Título: O esquema de Cachoeira para driblar a Receita
Autor: Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 24/05/2012, Polític, p. 2

Mordido pelo Leão em 2006, o contraventor Carlinhos Cachoeira conseguiu empurrar por seis anos o processo que o autuou em R$ 1,24 milhão por prestar informações conflitantes à Receita Federal. Depois do flagrante da fiscalização, o bicheiro apresentou recurso, para adiar a execução fiscal, e montou complexo esquema para driblar a Receita. Para despistar o Leão, os integrantes do esquema tinham titularidade em 1.159 diferentes contas bancárias. Já de posse de documentos da quebra do sigilo bancário de envolvidos na rede de corrupção e contravenção, a CPI que investiga Cachoeira começa a apontar o funcionamento da quadrilha para fugir do sistema de fiscalização tributária do país.

As apurações da Polícia Federal cruzadas por integrantes da CPI mostram que Cachoeira contava com a ajuda de pelo menos quatro servidores da Receita Federal, que atuavam dando informações privilegiadas sobre a tramitação de processos internos envolvendo empresas do esquema e apoio para operações alfandegárias. Diálogos e menções a servidores identificados como Eurípedes, Lélio, Reginaldo e Wagner (esse último titular da Alfândega da Receita Federal no Aeroporto de Brasília) foram registrados no âmbito da Operação Monte Carlo.

Nas gravações, Cachoeira conversa com um servidor identificado como Eurípedes, que o orienta a conversar pessoalmente em seu escritório. Gleyb Ferreira, um dos principais auxiliares do bicheiro, ouve orientações de Lélio sobre processo de regularização de uma das empresas. Já o ex-diretor da Delta Cláudio Abreu e o sargento da Aeronáutica Idalberto Matias, o Dadá, referem-se a Reginaldo e Wagner como os homens de confiança para procurar no Aeroporto de Brasília com a finalidade de evitar taxação alfandegária.

As estratégias da quadrilha de Cachoeira para driblar o fisco incluíam a compra de CNPJ fantasmas. Conversas gravadas com autorização judicial revelam que um registro de empresa falsa custa R$ 5 mil no mercado negro. “Pois é, custa R$ 5 mil, mas também ela (a empresa) já tem cinco anos de mercado, entendeu? Isenta nós (sic) de cinco anos de imposto, né ?”, explica o operador de Cachoeira Valmir José da Rocha ao contador da quadrilha Geovani Pereira da Silva. Gleyb, o operador especialista em transações internacionais, também ensina um comparsa a esquentar prestação de dados à Receita Federal utilizando um sistema chamado Escrow Account, uma espécie de conta fiduciária.

Lobby Na quadrilha, os responsáveis por lidar com os assuntos de Receita eram Cachoeira, Geovani, Dadá e Gleyb. O sargento da Aeronáutica tinha a missão de ampliar o leque de funcionários cooptados pelo esquema. Em uma das conversas gravadas, Cachoeira pressiona Dadá para conseguir alguém que facilite um despacho na Receita Federal e o araponga do grupo afirma que seu contato não tem recursos. “O cara que faz isso não tem contatos melhores, não. O operador é uma pessoa só. Não tem operador para fazer isso, é uma pessoa que tem os canais e vai em cima dos funcionários.”

Já um funcionário da Receita identificado como “Lélio” aparece nas investigações da Polícia Federal como responsável por fazer lobby na instituição para obter pareceres positivos para firmas ligadas ao esquema do contraventor. Em conversa com o operador de Cachoeira, o servidor orienta Gleyb a pagar duas parcelas de um débito para manter um parecer positivo alcançado. “É meio alto o valor, né? É o valor de duas parcelas. Tem que pagar para não perdermos os dois despachos que nós já tivemos lá. Você me manda e eu entro aqui na procuradoria e já de imediato eles fazem o despacho”, afirma o funcionário da receita.

As investigações revelam que o Aeroporto Internacional de Brasília era um “quintal” do contraventor. Em uma das conversas, um amigo de Cachoeira liga perguntando como deve proceder para desembarcar com grande quantidade de garrafas de vinhos no terminal e o bicheiro dá a dica. “Fica por último, Michel, entendeu? Por que aí enche lá e ele (funcionário da Receita) não deixa você passar mais.” A Receita Federal não respondeu os questionamentos feitos pela reportagem até o fechamento desta edição.

Interceptação Geovani Pereira da Silva, contador da quadrilha de Carlinhos Cachoeira, e Valmir José da Rocha, que atua como operador do grupo, falam sobre a aquisição de uma empresa de fachada, já constituída no mercado, para driblar a Receita Federal.

VALMIR: Deixa eu te falar, eu estou aqui com o contador aqui. É mais fácil você ser meu sócio, viu, o que você acha? Porque, por um monte de razões, ele falou, tendo um sócio é tudo mais fácil.

GEOVANI: Não, eu não quero não, né. Põe outro nome aí, entendeu.

VALMIR: Para pegar uma já pronta, com cinco anos no mercado, aí pode mudar o objetivo social, as certidões e a razão social, eles querem R$ 5 mil, você entendeu? E para começar do zero é mais complicado, o que você acha?

GEOVANI: É muito caro, né, não posso fazer sem falar com o homem (Cachoeira), não.

VALMIR: Pois é, custa R$ 5 mil, mas também ela já tem cinco anos de mercado, entendeu? Isenta nós de cinco anos de imposto, ela já tem, não precisa ter patrimônio declarado, começa agora é, com a troca de donos, de nomes, só que aí pode mudar o objetivo social, as certidões ela vem nada consta, não tem débito nenhum na Receita Federal, entendeu? E cada sócio tem que declarar R$ 50 mil de bens, se não declarar R$ 50 mil, (…) tem que fazer declaração na Receita.

GEOVANI: Tem que ver aí, anota tudo aí, eu tenho de mostrar isso para o chefe.

VALMIR: Tá bom, então. Eu vou ver tudo aqui e te falo tá? Um abraço. Tchau.

R$ 1,24 milhão Valor da multa aplicada pela Receita Federal em Carlinhos Cachoeira, em 2006. O bicheiro conseguiu adiar a execução fiscal por seis anos