O globo, n. 31033, 25/07/2018. País, p. 4

 

Cabral passa o dia em cela de isolamento em Bangu 8

Juliana Castro

25/07/2018

 

 

Ex-governador se desentendeu com promotor em vistoria do presídio;

À noite, juiz da Vara de Execuções Penais determinou que promotor não poderia decidir pela punição ao ex-governador

O ex-governador Sérgio Cabral (MDB) passou o dia de ontem em uma cela de isolamento do presídio de Bangu 8, onde cumpre prisão preventiva determinada pela Justiça Federal. A punição ocorreu depois de um desentendimento entre Cabral e o promotor André Guilherme de Freitas, que atua pelo Ministério Público Estadual (MP-RJ) na Vara de Execuções Penais (VEP) e foi fazer uma fiscalização no complexo de Bangu. À noite, o juiz titular da VEP, Rafael Estrela, determinou que o ex-governador saísse da cela individual e voltasse para a coletiva onde está detido.

A Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap) e o promotor André Guilherme relataram que, durante a vistoria, Cabral se recusou a ficar na “posição de confere", um padrão que os presos devem seguir quando lhes é determinado. O advogado do exgovernador, Rodrigo Roca, reclama que Cabral foi vítima de uma arbitrariedade e afirmou que fará uma representação contra o promotor junto ao Conselho Nacional do MP por abuso de autoridade.

"GRITOS” E “DESRESPEITO”

A Seap informou que o promotor efetuou uma supervisão de rotina no presídio e que, quando André Guilherme foi à galeria onde se encontra Cabral, o ex-governador “demorou a sair da cela e não se colocou em posição de respeito, como é de praxe durante inspeções judiciais, ministeriais ou da própria Seap".

“O promotor determinou verbalmente que o citado apenado fosse colocado na cela em isolamento", informou a secretaria, acrescentando que foi instaurado um procedimento disciplinar próprio em relação à conduta do interno.

Em nota, o promotor André Guilherme afirmou que, quando ingressou na galeria, foi constatado que ele era o único que não estava na “posição de confere": “Mesmo recebendo novamente a determinação, o preso se recusou a cumpri-la, e, aos gritos, de forma provocativa, capaz de incitar a desordem no coletivo da unidade, disse que não queria ser chamado de ‘interno’ e que aquela posição era um desrespeito a ele", afirmou o promotor.

No início da noite, o juiz Rafael Estrela, titular da VEP, manifestou-se sobre o caso. Ele decidiu que o promotor não tem atribuição legal para determinar este tipo de punição, e ordenou que Cabral deixasse a cela individual.

“Não se pode conceber que as atividades administrativas inerentes ao sistema prisional fiquem à margem de ordens flagrantemente ilegais, em afronta à separação dos poderes e à ordem constitucional do Estado Democrático de Direito”.

O promotor André Guilherme se defendeu, discordando do posicionamento do juiz Estrela. “Fiscalizei um total de oito unidades prisionais, com 7.062 presos. (...) Respeito e fiscalizo as normas relativas ao sistema prisional e seu cumprimento por parte dos presos, que devem ser tratados de forma igual, sem qualquer favorecimento ou privilégio. Agi em estrita conformidade com a lei, dentro das minhas atribuições e dos regulamentos e práticas da SEAP, motivo pelo qual nada tenho a temer, pois minha causa é maior e meu dever é proteger a sociedade."

A defesa de Cabral disse que, ao chegar ao presídio por volta das 9h40m, André Guilherme foi direto à cela do ex-governador. O emedebista fica na mesma galeria em que estão o exsecretário de Governo Wilson Carlos; Felipe Picciani, filho do deputado Jorge Picciani (MDB); e os deputados estaduais Edson Albertassi e Paulo Melo, ambos do MDB. A defesa do ex-governador afirma que, ao ingressar na ala, o promotor limitou-se a dizer “detentos, todos de cabeça baixa e de frente para a parede”. O advogado relata que Cabral retrucou, afirmando que não havia necessidade da medida.

Sérgio Cabral está preso desde a deflagração da Operação Calicute, em novembro de 2016. Ele já tem seis condenações em primeira instância — uma na Justiça Federal do Paraná e outras cinco na do Rio —, somando 123 anos de prisão, pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. No processo por corrupção nas obras do Comperj, que tramitou na Justiça Federal em Curitiba, ele já teve a condenação confirmada pela segunda instância, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve a pena de 14 anos.

Cabral já esteve preso em Benfica, na Cadeia Pública José Frederico Marques, de onde saiu depois que fiscalizações do MP-RJ descobriram privilégios do ex-governador. Além de manter na cela alimentos vedados aos detentos, ele articulou a doação de um home theater para os presos.