O globo, n. 31073, 03/09/2018. Rio, p. 9A

 

Indignação e críticas ao descaso com a cultura

03/09/2018

 

 

 Recorte capturado

Ministro, ao admitir falhas, disse que é preciso ‘cuidar muito melhor do nosso patrimônio’ e prometeu recursos para reconstruir o Museu Nacional. Funcionários choraram diante das chamas, e pesquisadores denunciaram abandono

Pouco depois do incêndio que destruiu o Museu Nacional, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, se pronunciou reconhecendo falhas na política de conservação de bens culturais e anunciando que se reuniria com o presidente Michel Temer e com o ministro da Educação, Rossieli Soares, para começar a levantar os custos para viabilizar um projeto de reconstrução do prédio. Ele disse também que ordenou um levantamento completo das condições de proteção contra incêndio de todos os museus federais. As péssimas condições da instituição, que é vincula da à UFRJ, era conhecida há anos e alvo de reivindicações constantes de funcionários.

Sá Leitão afirmou que o objetivo é impedir que situações como a que aconteceu ontem se repitam.

—Aparentemente vai restar pouco ou nada do prédio e do acervo exposto. A reserva técnica não foi atingida. É preciso descobrira causa e apurara responsabilidade. O BNDES assinou em junho um contrato de patrocínio no valor de R$ 21,7 milhões. Tenho procurado ajudara instituição desde que entre ino Min C. O Instituto Brasileiro de Museus realizou diversas ações. Infelizmente não foi o suficiente— afirmou, completando. —Temos que cuidar muito melhor do nosso patrimônio. A perda é irreparável.

Em nota, o Ministério da Educação disseque“não medirá esforços para auxiliara UFRJ no que for necessário para a recuperação desse nosso patrimônio histórico”.

Avisados por telefone, funcionários e professores da instituição foram para a Quinta da Boa Vista e assistiam, entre lágrimas e perplexidade, às chamas consumirem o museu.

— Não tenho palavras para dizer o que estou sentindo — afirmou uma restauradora.

Perda para a Ciência

Um dos vice-diretores do Museu Nacional, Luís Fernando Dias Duarte estava revoltado:

—Há muitos anos lutamos para conseguir recursos. Meu sentimento é de desânimo profundo e imensa raiva —disse ele, lembrando que o museu faz parte da UFRJ, que “vive à míngua”.

Por nota, a Fundação Roberto Marinho lamentou “profundamente a imensurável destruição de um dos maiores acervos arqueológicos, etnográficos, científicos e culturais do país. Estamos devastados diante dessa tragédia, que consumiu parte gigantesca da nossa história, e resulta em uma perda irreparável hoje e para as futuras gerações. Perde o patrimônio histórico e cultural, perde a ciência, perde a Educação, perde o Brasil, perde o mundo”.

Com a voz embargada, o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o físico Luiz Davidovich, destacou que o país perde um importante símbolo num momento em que enfrenta outras dificuldades:

— O Brasil perde sua memória num momento de incerteza tão grande sobre o futuro. Não é só uma tragédia nacional. É uma perda mundial, o preço que pagamos por anos de descaso com o patrimônio, a ciência e a História.

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Uma tragédia anunciada por anos de abandono e protestos

03/09/2018

 

 

Cupins, goteiras e roubos faziam parte da coleção de problemas recentes

Em fevereiro, no início das comemorações do bicentenário do Museu Nacional, o diretor da instituição, Alexander Kellner, não poupou palavras: “Só temos verbas para medidas paliativas de prevenção”. Era mais uma manifestação pública dos problemas de manutenção no palácio, há anos alvo de protestos de funcionários e visitantes.

Nos últimos meses, para produzir um especial sobre o aniversário do museu, equipes do GLOBO visitaram todo o prédio, inclusive áreas restritas. Ao passar por salões, galerias, depositos e areas administrativas, era evidente a necessidade de investimentos. Cupins, um avelha praga, avançavam nas estruturas de madeira. Uma sala de paleontologia chegou a ser fechada devido aos insetos.

Recentemente, como mostrou O GLOBO, o orçamento ficou ainda mais apertado. A instituição deveria receber R$ 515 mil anuais da UFRJ, em três parcelas. No entanto, nos últimos três anos, a fração final não tinha sido repassada. Segundo a direção do museu, eram destinados apenas R$ 300 mil, com cortes de verba na própria universidade.

O incêndio de ontem, aliás, não foi o único na UFRJ. Em outubro de 2016, o prédio da reitoria, na Ilha do Fundão, pegou fogo, desalojando alunos como os da Escola de Belas Artes e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Cinco anos antes, a capela do campus da Praia Vermelha, de 1850, tinha sido destruída. Funcionários da universidade convocaram um protesto para hoje, na Cinelândia.

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Gigante perdido

Washington Fajardo

03/09/2018

 

 

Insistentemente o Brasil bate com a testa na parede. Corre, corre e bate forte. Fica atordoado. Às vezes cai. Levanta e corre novamente até a parede. Faz isso como um gigante estúpido porque despreza a memória e fica condenado, então, a repetir imbecilidades.

Pega fogo o Museu Nacional e assistimos pela TV. O reflexo na tela exibe nossos olhares aturdidos junto às chamas. Somos nós queimando juntos.

Primeiro abandonamos nossos centros históricos e o registro do nosso modo de fazer cidades. Da Amazônia aos pampas, deixamos para trás o que as gerações anteriores fizeram. “Somos modernos, sabe?” Fizemos as maiores manchas urbanas do planeta. Temos orgulho disso. Para que reciclar acidade? Faz outra.

Hoje, a cinco dias da Independência, batemos a cabeça na parede. Pegou fogo o Museu Nacional. Veremos análises e reportagens, mas nada mudará o quadro: não queremos ter memória, não queremos ter passado. Estamoscorrer para longe e par aforada identidade. Porisso o patrimônio cultural brasileiro não tem orçamento emeios dignos. O patrimônio não é o Iphan: somos nós. Não tem dinheiro pro Iphan, pra conservar, pra convidar o povo pra conhecer o patrimônio. Porque memória educa o povo. Faz lembrar. Pra que lembrar, não é verdade?

Pegou fogo na memória do brasileiro. Pegou fogo no Museu Nacional.