Valor econômico, v. 18, n. 4475, 04/04/2018. Brasil, p. A3.

 

Anac busca 'céus abertos' com Holanda e Reino Unido

 Daniel Rittner

04/04/2018

 

 

O Brasil inicia, nos próximos dias, negociações para um acordo de "céus abertos" com a Holanda. Nas semanas seguintes, vai propor também a abertura de conversas com o Reino Unido para liberalizar completamente as rotas aéreas entre os dois países.

Trata-se de uma importante mudança em relação à estratégia anterior. Os acordos bilaterais com países da Europa não passavam por revisão desde 2010. Desde aquele ano, o governo brasileiro e a União Europeia fizeram diversas tentativas de fechar um tratado válido para todos os sócios do bloco. O fracasso nas discussões provocou um estrangulamento do limite de voos permitidos entre os dois lados do Atlântico. Só não houve problemas maiores porque muitas companhias europeias cortaram rotas para aeroportos brasileiros em meio à forte crise econômica.

Em casos pontuais, algumas ligações que excedem a quantidade máxima de voos no âmbito dos acordos bilaterais foram autorizadas em caráter precário, mas isso está longe de resolver o problema porque causa insegurança à operação das empresas.

A restrição mais evidente atinge a holandesa KLM. O acordo bilateral prevê um limite de 14 ligações por semana entre Amsterdã e destinos no Brasil. A companhia já opera sete frequências para Guarulhos (SP) e outras sete para o Galeão (RJ). Em maio, ela começa a fazer três voos por semana para Fortaleza. As vendas foram tão boas, segundo fontes do mercado, que duas frequências adicionais estão sendo estudadas.

Para não travar essa nova rota Amsterdã-Fortaleza, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) deu autorização precária à KLM. Na quinta-feira da semana passada, a agência - incumbida por lei dos acordos internacionais no setor - recebeu das autoridades holandesas um comunicado sobre o interesse em renegociar o atual tratado e criar um regime permanente de "céus abertos".

"Temos também todo o interesse e já marcamos o início das negociações para a semana que vem", afirma Juliano Noman, diretor da Anac. Para ele, é possível evoluir nas conversas e chegar à assinatura de um novo acordo com a Holanda até meados do ano. O governo britânico está sendo procurado pela agência e sinaliza positivamente ao início de negociações bilaterais.

Outros países - França, Alemanha, Portugal e Itália - têm poucas frequências para serem preenchidas dentro dos acordos em vigência. Só existe alguma folga hoje porque muitos voos foram cancelados devido à crise.

"Nenhum dos países europeus tinha autorização de discutir nada bilateralmente enquanto a UE negociava como bloco", explica Noman. Sem revisão desde 2010, eles ficaram desatualizados. "Essa agenda está parada há sete ou oito anos. Chegou a hora de destravar os acordos, aumentar as possibilidades de rotas e criar novas opções aos passageiros." 

Em vez de ampliar gradualmente os voos permitidos por cada acordo, a ideia da Anac é buscar "céus abertos" de agora em diante. Outra exigência da qual não se abre mão é incluir nos tratados a possibilidade de quinta liberdade. No jargão do setor, isso significa um aval às companhias para transportar passageiros do país signatário do acordo para outro país.

Por exemplo: uma aérea brasileira poderia sair de São Paulo, voar até Amsterdã e embarcar passageiros locais para estender esse voo até um terceiro destino. Com o eixo de crescimento da economia global se deslocando para a Ásia, o ponto mais distante do Brasil e para onde aviões não conseguem ir sem escalas, a quinta liberdade ganhou importância. Hoje nenhuma empresa verde-amarela tem planos de usar a Europa como ponto de parada para chegar à China ou à Índia, mas acordos são "para uma vida toda" e ninguém sabe como será o futuro, enfatiza Noman.

Foi exatamente essa discórdia entre Brasil e UE que levou ao impasse nas conversas. A Comissão Europeia se recusava a conceder quinta liberdade para companhias brasileiras. Depois de anos de insistência, Brasília desistiu. A Anac mandou correspondência para Bruxelas, em dezembro, dando por encerradas as tratativas. 

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País tem só dois acordos em vigor e indefinição com EUA

Daniel Rittner 

04/04/2018

 

 

O Brasil tem apenas dois acordos de "céus abertos" em vigência atualmente: um com o Chile e outro com Quênia. Existem ainda mais 22 tratados do gênero já assinados pelo governo brasileiro, mas em tramitação no Congresso Nacional ou já aprovados pelo Legislativo e dependendo de assinatura presidencial para ganhar validade. É o caso de negociações bem-sucedidas com países como Costa Rica, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Emirados Árabes.

Uma situação muito particular ocorre com o "open skies" entre Brasil e Estados Unidos. Firmado em 2011 pelos ex-presidentes Barack Obama e Dilma Rousseff, o acordo ficou cinco anos retido no Palácio do Planalto. Havia grande divergência entre as principais empresas brasileiras. Só no começo da gestão Michel Temer o tratado foi enviado ao Congresso. Mas enfrentou resistência de parlamentares da esquerda, inclusive do próprio PT. Depois de tantas discussões, passou na Câmara em dezembro e no Senado em março deste ano.

Quando tudo parecia finalmente resolvido e os "céus abertos" dependiam apenas de uma assinatura de Temer para entrar em vigência, veio a sobretaxa da Casa Branca ao aço e ao alumínio brasileiros. Em um primeiro momento, o Planalto e o Itamaraty consideraram a possibilidade de frear o acordo. Como ele é de enorme interesse de Washington, poderia ser usado como moeda de troca em eventuais negociações para exclusão da lista de fornecedores de aço prejudicados pela barreira de Donald Trump.

Com o alívio temporário dado pelo governo americano às siderúrgicas brasileiras, essa hipótese perdeu força e continuaram os trâmites internos: uma análise final das autoridades responsáveis antes da assinatura do decreto.

No caso de medidas provisórias ou projetos de lei aprovados pelo Congresso, o presidente tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar o texto definitivo. Como se trata de um acordo internacional, não há prazo definido para a promulgação. Não se descarta colocar novamente um freio no assunto, dependendo da evolução das tratativas com o US Trade Representative (UTSR) sobre o aço, mas a tendência é ir preparando o terreno para a entrada em vigor dos "céus abertos" nas próximas semanas.