O globo, n. 30995, 17/06/2018. País, p. 6

 

Estudo mostra ‘termômetro’ da governabilidade de FH a Temer

Juliana Dal Piva

17/06/2018

 

 

Apoio inferior a 70% na Câmara é área de risco para presidentes

 

Desde o início do primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), ficou clara a dificuldade que ela tinha na relação com os partidos da base governista no Congresso, sobretudo na Câmara. Esse quadro se deteriorou ainda mais no segundo mandato, em 2015, quando a Casa era comandada por Eduardo Cunha — o que culminou no impeachment. O que uma pesquisa do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra agora, em números, é o índice de apoio que Dilma tinha na Câmara quando foi deposta e como os partidos respeitam — ou não — as orientações do governo nos últimos 20 anos. E especialistas alertam: apoio parlamentar inferior a 70% é um número perigoso para presidentes.

No livro “Congresso em números — A produção legislativa do Brasil de 1988 a 2017”, que será lançado nos próximos dias, pesquisadores da instituição compilaram todas as votações nominais de 1998 até agora, e calcularam quantas vezes os deputados votaram de acordo com a orientação do líder do governo vigente. Os dados mostram que Dilma sofreu o impeachment — a votação na Câmara ocorreu em abril de 2016 — quando tinha menos de 70% de apoio nas votações. Um ano antes, no entanto, ela já vinha acumulando índices ainda menores, na casa dos 60% ao longo de vários meses.

— A Dilma, quando baixou de 65%, caiu. O que a gente está vendo é que um índice bom, seguro de governança, para que o presidente possa aprovar suas leis e não fique refém é estar acima de 70% de apoio no Congresso — explica Pablo Cerdeira, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade.

 

GOVERNO FH TEVE BONS NÚMEROS

O percentual de apoio está sendo tratado pelos pesquisadores como um “termômetro” para que os presidenciáveis fiquem atentos. Como o sistema político não foi modificado, dificilmente um presidente conseguirá legislar e obter apoio suficiente para passar suas leis e medidas sem uma base sólida dos partidos mais antigos e com as maiores bancadas. O índice de apoio obtido por Dilma mostra que não foi apenas no segundo mandato que ela acumulou problemas. Luiz Inácio Lula da Silva deixou a Presidência, no fim de 2010, com uma taxa de 83% de apoio parlamentar. Ela, porém, foi perdendo esse apoio desde o primeiro mandato.

— A curva dela mostra apenas queda, especialmente após as jornadas de junho — aponta Cerdeira. Nesse período, Dilma já estava com um índice de 70% de apoio nas votações, e a redução se acentuou até o fim de seu governo.

Quando os dados são analisados de modo histórico, é possível perceber que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi o chefe do Executivo que obteve os maiores índices de apoio nas votações, batendo 88% em agosto de 2000. Os pesquisadores observaram também que, durante seus dois mandatos, Lula foi construindo uma base que permitiu a ele superar o escândalo do mensalão e continuar obtendo apoio nas votações.

— O ex-presidente Lula bateu um piso de 67% a 68% em alguns meses entre abril e junho de 2005, época do mensalão — explicou o pesquisador Fábio Vasconcellos, que participou do estudo.

Para ele, foi a aproximação com o MDB, que passou a integrar o governo em 2006, o fato garantidor do apoio para Lula continuar aprovando medidas sem ser ameaçado.

 

MDB E PP SÃO FIÉIS DA BALANÇA

Os dados também mostram que sem os votos de MDB e PP, nenhum dos presidentes, desde Fernando Henrique, teria conseguido governar. Temer, por exemplo, enfrentou as duas denúncias na Câmara em 2017 com taxas superiores a 70%. Os dois partidos, quase sempre aliados ao governo de ocasião, evidenciam o chamado presidencialismo de coalizão e a importância de não menosprezar o poder do parlamento.

— Candidatos como o (Jair) Bolsonaro, por exemplo: o PSL tem oito deputados. Se ele não se coligar, vai ter 1,5% de apoio, muito longe do piso seguro. Não se pode menosprezar o poder do Parlamento. Tem que trabalhar com uma margem de cerca de 330 deputados, chegando a 65% de apoio, um mínimo — explica Cerdeira.