Correio braziliense, n. 20132, 05/07/2018. Brasil, p. 5

 

Corte condena o Brasil

Gabriela Vinhal

05/07/2018

 

 

DIREITOS HUMANOS » Tribunal interamericano responsabiliza Estado brasileiro pela falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pela morte do jornalista Vladimir Herzog durante a ditadura militar, e determina medidas de reparação

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou ontem o Brasil pela falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, durante a ditadura militar. O tribunal também responsabilizou o Estado pela violação do direito de conhecer a verdade aos familiares. O Ministério dos Direitos Humanos informou, em nota, que vai aprimorar a política de enfrentamento à tortura e intensificar as investigações sobre a morte do jornalista. Já o das Relações Exteriores, também em nota, disse que “o Brasil reconhece a jurisdição da Corte e examinará a sentença e as reparações ditadas”.

“A Corte IDH determinou que os fatos ocorridos contra Herzog devem ser considerados crime contra a humanidade, de acordo com a definição dada pelo Direito Internacional”, diz a sentença. Em 25 de outubro de 1975, o jornalista, funcionário da TV Cultura de São Paulo, à época com 38 anos, se apresentou voluntariamente para depor às autoridades militares na capital paulista.

No entanto, foi preso, interrogado, torturado e assassinado “em um contexto de ataques sistemáticos e generalizados contra civis considerados opositores da ditadura, em especial contra jornalistas e membros do Partido Comunista Brasileiro”, segundo o processo. No mesmo dia da morte, o II Comando do Exército afirmou que o jornalista havia cometido suicídio. A Justiça Militar realizou, por sua vez, uma investigação que confirmou a versão das Forças Armadas.

Em 1992, as autoridades brasileiras iniciaram uma nova investigação, mas foi arquivada devido à Lei de Anistia. A família de Herzog, entretanto, insistiu e, em 2007, apresentou um novo pedido de investigação ao Ministério Público Federal. Em 2008, contudo, foi arquivado por prescrição.

A Corte Interamericana concluiu que, devido à falta de investigação, bem como de julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato de Herzog, o Brasil violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial dos familiares da vítima, conhecidos como Zora, Clarice, André e Ivo Herzog.

O tribunal internacional afirmou ainda que a falta de esclarecimento judicial, a ausência de punições individuais e a recusa em apresentar informações e fornecer acesso aos arquivos militares da época dos fatos violaram o direito de conhecer a verdade.

Além disso, a Corte ordenou várias medidas de reparação, incluindo aquelas destinadas a reiniciar a investigação e o processo penal relativos à morte de Herzog, para identificar, processar e, se for o caso, punir os responsáveis pelo crime.

Para Simone Pinto, professora de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), a decisão foi tomada em um momento muito importante para o Brasil, em que uma parcela da população tem pedido o retorno da ditadura militar e ameaçado o sistema democrático do país. A especialista afirma que procurar por culpados e responsabilizar o Estado ajuda a mostrar o que de fato ocorreu naquela época.

“Quem pede por intervenção militar vive uma grande falta de informação sobre o que realmente ocorreu durante a ditadura. A falácia de que não houve corrupção, de que não houve abuso de violência é um mito que precisa ser combatido”, ponderou.

É o segundo caso que repercute este ano sobre ditadura militar. O primeiro foi sobre o vazamento de um documento dos Estados Unidos sobre a suspeita de assassinato e tortura durante o governo Geisel, conhecido por ser uma gestão “mais branda”. Simone explica que essas discussões ajudam a desmistificar a conduta do Brasil de evitar a reconstrução do que aconteceu na época, além de investigar culpados.