O globo, n. 30960, 13/05/2018. País, p. 4

 

Coaf apura operações financeiras de Romário

Marco Grillo

Thiago Prado

13/05/2018

 

 

Movimentações financeiras suspeitas e a manutenção do próprio patrimônio em nome de familiares colocaram o senador Romário (Podemos-RJ), pré-candidato ao governo do Rio, na mira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ). O órgão do Ministério da Fazenda responsável por ações de combate à lavagem de dinheiro vai rastrear o destino de milhões de reais que passaram atipicamente pela conta da irmã do senador e por uma empresa cujos sócios são os pais de Romário.

Desde o ano passado, a Justiça do Rio está levantando os bens da família do pré-candidato a pedido de um credor. Em abril, um despacho judicial sustentou que ele e seus familiares “ocultam patrimônio e/ou dissimulam valores”. Em fevereiro, O GLOBO deu detalhes da apuração: revelou que o senador tinha omitido de sua declaração de bens dois apartamentos e uma casa na Barra da Tijuca avaliados em R$ 9,6 milhões. Agora, a Justiça rastreou e acaba de penhorar uma lancha de Romário, avaliada em R$ 1,8 milhão.

A embarcação está registrada em nome da sua irmã, Zoraidi de Souza Faria. A lancha All Mare, de 54 pés, já foi usada pelo senador no Lago Paranoá, em Brasília, e em Angra dos Reis, no litoral sul do Rio. Ultimamente, ela estava na Marina da Glória, Zona Sul do Rio. Uma fonte que circula no local disse ao GLOBO que nunca viu Zoraidi embarcar na lancha e que ela é usada frequentemente por Romário, filhos e amigos mais próximos.

O lastro de Zoraidi para ter tamanha evolução patrimonial será analisado pelo Coaf, por determinação da Justiça do Rio. Ela também aparece como a proprietária de um Porsche em que Romário circula e é quem paga o IPTU da casa da Barra do senador que até hoje não está em seu nome. Recentemente, chamou a atenção da Justiça do Rio o saldo milionário em um plano de previdência privada mantido no Banco do Brasil por Zoraidi. A aplicação, que tinha um saldo de pouco mais de R$ 700 no fim de 2015, foi turbinada após um empréstimo de Romário à irmã e alcançou R$ 4,8 milhões.

ZORAIDI ESTUDANTE

Além da doação, outro dado reforça as suspeitas de que Romário usa a irmã para ocultar patrimônio. O senador tem uma procuração fornecida por Zoraidi para movimentar os valores mantidos por ela exatamente nesta agência do Banco do Brasil, que fica em Brasília, no prédio da Câmara dos Deputados. Além do plano de previdência, Romário pode manusear os recursos de Zoraidi no banco. Em novembro, contudo, a conta corrente da irmã tinha apenas R$ 64,15.

Romário e a irmã, Zoraidi de Souza Faria, em evento: relatórios vão detalhar movimentações financeiras operação financeira envolvendo Zoraidi. Entre 2015 e 2016, ela recebeu R$ 6 milhões em empréstimos da RSF Empreendimentos, empresa cujos sócios são a mãe do senador, Manuela Ladislau Faria, e seu pai, Edevair de Souza, que ainda aparece formalmente na sociedade apesar de ter morrido em 2008.

Em documentos firmados em cartórios, Zoraidi se apresenta como estudante ou “do lar”. A irmã de Romário já trabalhou na Organização Social Ecos, que administrava uma vila olímpica da Prefeitura do Rio no período em que a Secretaria Municipal de Esporte e Lazer era comandada por Marcos Braz, indicado por Romário.

O Coaf vai apurar ainda o destino de um depósito de R$ 6,8 milhões feito pelo Flamengo na conta da RSF em novembro de 2016. O montante foi recebido por Romário após um acordo judicial, em função de dívidas do período em que atuou no clube. Em julho do ano passado, quando a Justiça bloqueou a conta da RSF em busca do montante depositado pelo Flamengo, restavam apenas R$ 1.228.

Em outra frente da investigação sobre os bens ocultos, a Justiça determinou a indisponibilidade do Porsche, de um Land Rover, um Audi — em nome da mãe do senador —, um Peugeot e um Hyundai. A frota automotiva está avaliada em R$ 1,3 milhão, segundo a tabela Fipe. A lancha e os carros poderão ser leiloados para saldar uma parcela das dívidas milionárias de Romário.

ROMÁRIO NÃO RESPONDE

Em dezembro do ano passado, dois apartamentos que pertenciam ao senador, mas que estavam ainda em nome da construtora que vendera os imóveis a ele, já foram vendidos para diminuir o passivo. Um levantamento feito em processos em que Romário figura como réu estima em R$ 36,7 milhões as suas dívidas já reconhecidas pela Justiça — o saldo com um dos credores, uma empresa de engenharia, chega a R$ 18,5 milhões

Zoraidi foi procurada na quinta-feira por telefone, mas desligou quando o repórter se identificou e não atendeu mais as ligações. Na quartafeira, O GLOBO enviou nove perguntas a Romário, via assessoria de imprensa, mas até ontem o o senador não havia respondido. Em março, depois de lançar a pré-candidatura ao governo do Rio, ele deixou o evento, em um clube da Zona Norte do Rio, sem falar com a imprensa.

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Crivella cancela demolição

13/05/2018

 

 

Prefeito do Rio contraria laudo técnico e evita destruição de obra irregular feita pelo senador em casa de luxo na Barra; ex-adversários, os dois voltaram a se aproximar

O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), decidiu contrariar a área técnica da sua própria Secretaria municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação e favorecer o senador Romário (Podemos-RJ), até pouco tempo, seu inimigo declarado na política fluminense. Em 16 de março, a prefeitura havia autorizado, via Diário Oficial, a demolição de parte da reforma feita por Romário em uma casa de luxo na Barra da Tijuca. Um laudo constatou que parte do imóvel fora construída em área pública, e a obra, sem autorização para ser realizada, ultrapassara o limite de área edificada permitida da região. “Deverão ser demolidas as obras ilegalizáveis”, diz o documento.

No fim de março, em conversa com O GLOBO por WhatsApp, Crivella já havia sinalizado que poderia rever a medida. O prefeito admitiu que um amigo do senador havia lhe comunicado sobre a “dificuldade” com a situação. Na semana passada, a assessoria de Crivella explicou as razões para a demolição não ter ocorrido. Em nota, afirmou que a ação da Secretaria de Urbanismo não era definitiva e que “ser ilegalizável não torna a ocupação condenável”.

“Não faz sentido a prefeitura demolir esses espaços para o terreno ficar parado sem utilidade. Então, taxas são cobradas de acordo com a metragem invadida e com o invasor ciente que pode ter o terreno retomado pela prefeitura a qualquer hora. Caberia demolição de fato se o proprietário se recusar a estabelecer esse acordos. Diversas regiões da Barra e, inclusive, os vizinhos do Romário, se utilizam desse artifício”, afirmou a assessoria do prefeito, reforçando que a casa é, de fato, do senador.

Romário nega ser o dono da casa. As cotas do IPTU de 2017 foram pagas pela irmã dele, Zoraidi de Souza Faria, suspeita de esconder em seu nome bens do irmão.

Simultaneamente à alteração de postura da prefeitura no caso da demolição, mudou também radicalmente a forma como Romário e Crivella se relacionam. Os dois haviam se aliado nas eleições municipais há dois anos, mas acabaram se distanciando em 2017. Em entrevistas e nas redes sociais, o senador passou a criticar duramente a prefeitura. Chegou a dizer, por exemplo, que Crivella não era “homem de palavra”. No carnaval deste ano, o tom dos ataques aumentou. Após Crivella viajar para o exterior durante os desfiles das escolas de samba, Romário chamou o prefeito de “babaca”. No Instagram, foi ainda mais contundente: “E eu apoiei esse idiota. Por enquanto é o pior prefeito que nós tivemos”, escreveu.

EM PAZ DE NOVO

A partir do fim de março, houve um cessar-fogo entre Crivella e Romário. Hostilidades foram interrompidas e os dois voltaram se encontrar. Um deles ocorreu em abril, na sede da prefeitura. Ao lado do deputado federal Otávio Leite (PSDB-RJ), Crivella e Romário discutiram o repasse de verbas para a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação.

O senador anunciou que é pré-candidato ao governo do estado. Em pesquisas nas mãos de partidos, ele aparece em primeiro lugar nas intenções de votos. Já Crivella afirma que vai apoiar o deputado Indio da Costa (PSD-RJ) na corrida pelo Palácio Guanabara.