O globo, n. 31044, 05/08/2018. Economia, p. 31

 

O BRASIL QUE ENVELHECE

Daiane Costa

Elisa Martins

05/08/2018

 

 

LIMITE PARA CRESCER

O Brasil envelhece cada vez mais rapidamente. Em pouco mais de uma década, segundo as previsões mais recentes, o país terá mais idosos que crianças e adolescentes. Essa inversão na pirâmide etária acende um alerta para o risco de estagnação da economia e torna mais urgente uma reforma do sistema previdenciário diante da perspectiva de termos mais aposentados e menos jovens no mercado de trabalho. Empresas terão de se adaptar a profissionais mais velhos, que trabalharão por mais tempo, e oferecer produtos e serviços mais adequados a esse público. Governos terão de reformular políticas públicas. Esse futuro, no entanto, já chegou em quase 10% das cidades brasileiras.

Um levantamento do demógrafo José Eustáquio Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE, feito a pedido do GLOBO, revela que, em 531 dos 5.570 municípios brasileiros, o número de pessoas

com 60 anoso umais já supera o de menores de 15 anos. A maioria está nas regiões Sule Sudeste. Niterói (RJ), Santos (SP) e São Caetano do Sul (SP) são as três cidades mais populosas que já permitem antecipara realidade nacional prevista para 2031. Juntas, elas abrigam 224 mil idosos, bem mais que suas 178,5 mil crianças e adolescentes.

Além de o número de idosos superar o de crianças e adolescente em 2031, a população e mida depara o trabalho (15 a 64 anos) vai começara encolher no Brasil em 2038. Segundo projeção divulgada recentemente pelo IBGE, 2018 será o primeiro ano em que essa mão de obra potencial crescerá num ritmo menor que o do total da população no Brasil. É oque os especialistas chamam de fim do bônus demográfico, o que limita as chances de o Brasil se tornar um país rico, como fizeram as nações desenvolvidas antes de envelhecer. Isso porque haverá literalmente menos gente para produzir os bens e serviços que constituem o Produto Interno Bruto (PIB).

—Não há país que enriqueceu

depois de envelhecer, porque a força de trabalho encolhe —diz Eustáquio.

Uma forma de compensação seria aumentar a produtividade desse grupo mais enxuto. Ou seja: cada trabalhador brasileiro precisará produzir mais que a média atual para o país seguir elevando o PIB per capita. O problema, aponta o sociólogo especialista em políticas sociais Luis Henrique da Silva de Paiva, é que o crescimento da produtividade do trabalhador brasileiro tem sido historicamente muito baixo.

SOLUÇÃO NA PREVIDÊNCIA

Segundo levantamento da Fundação Getulio Vargas, numa lista de 68 países, o empregado brasileiro é o 19° menos produtivo do mundo.

— Nas décadas de 1970 e 1980, quando já sabíamos que íamos envelhecer, o Brasil deveria ter investido em educação e treinamento para garantir o crescimento via aumento de produtividade no futuro. Mas perdemos essa janela — diz o especialista em demografia Gustavo Naves Givisiez, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Nas contas do ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sergei Soares, quando a proporção de pessoas em idade ativa começar acair, o Brasil poderá passar acrescer, em média, apenas 0,8% ao ano.

— Vamos virar um Japão, só que de renda média e desigual — diz, em referência à economia do país asiático, terceira maior economia mundial, que estagnou depois de envelhecer.

Outra consequência do envelhecimento acelerado da populaçãoéa redução do número de pessoas contribuindo para a Previdência, com mais gente na outra ponta recebendo.Estimativas do coordenador de Seguridade Social do Ipea, Rogério Nagamine, mostram que, sem uma reforma que desestimule aposentadorias precoces, o percentual de brasileiros que recebem benefícios, incluindo pensão por morte ou de prestação continuada (destinada a idosos e deficientes) vai dobrar até 2060, passando de 15,2% em 2017 para 32% da população. Para o pesquisador, uma reforma poderia manter brasileiros por mais

tempo no mercado de trabalho, diluindo o peso do envelhecimento sobre o crescimento econômico e garantindo a sustentabilidade do sistema previdenciário.

— É fundamental uma reforma que ao menos corrija as distorções do nosso sistema ineficiente, injusto e que se torna insustentável ao permitir aposentadorias precoces para pessoas com plena capacidade laboral — argumenta Nagamine.

Para Eustáquio, da Ence, ainda há chance de o país se beneficiar da demografia. Apesar de a janela de oportunidades do bônus demográfico ter começado a se fechar, ele avalia que a estrutura etária da população ainda continuará favorável ao crescimento econômico ao menos até 2030, último ano em que teremos mais crianças de 0 a 14 anos do que idosos. No entanto, ele pondera que os efeitos da recente recessão podem prejudicar esse aproveitamento:

—As taxas de desemprego e subemprego, além de uma educação de má qualidade, não garantem a exploração plena desse bônus.