O Estado de São Paulo, n. 45483, 28/04/2018. Esportes, p. A19

 

Sem saída, FIFA decide banir Del Nero

Jamil Chade

28/04/2018

 

 

Brasileiro é afastado para sempre do futebol depois de conseguir prazo para articular sua sucessão na CBF; ele se diz indignado e vai recorrer da punição

Três anos depois de assolada pela prisão de vários cartolas em um hotel de luxo em Zurique, a Fifa finalmente completou ontem a “limpeza” na entidade, com o banimento do futebol de Marco Polo Del Nero. A punição determinada pelo Comitê de Ética, porém, foi cuidadosamente coordenada. A decisão foi anunciada apenas depois que o brasileiro teve tempo para manobrar o processo eleitoral para escolher seu sucessor na CBF.

Del Nero, também multado em 1 milhão de francos suíços (cerca de R$ 3,5 milhões), era o único dirigente do escândalo de corrupção que ainda não havia sido punido pela organização. Apesar de indicar que a situação do brasileiro era “insustentável” e querer seu afastamento, a Fifa protelou a definição.

A entidade agiu apenas quando, no julgamento de José Maria Marin, ocorrido em Nova York em dezembro de 2017, Del Nero foi acusado de ter recebido US$ 6,5 milhões (R$ 22,5 mi) em propinas, em troca de contratos comerciais com a CBF. Legalmente, a Fifa não tinha mais escolha, senão agir contra Del Nero.

Até então, havia esforço para salvá-lo. No ano passado, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, manteve reuniões com a direção da CBF, na esperança de encontrar uma “solução” para a situação de Del Nero. Mesmo indiciado pela Justiça americana desde 2015, o brasileiro chegou a receber Infantino na sede da CBF, no Rio, em 2016.

Quando já não era mais possível preservá-lo, a Fifa estipulou prazos para a punição, permitindo uma “transição” na CBF. Num primeiro momento, Del Nero foi afastado por três meses, enquanto a entidade mundial supostamente realizava suas investigações. Del Nero chegou a ser interrogado pela Fifa, por meio de uma videoconferência. Sua defesa alegou que a entidade não conseguira produzir um só documento de acusação, em dois anos de investigações contra o brasileiro.

Em março, ampliou o inquérito por mais 45 dias e abriu espaço para uma eleição orquestrada na CBF. A entidade brasileira, assim, escolheu o novo presidente dentro do prazo dado pela Fifa. O novo presidente, Rogério Caboclo, eleito há dez dias, irá assumir o cargo somente em abril de 2019, num sinal claro de que a votação fora desenhada para evitar que uma briga política fosse desencadeada.

Com a situação na CBF definida, a Fifa pôde continuar o processo de defenestração de Del Nero. Fez nova audiência quarta-feira e não permitiu depoimento à distância. Queria sua presença e o fato de o dirigente não aparecer por não poder sair do Brasil selou sua sorte.

Influência. O Estado revelou no final de 2017 que Del Nero continuava a mandar na CBF mesmo suspenso, conversando com quem ficou no comando e até orientando pagamentos. Para isso, uma logística especial foi criada. Cartolas evitaram ir ao seu apartamento para não serem vistos. Esquema sigiloso foi criado para permitir os encontros. A Fifa não agiu. Enquanto isso ele articulava a sua sucessão.

O Estado apurou que a decisão de Del Nero de abrir mão de novo mandato na presidência foi aplaudida na Fifa, que em troca aceitou dar um prazo para que a CBF se reorganizasse.

Del Nero não pode nem entrar na CBF para eventos sociais, presidir clubes de futebol ou fazer parte de organização de torneios. Ele foi punido por suborno, corrupção e gestão desleal. “Como consequência, Del Nero está banido por toda vida de todas as atividades relacionadas com o futebol – administrativas, esportivas ou outras – em âmbito nacional e internacional”, disse o Comitê de Ética.

Ele irá recorrer nas cortes internas da Fifa “e tem a convicção de que a punição de primeira instância será reformada mediante análise por tribunal independente”, disse a defesa do exdirigente, que recebeu a decisão com “surpresa e indignação”. Del Nero também levará o caso à Corte Arbitral dos Esportes, como fizeram Joseph Blatter, Michel Platini e Jérôme Valcke. Todos foram derrotados em todas as instâncias.

 

DIFERENÇA

R$ 3,5 milhões foi a multa aplicada pela Fifa a Marco Polo del Nero por seu envolvimento em casos de corrupção que levaram a seu afastamento definitivo do futebol. Apenas em Nova York, o ex-presidente da CBF é acusado de ter recebido R$ 22,5 milhões em propinas.