O globo, n. 31048, 09/08/2018. Sociedade, p. 26

 

ABORTO NA ARGENTINA

Janaína Figueiredo

09/08/2018

 

 

Senadores mobilizados pelo ‘não’ à descriminalização

Foi um dia inteiro de discursos no Senado argentino e grande expectativa, a favor e contra o projeto de legalização do aborto, aprovado em junho na Câmara, com uma vantagem de apenas quatro votos (129 contra 125). Do lado de fora do Parlamento, milhares de pessoas, em sua grande maioria mulheres, passaram horas debaixo de chuva, em temperaturas em torno dos 10°C, para acompanhar um momento histórico para o país.

Contra. Na Praça do Congresso argentino, os lenços celestes são erguidos na manifestação pela rejeição do projeto de legalização do aborto A favor. Do outro lado da praça, os protestos a favor da interrupção legal da gravidez: nem chuva e frio espantaram os manifestantes
Na reta final do processo parlamentar, cálculos extraoficiais de jornalistas e analistas locais indicavam que a tendência era favorável aos militantes antiaborto legal. A votação no Senado não havia começado até a conclusão desta edição.

O presidente Mauricio Macri, que nunca revelou publicamente sua posição, comprometeu-se a não vetar uma eventual lei cujo lema é “educação sexual para decidir, métodos anticoncepcionais para não abortar e aborto legal para não morrer”. Ontem, o otimismo estava do lado dos críticos ao projeto, que provocou um racha na sociedade argentina e, também, na política. Congressistas votaram divididos em todos os partidos. Na própria aliança governista Mudemos, o projeto contou com votos a favor e contra.

— Fomos eleitos para transformar este país, e não para especular com pesquisas eleitorais. Me dizem que vamos perder votos, mas aqui está em jogo um direito da mulher —disse a senadora Laura Rodríguez Machado, da aliança Mudemos.

ADOÇÃO COMO OPÇÃO

Alguns discursos se destacaram, entre eles o da senadora peronista Beatriz Mirkin, da província de Tucumán, no Norte da Argentina.

—Afinal, eu pergunto: somos ventres ou seres humanos com direitos? — indagou a senadora, que vem de uma província de perfil conservador, onde a Igreja tem forte influência na política regional. — Tentamos propor alternativas, mas a resposta sempre foi não, não e não. E amanhã, se esse projeto não passar, o que vamos fazer com as mulheres que chegarem aos hospitais sangrando por um aborto clandestino malfeito?

Ela considerou absurda a posição de congressistas que se opõem à iniciativa e, como solução, defendem que filhos não desejados sejam dados para adoção.

— Em Tucumán, vi como crianças eram rejeitadas por famílias que buscavam adotar porque eram negrinhos, não me venham com essa conversa, sejamos realistas —enfatizou Mirkin.

No comando do debate, a vice-presidente do país e presidente do Senado, Gabriela Michetti, tentou manter o equilíbrio, embora tenha expressado publicamente sua objeção ao projeto e dito, até mesmo, ser contra o aborto legal em casos de estupro.

Num forte gesto de pressão à aliança governista Mudemos, a governadora da província de Buenos Aires, Maria Eugenia Vidal, disse ontem que “amanhã estarei mais aliviada se a lei não passar”. A Mudemos, assim como o peronismo e outros partidos e movimentos políticos, estão divididos em relação ao aborto legal.

Mas, no Senado, em contraste com a Câmara, venceriam os mais conservadores.

O senador peronista Rodolfo Urtubey, da província de Salta, também questionou o aborto em casos de estupro:

— Em alguns casos, a violação não tem essa configuração clássica de violência contra a mulher. Às vezes é um ato voluntário com uma pessoa que tem uma inferioridade absoluta de poder diante do abusador.

Para o senador, em alguns casos o que existe é “uma subordinação, não uma subjugação”.

A maioria dos senadores que manifestou sua oposição ao projeto tem mais de 50 anos, perfil que foi usado por militantes pró-aborto para afirmar nas redes sociais que a eventual aprovação do projeto é apenas uma questão de tempo.

“Somos ventres ou seres humanos com direitos? Se este projeto não passar, o que faremos com as mulheres que chegarem aos hospitais sangrando?”

Beatriz Mirkin, senadora

“Fomos eleitos para transformar este país, e não para especular com pesquisas eleitorais. Dizem que vamos perder votos, mas está em jogo um direito da mulher”

Laura Rodríguez Machado, senadora

“A pessoa que está por nascer é um ser humano diferente de sua mãe. Tem alma a partir do momento da concepção. A mulher grávida leva outra vida dentro dela e não pode destruir o que foi concebido”

Ana Rosa del Valle Iturrez de Cappellini, senadora

“Sem maternidade não temos futuro. O aborto é um fracasso social, e a maternidade não deveria ser um problema”

Esteban Bullrich, senador