sexta-feira, a Liga Árabe — organização que reúne 22 países árabes e é sediada no Cairo — se disse “alarmada” e pediu que o presidente eleito volte atrás em sua decisão anunciada de transferira embaixada para Jerusalém. Num comunicado, a Liga tachou a mudança de “flagrante e lamentável violação da lei internacional e das resoluções do Conselho de Segurança (da ONU) que consideram Jerusalém um acidade ocupada ”.

Atualmente, apenas os EUA e a Guatemala realocar ampara acidade suas representações diplomáticas em Israel.

Por sua vez, a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira alertou que uma transferência da embaixada pode gerar problemas com os países árabes não só no comércio, mas também em áreas como aviação militar e investimentos.

“Outras retaliações podem surgir no decorrer disso, criando embargos às vendas de outros setores da indústria nacional, a exemplo da aviação militar, dado que os países da região do Golfo Pérsico são clientes potenciais para a aquisição desse tipo de equipamento”, diz um levantamento da entidade.

Do lado dos investimentos, segundo a Câmara, a imagem do Brasil como um bom ambiente para negócios “pode ficar arranhada”, afastando fundos soberanos, cujos recursos podem ser usados, principalmente, em infraestrutura e logística no país. A entidade destaca que os países árabes são o 5º principal destino de produtos brasileiros. Eles compraram cerca de US$ 10 bilhões de janeiro a setembro.