O globo, n. 31011, 03/07/2018. Artigos, p. 13

 

Multifocal no BNDES

Mauricio Neves

Victor Pina

03/07/2018

 

 

É natural que a percepção individual sobre a “realidade” seja condicionada pelas lentes através das quais é observada. São lentes formadas por crenças, valores e vivências que compõem a essência de cada um e constroem uma saudável diversidade. Também no debate sobre o papel do BNDES como o banco de desenvolvimento do Brasil, é preciso esforço para ampliar o campo de visão e buscar ponderação. A partir de evidências, exemplificam-se reveladoras dissonâncias entre o que muitos ainda concebem como a “realidade” do BNDES e o que mostram os números.

Em valores correntes, entre 2014 e 2017, o desembolso para empresas de menor porte foi de R$ 154 bilhões. Mais de 747 mil clientes MPMEs (micro, pequenas e médias empresas) receberam apoio do BNDES, uma média de 740 por dia. A nova estratégia, com digitalização, novos produtos e ampliação de fundos para startups, reforça trajetória que não pode ser ignorada: o BNDES apoia empresas de menor porte e contribui para que cresçam. A grande empresa também tem papel-chave no desenvolvimento e sempre fará parte do portfólio de clientes, sobretudo em infraestrutura ou inovação. A tática é desenvolver formas de atuação cooperativas, como promoção do mercado de capitais, apoio na estruturação de projetos e compartilhamento de riscos.

Diante das carências do país, o banco contribuiu para que os investimentos em infraestrutura ficassem perto de 2% do PIB. Num país que precisa mais do que dobrar esse percentual e perante a grandiosidade das demandas e riscos, qualquer debate deveria partir das necessidades para verificar que instrumentos e recursos — além do BNDES — farão parte das soluções. Ainda em infraestrutura, poucos sabem que 63% da expansão da rede elétrica em 2015/16 tiveram apoio do BNDES. Foram 5.781 kms de linhas de transmissão, distância superior à do Oiapoque ao Chuí. Nos 5.170 MW adicionados por geração eólica — dobrando essa fonte renovável — o apoio do BNDES chegou a quase 90%. O banco ajudou na ampliação do tratamento de resíduos sólidos equivalente à produção diária de lixo de 13,3 milhões de pessoas. São muitos os exemplos de como projetos apoiados pelo BNDES têm impacto positivo no país.

Qual seja a lente, uma diretriz não pode variar: cabe ao BNDES atuar de forma transparente e avaliar sua contribuição ao desenvolvimento. É preciso continuar aberto ao diálogo e prover meios para o controle social como seu Portal da Transparência e o recém-publicado Relatório de Efetividade 2017.

O professor Henry Mintzberg alerta que buscar entender uma estratégia por percepções de suas partes equivale a tatear um elefante por seus membros: ao segurar o rabo, pode-se concluir ser uma cobra, as orelhas indicariam grandes abanadores e as patas paradas facilmente poderiam ser entendidas como sendo troncos de árvores.

Também um debate complexo não deveria ser simplificado por visões fragmentadas. A discussão do papel do BNDES precisa evoluir para uma compreensão sistêmica e multifocal de sua atuação, havendo muito a fazer pelo Brasil em qualquer lente que se sobreponha no debate eleitoral de 2018.