O globo, n. 31036, 28/07/2018. Artigos, p. 17

 

O justo julgamento dos responsáveis

João Carlos Castellar

28/07/2018

 

 

Recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Brasil por falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e o assassinato do jornalista Vladimir Herzog. O tribunal também proclamou que “o Estado não pode invocar a existência da figura da prescrição (...) ou a Lei de Anistia ou qualquer outra disposição semelhante ou excludente de responsabilidade para escusar-se de seu dever de investigar e punir os responsáveis”, conforme noticiado.

Essa importante manifestação da CIDH remete os brasileiros a refletirem sobre o alcance da chamada “Lei de Anistia”, que entrou em vigor em 28 de setembro de 1979. Para tanto, é oportuno recordar alguns acontecimentos dos dois anos anteriores à sua edição.

Em abril de 1977, o então presidente Geisel baixou o “Pacote de Abril”, fechando o Congresso Nacional, de modo a conseguir maioria para eleger seu sucessor. E conseguiu. Mas, diante do avanço das lutas populares por liberdades democráticas, o general Figueiredo se viu na contingência de adotar o discurso da “revisão dos processos”. Disso resultou a revogação do famigerado Decreto-Lei 898/69, editando-se uma nova Lei de Segurança Nacional, estatuto que reduzia as severas penas previstas no anterior, viabilizando a soltura de muitos presos políticos. Permaneceriam apenas aqueles condenados por “crimes de sangue”.

Cresceu, a partir de então, a reivindicação por uma “anistia ampla, geral e irrestrita”, visando à libertação de todos os presos. Mas a Lei de Anistia entrou em vigor em 28/08/79, ocasião em que o Brasil ainda vivia uma ditadura. Tanto é assim que essa lei foi assinada por vários militares, todos ocupantes de relevantes postos no governo, tais como Maximiano da Fonseca, Válter Pires, Délio Jardim de Matos, Mário Andreazza, Danilo Venturini, Golbery do Couto e Silva e Otávio de Medeiros.

Assim, a Lei de Anistia, nos termos em que está editada, foi aquela que era possível na conjuntura política de então, em que ainda se temia o recrudescimento do regime. Desse modo, os militares, ainda no poder, conseguiram se proteger das investigações que lhes poderiam sobrevir no futuro, pois já não se tinha dúvida das torturas, mortes e “desaparecimentos” ocorridos em unidades militares e órgãos policiais, sob seu comando.

O tempo passou. A ditadura foi vencida, vige a Constituição Federal de 1988, e vários presidentes foram democraticamente eleitos. O país precisa conhecer sua história, fazer sua catarse. Países vizinhos que também atravessaram ditaduras, como Argentina, Uruguai e Chile, assim o fizeram. Há que se desvendar o passado em toda a sua extensão. As vítimas daquele período merecem o justo julgamento dos responsáveis. A Lei de Anistia tem que ser revista.