Correio braziliense, n. 20151, 24/07/2018. Opinião, p. 11

 

Fake news e a legitimidade do processo eleitoral

Hildo Rocha

24/07/2018

 

Trato aqui de uma temática mais do que urgente e atual: o fenômeno de veiculação e reprodução das chamadas fake news, estreitamente vinculado à disseminação de conteúdos por meio das redes sociais. A disseminação de notícias falsas é tão antiga quanto a civilização. Porém, a situação tem se agravado após a internet, em especial nas redes sociais, ambiente popular que propicia acesso fácil e onde histórias falsas são disseminadas com a intenção de obter algum tipo de vantagem, seja financeira, política ou eleitoral.

Interessa-nos aqui, em especial, o impacto que se pode produzir no ambiente político, considerando as próximas eleições, as quais, sabe-se, serão marcadas por forte polarização. Utilizadas pelos interesses mais escusos, as fake news podem ser instrumentos poderosos contra a dignidade pessoal de candidatos e pessoas públicas, ou contra a legitimidade das próprias instituições e processos políticos.

É importante observar, de imediato, que, mais do que os conteúdos falsos em si, o problema das fake news reside na velocidade com que são produzidas nas mídias atuais. O intervalo de tempo em que uma postagem se alastra nas redes sociais é cada vez menor, e desse modo, cada vez mais incontrolável. É quase impossível prever o tamanho da repercussão de uma notícia falsa, mas é certo que supere, em qualquer circunstância, o posterior esforço de denunciá-la.

No ambiente político, a propagação de fake news pode impactar, em maior ou menor medida, o próprio regime democrático. Como se viu na última eleição norte-americana, a veiculação de notícias falsas, por meio de programas específicos e perfis igualmente falsos — oriunda, inclusive, de outros países — pode ter influenciado decisivamente o resultado do pleito, por induzir o comportamento eleitoral do usuário desavisado. Mas não apenas nos Estados Unidos; há evidências de intervenção internacional recente, em processos eleitorais e consultas populares, também em países europeus.

Os mecanismos de filtragem e identificação de mensagens, tanto pelos provedores de conteúdo quanto pelas redes sociais, ainda se mostram ineficientes. Sabe-se que há alteração nos algoritmos utilizados para a coleta de dados dos usuários, mas ainda não se mensurou exatamente nem o alcance da intervenção nem suas implicações no ambiente virtual e nas escolhas do público em geral.

Sabemos que a dificuldade em rastrear a origem da notícia determina a dificuldade em controlar adequadamente sua disseminação. O problema é incorrer em simples e mera censura, o que não é cabível em regime democrático nem eficiente como medida de repressão. Há entre nós uma grande variedade de agentes públicos e privados envolvidos na avaliação do problema. Tentativas de regulamentação legal, inclusive no âmbito penal, já foram esboçadas por entidades tão diversas quanto o Tribunal Superior Eleitoral e o Conselho de Comunicação Social do Senado Federal.

Sugestões para encaminhamento do debate têm sido oferecidas por representantes do Ministério Público, por representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, por membros do Comitê Gestor da Internet no Brasil, por órgãos de defesa do consumidor, e por entidades representativas de empresas e usuários da internet. A abundância de premissas e sugestões aventadas dá bem ideia da complexidade do problema e do desafio que representa em face do interesse público.

Repetindo: considerando a influência das fake news na formação da opinião pública e, nessa medida, a proximidade das eleições no país, entendemos que a Câmara dos Deputados deve se empenhar em propor soluções adequadas e eficientes, sem prejuízo da normalidade democrática. Seja colhendo sugestões e análises técnicas, seja avaliando cenários e perspectivas internacionais, devemos concentrar esforços específicos, visando à elaboração de mecanismos normativos capazes de, pelo menos, minimizar problema tão grave, em favor da transparência e da legitimidade do iminente processo eleitoral.