Título: Defesa de Arruda quer anular denúncia
Autor: Maria Campos, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 01/07/2012, Cidades, p. 28

Para advogados do ex-governador, investigações feitas pela Procuradoria Geral da República após conclusão do inquérito da Polícia Federal são ilegais. Também será requerida perícia nas provas, incluindo os vídeos feitos por Durval Barbosa ANA MARIA CAMPOS

O desfecho do debate sobre o poder de investigação do Ministério Público, que divide o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), será crucial para o sucesso da denúncia do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, contra 37 pessoas — entre políticos, servidores públicos e empresários — na Operação Caixa de Pandora. A defesa do ex-governador José Roberto Arruda (sem partido), um dos denunciados, vai questionar o trabalho da subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, responsável pelo caso, que nas suas conclusões ampliou o resultado produzido em agosto de 2010 pela Polícia Federal (PF).

No relatório final, a PF indiciou 13 pessoas e apontou o envolvimento de sete empresas no suposto esquema de pagamento de mesada a parlamentares e autoridades públicas no Distrito Federal. Com base em investigação própria, o MPF avançou no levantamento de informações e formulou, em 184 páginas, uma denúncia mais ampla, inclusive adicionando personagens, como o ex-vice-governador Paulo Octávio (sem partido) e deputados distritais não citados pela PF. Junto com a denúncia, na última sexta-feira, Gurgel encaminhou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) 70 caixas com documentos e informações analisadas pelo Ministério Público. "No relatório da Polícia Federal, nenhum distrital era denunciado. O que mostra que realmente precisamos trabalhar muito complementando a investigação da PF", defende Gurgel.

O advogado Nélio Machado, que representa Arruda, diz que a denúncia está contaminada por investigações que considera ilegais conduzidas pela Procuradoria Geral da República. "Ficou claro que houve uma fricção entre o Ministério Público e a Polícia Federal nas conclusões. Não estão afinados na mesma nota musical", afirma Machado. "Além disso, depois de tanta demora, o Ministério Público — que é impedido pela Constituição de realizar investigações — não conseguiu produzir novas provas consistentes. Baseou a acusação apenas na palavra de um delator, o que cria uma mácula irremediável devido à falta de credibilidade da testemunha", acrescenta o defensor.

Na semana passada, um pedido de vista do ministro Luiz Fux suspendeu julgamento no STF que pode colocar um ponto final no eterno debate entre procuradores e policiais. Dupla interpretação sobre o texto da Constituição desperta debate acalorado nas duas classes. Para encerrar a queda de braço, o STF julga um recurso com efeito de repercussão geral relacionado a inquérito conduzido por investigação própria do MP. O relator do processo, ministro Cezar Peluso, considerou não haver previsão constitucional para o MP conduzir investigações. Um dos que tem posição contrária à de Peluso é o presidente do STF, Ayres Britto. "Investigar fatos, documentos e pessoas, assim, é da natureza do Ministério Público", diz o ministro.

Além desse debate no STF, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), a 37, trata do tema no Congresso. O texto — combatido por todas as associações que representam o Ministério Público — cassa objetivamente qualquer possibilidade de promotores e procuradores realizarem investigações criminais próprias.

STJ e STF Os advogados de Arruda também vão tentar anular provas usadas pelo Ministério Público, principalmente as gravações realizadas por Durval Barbosa. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do DF, Edson Smaniotto, que advoga para o ex-governador do DF, afirma que se a denúncia for recebida pela Corte Especial do STJ, onde vai tramitar sob a relatoria do ministro Arnaldo Esteves, a defesa pedirá uma perícia nos vídeos produzidos por Durval. Há diversas imagens em que o delator da Operação Caixa de Pandora entrega dinheiro desviado de contratos de informática a políticos. "Essas gravações foram produzidas de forma ilícita", sustenta Smaniotto.

Para a defesa do ex-governador, a denúncia é política e a tramitação do chamado mensalão do DEM no STJ vai rivalizar no próximo semestre com o julgamento do processo do mensalão do PT no Supremo Tribunal Federal (STF), com início marcado para primeiro de agosto. Na denúncia da Pandora, Arruda e Paulo Octávio são, aos olhos do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, os chefes do suposto esquema de corrupção do DEM. Na ação penal relacionada ao pagamento de mesada a parlamentares em troca de apoio no Congresso ao governo Lula, o líder da quadrilha, seria o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. "Por que essa denúncia no último dia antes do recesso do Judiciário? Por que uma denúncia às vésperas do julgamento do mensalão do PT? Será que estão procurando um contraponto?", questiona o advogado Smaniotto.

Três perguntas para Edson Smaniotto, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do DF e advogado do ex-governador José Roberto Arruda

A defesa desqualifica o depoimento de Durval Barbosa, mas um delator precisa ser um criminoso para conhecer um esquema de dentro e denunciar. O senhor concorda? Sim. Mas neste caso Durval responde a mais de 40 ações. Todas relativas a crimes praticados na gestão anterior, de Joaquim Roriz. Nada tem a ver com a do ex-governador Arruda. E ele está envolvido até em crime hediondo que não cabe aqui tratar. Para aceitar um testemunho como esse, é preciso conferir a idoneidade do delator.

Como o senhor vê o fato de o ex-governador Joaquim Roriz ser apontado pelo Ministério Público como integrante da quadrilha e ter sido excluído da denúncia? Isso mostra como o Ministério Público levou em conta apenas a palavra do delator. Durval Barbosa protegeu Roriz e então não se produziu provas contra ele. Por isso, Roriz não foi denunciado. O Ministério Público lida com o delator como um bebê de dois anos com a sua babá, acreditando cegamente no que é dito. A tese usada para salvar Roriz é rejeitada pelo Ministério Público em todo o país e pelos tribunais. Chama-se prescrição retroativa de pena em perspectiva. O Supremo combate essa posição porque significa suprimir o devido processo legal.

Comunga da tese de que o Ministério Público não tem a prerrogativa de fazer investigações criminais? A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) entende que o Ministério Público é parte no processo e pode sonegar alguns aspectos da investigação como forma de evitar um confronto à sua posição. A polícia busca a verdade real. O MP pode acompanhar a investigação e requisitar diligência, mas cabe à autoridade policial presidir o inquérito.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 01/07/2012 05:04