Correio braziliense, n. 20214, 24/09/2018. Política, p. 2

 

Campanha esquenta e abstenção deve cair

Rodolfo Costa

24/09/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Proporção dos eleitores que pretendem votar em branco ou nulo cai de 22% para 12% em um mês, ao mesmo tempo em que Bolsonaro e Haddad crescem. Possibilidade de terceira via com chances também deve levar eleitores às urnas

O clima de sensibilização na campanha eleitoral deve mudar o rumo dos chamados “não votos” no país. Antes do início da campanha, alguns analistas apostavam que o acumulado de brancos e nulos, mais abstenções, ia superar os 40% no primeiro turno e chegar a 50% no segundo, a exemplo do que ocorreu nas eleições suplementares para governador do Tocantins, em junho deste ano.

Entretanto, a polarização entre os extremos, representada por Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), levarão o percentual no primeiro turno a um patamar menor. Nas eleições de 1994, a soma dos “não votos” foi de 33%. Em 1998, de 40%. Em 2014, 29%.

As previsões atuais são corroboradas por pesquisas de intenção de voto. A da Datafolha, divulgada na quinta-feira, 20, aponta que 12% do eleitorado está propenso a votar em branco ou nulo. Em 22 de agosto, esse índice estava em 22%.

O recuo de 10 pontos percentuais de não votos é acompanhado pelo crescimento de Bolsonaro e, sobretudo, Haddad. O presidenciável do PSL subiu seis pontos no período analisado, de 22% para 28%. Já o petista avançou 12 pontos, de 4% para 16%. Bolsonaro ganhou força após o atentado em Juiz de Fora (MG). No caso de Haddad, pesa a transferência de apoio de quem pretendia votar no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em segunda instância, portanto impedido de concorrer.

Analistas ressalvam, porém, que muita coisa pode mudar até 7 de outubro. Afinal, Ciro Gomes tem 13% das intenções de voto. E a soma de Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) resulta em outros 16%. Há ainda Alvaro Dias (Pode), João Amoêdo (Novo) e Henrique Meirelles (MDB), que, têm juntos, 8%.

A retórica de que o ex-presidente Lula é preso político e as derrotas nas tentativas de participar das eleições criaram uma narrativa que emplaca Haddad como herdeiro político. A estratégia em torno da candidatura petista deu certo, a tal ponto que explica em parte a redução dos votos nulos, avalia o sociólogo e cientista político Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Da mesma forma, a facada em Bolsonaro e a recuperação dele no hospital Albert Einstein, em São Paulo, contagiou parte do eleitorado e o impulsionou nas pesquisas.

Ambos os casos geram um ambiente de passionalidade que sensibiliza a campanha e empurra os eleitores a escolherem um candidato. “O clima não é para votar nulo. A eleição mobiliza a população e os não votos tendem a cair”, analisa Baía. O professor destaca, ainda, que Bolsonaro e Haddad são indissociáveis. À medida que o petista cresce nas pesquisas, Bolsonaro também avança, empurrado pela absorção de votos de Amoêdo, Alvaro Dias, Meirelles e Alckmin.

Da mesma forma que o voto útil do “antipetismo” alavanca Bolsonaro, Haddad também se beneficia da força de Lula, puxando votos que poderiam ir para Ciro e Marina. Ambas candidaturas se alimentam também pelo temor de um dos dois extremos vencerem as eleições, assim como Alckmin. E o efeito prático disso é a redução de eleitores inclinados a votar nulo ou branco, ou não comparecer às urnas, pondera Baía.

Pragmatismo

O ambiente sugere que o percentual de não votantes fique abaixo em relação às eleições municipais nas grandes capitais e também na comparação com os pleitos suplementares para governador de Amazonas, em 2017, e do Tocantins, neste ano. Boa parte do eleitorado votou sob desencanto com políticos e impactados pelos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato.

Na eleição municipal de São Paulo, vencida em primeiro turno, o acumulado de abstenções, votos nulos e brancos chegou a 38,5%. No Rio de Janeiro, esse percentual foi de 42,5% no primeiro turno e de 46,9% no segundo. No Amazonas, foi de 40,2% no primeiro e de 43,5% no segundo. Só não superou o desalento do eleitorado em Tocantins. Lá, os não votantes somaram 43,5% na primeira etapa e 51,8%, na segunda.

A possibilidade de os não votos ficarem abaixo de 40% é real, endossa o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, coordenador do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas sobre a Democracia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Sempre que houver polarização, mais pessoas comparecem e diminui o número de nulos e brancos”, analisa.

As previsões de um percentual menor de não votantes não decorre apenas da polarização, avalia o cientista político Ricardo Ismael, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Ele reconhece que existe um desalento e desconfiança muito grande dos eleitores em relação aos políticos, mas acredita que os eleitores votarão por uma questão mais pragmática, pensando em como resolver os problemas do país. “Alguém vai ter de começar a solucionar e, aí, não dá para ficar indiferente e não querer votar”, pondera.

Outras explicações para a previsão de um percentual menor de não votantes é o número de candidaturas competitivas. Embora Bolsonaro e Haddad estejam bem encaminhados para o segundo turno, Ismael acredita que Ciro, Alckmin e Marina são candidatos que podem ainda atrair alguns votos. “Quanto mais candidaturas tiverem chances de chegar ao segundo turno, maior vai ser o movimento de atrair e eleitores e menor será o número de abstenções e votos nulos e brancos”, justifica.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________

Memórias das farsas eleitorais

Leonardo Cavalcanti

24/09/2018

 

 

Escrito por Richard Clarke e Robert Knake, Guerra Cibernética — a próxima ameaça à segurança e o que fazer a respeito é o livro de cabeceira dos oficiais brasileiros interessados nos conflitos tramados a partir da internet. É o tipo de obra que leva o leitor mais efusivo a citar trechos de cabeça e se esforçar para buscar uma edição original em inglês. O texto, lançado ainda em 2010 nos Estados Unidos, teve a edição brasileira materializada em 2015 com o apoio de órgãos e fundações públicas, dada a importância do assunto nos meios acadêmicos, militares e nas empresas privadas  de tecnologia.

Escrito em formato de thriller, o livro começa com um episódio emblemático: um ataque aéreo dos israelenses contra uma construção suspeita na Síria. O detalhe é que o mais surpreendente não estava no bombardeio em si, mas na forma como o governo do país árabe foi ludibriado pelos próprios sistemas de dados, pois a rede de defesa havia sido invadida, deixando o território aberto para o ataque israelense. Um dos aspectos mais importantes do texto de Clarke e Knake, entretanto, não está escrito: ali é possível separar atribuições no jogo das forças na internet. A primeira pergunta: quem combate o que no ambiente das mentiras  livres? A segunda, no mar de dívidas e desconfianças: como atribuir ações de máfias internas e de grupos estrangeiros?

Em teoria, os militares se mobilizam quando o ataque é contra a nação. Fake news eleitorais produzidas em território nacional com ação lesiva ficariam sob responsabilidade das polícias estaduais ou federal, no caso da corrida ao Palácio do Planalto. As últimas campanhas dos Estados Unidos, da França e da Alemanha, no entanto, mostraram que tais caixinhas são limitadas, pois a interferência na democracia pode vir de todos os lados, incluindo movimentos russos. Por aqui, a participação de integrantes do Centro de Defesa Cibernética no Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é a prova de que o Estado ainda tem dificuldades de definir atribuições, mesmo sem qualquer indicativo de ações externas.

Conspirações

Assim como a teoria oportunista da fraude nas urnas, a conspiração envolvendo supostas investigações da facada a Bolsonaro grassaram nas redes de enlouquecidos. Ao afastar a possibilidade de que Adelio Bispo de Oliveira recebeu dinheiro para cometer o crime, a Polícia Federal não apenas estabelece uma linha de apuração robusta como derruba parte das fake news dessa campanha.

Os investigadores também apontaram que o computador do homem era antigo e barato, ao contrário da maluquice disseminada na internet, que dizia ser a máquina de última geração e caríssima. A mais recente doideira é a presença de Adelio na Câmara dos Deputados no dia do ataque — este caso esclarecido como um erro de registros de um funcionário terceirizado, pelo menos segundo a segurança da Casa. Inventar notícias falsas é muito mais fácil do que derrubá-las. Mas há esperanças.