Correio braziliense, n. 20196, 06/09/2018. Mundo, p. 14

 

OEA culpa Maduro

Rodrigo Craveiro

06/09/2018

 

 

AMÉRICA DO SUL » Em sessão extraordinária do Conselho Permanente, países defendem resposta regional e responsabilizam o "regime violento" de Caracas pelo êxodo histórico. Brasil pede diálogo, e Venezuela denuncia “guerra econômica” travada pelos EUA

A reunião do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, começou com um ato falho, concentrou críticas ao governo de Nicolás Maduro e terminou com o pedido por uma resposta regional à migração massiva e de proporções históricas de venezuelanos. Depois de ser apresentado pela presidente do conselho como secretário-geral da ONU, Luis Almagro brincou: “Prefiro a OEA, obrigado”. “O colapso deste país irmão ante um regime violento tem que importar a todos nós, pois os venezuelanos estão na Venezuela, mas também muitos estão fora”, declarou o ex-chanceler uruguaio e secretário-geral do fórum mais importante das Américas. Almagro chamou o regime de Maduro de “indolente” e atacou a ruptura democrática na Venezuela. “As consequências da crise atingem principalmente os venezuelanos, mas o êxodo é uma pressão importante sobre vários países, os quais, apesar do espírito de solidaridade, têm limitações”, destacou, antes de solicitar às nações para enfrentarem a situação com “responsabilidade compartilhada”. Pelo menos 2,3 milhões de venezuelanos fugiram desde 2014.

Durante a sessão extraordinária, solicitada pelo próprio Almagro, o embaixador da Venezuela na OEA, Samuel Moncada, advertiu que o Conselho Permanente estaria inabilitado para abordar os problemas de seu país por não ter se pronunciado sobre “atos terroristas” sofridos pelo regime de Caracas. Foi uma alusão ao “bloqueio e guerra econômica” — pelos quais culpou os EUA — e à suposta tentativa de assassinato contra Maduro. “É uma guerra, por meio econômico, que o governo dos Estados Unidos está executando. (…) É um crime internacional o que estão fazendo.”

Deportação

Em sua intervenção, Maria Claudia Pulido, secretária executiva adjunta da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), fez coro à necessidade de uma resposta regional coordenada à crise migratória. Ela instou os países a respeitarem o direito à não devolução de imigrantes, como meio de evitar a deportação. Horas antes da reunião em Washington, a própria CIDH e  três organismos da ONU — o Comitê de Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migratórios e de seus Familiares; o Comitê sobre os Direitos da Criança; e o Alto Comissariado para os Direitos Humanos — sublinharam que a reação latino-americana precisa “estar baseada nos direitos humanos e no princípio da responsabilidade compartilhada”.

O embaixador do Brasil ante a OEA, Fernando Simas Magalhães, cobrou a adoção de um “diálogo político, oportuno, nacional e efetivo para pôr fim à crise”. O posicionamento de Brasília frustrou analistas venezuelanos. “Parece que, no Brasil, não se entende a situação pela qual a Venezuela atravessa. A classe política se nega a fazer concessões de quaisquer tipos. O diálogo fracassou precisamente por isso”, explicou ao Correio José Vicente Carrasquero Aumaitre, cientista político da Universidad Simón Bolívar (em Caracas). “O chavismo carece de escrúpulos e renega os princípios mais elementares da democracia. Um diálogo sem supervisão efetiva e sem disposição ao compromisso não terá eficácia alguma.” Aumaitre não guarda boas expectativas quanto a reuniões da OEA. De acordo com ele, o chavismo usou favores petroleiros para comprar a vontade política de pequenos países, que se fizeram dependentes da Venezuela. “Tudo o que espero da OEA  são declarações meramente formais”, disse.

Diego Arria — ex-governador de Caracas, diplomata e ex-candidato à Presidência da Venezuela — ironizou as palavras do embaixador brasileiro. “É a linguagem do Itamaraty similar a de países distantes, geograficamente, da Venezuela. O ex-presidente (Luiz Inácio) Lula (da  Silva) foi o maior cúmplice da destruição de nosso país e de sua liberdade”, acusou. Segundo Arria, a crise migratória venezuelana conspira contra a harmonia regional, além de ameaçar a paz e a segurança. “Eu não sou otimista para nada. Apenas a saída do regime pode conseguir uma verdadeira solução.”

Ele desqualifica a versão de Moncada de que os EUA conspiram contra a Venezuela. “É absurdo. Uma inflação estimada em 1.000.000% é a melhor resposta. Foi Maduro quem declarou guerra aos venezuelanos.” Ontem, a Assembleia Nacional venezuelana divulgou que a inflação no país chegou a 223,1% no mês passado e acumulou 200.005% entre agosto de 2017 e agosto de 2018.