Correio braziliense, n. 20123, 26/06/2018. Política, p. 2

 

O efeito Tocantins na corrida ao Planalto

Deborah Fortuna

26/06/2018

 

 

ELEIÇÕES » Marqueteiros, políticos e especialistas ouvidos pelo Correio acreditam que a ameaça de alta abstenção muda estratégias de campanha. Desinteresse do eleitor, a depender do candidato na disputa, pode atrapalhar ou facilitar a chegada ao 2º turno

O alto número de abstenções nas eleições de segundo turno para eleger o novo governador do Tocantins, no último fim de semana, confirmou aquilo que já se sabia: o desencanto do eleitor brasileiro. O desafio, a partir de agora, para políticos pré-candidatos às eleições de 2018 é criar estratégias específicas para esse público. Em alguns casos, a depender do candidato, o número de desistências pode ser positivo. Em outros grupos, a população não sair se casa, pode ter um efeito devastador.

O Correio conversou com especialistas sobre como os votos não válidos podem interferir na corrida eleitoral. A tática é uma novidade, por mais que o histórico das últimas eleições mostre um aumento na descrença dos eleitores. Pesquisas apontam que o desencanto pode chegar a 40%. Isso acaba com o mito de que esse resultado poderia invalidar uma campanha inteira. Isso é uma notícia falsa que se espalhou nos últimos anos, mas que não condiz com a realidade, já que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) conta apenas os votos válidos nas eleições.

Mas isso não significa que tal conta não interfira na disputa, por exemplo, à presidência da República. Pesquisas recentes mostram que sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições o número de eleitores que não votam aumenta. Pré-candidatos que buscam os votos de Lula, como Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (REDE), Manuela D´avila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSol) têm a tarefa de convencer o eleitor a sair de casa para votar neles.

Na mesma equação, um candidato como Jair Bolsonaro (PSL) pode sair favorecido, pois a chance do voto de Lula ir para o ex-militar é mínima. Assim, é melhor para Bolsonaro que esse público não vote. “Todos os candidatos que são oposição a quem poderia receber os votos consolidados (de Lula, caso ele não dispute a eleição) vão se beneficiar com a eventual ausência (do petista) ou com os botões de nulo e branco”, disse a especialista em direito eleitoral e professora da Faculdade de Direito do IDP-São Paulo Marilda Silveira.

Ainda para a especialista, a abstenção de votos sempre foi elevada no Brasil, mas o que aconteceu de 2013, no auge nas manifestações, até 2018, é que esse número cresceu significativamente nas eleições. Para conseguir conquistar os votos dos eleitores que querem se abster, é necessário rever a estratégia eleitoral. “Ela deve mudar para convencer as pessoas, porque acaba que todos os candidatos podem sofrer consequências. As eleições do Tocantins foram bem significativas nesse sentido”, afirmou Marilda.

As pesquisas recentes indicam que o número de abstenções deve crescer ainda mais este ano, em relação às últimas eleições gerais, em 2014. O último Datafolha indica que um em cada quatro brasileiros já admite que votará nulo ou em branco (23%). Em janeiro, o índice era de apenas 8%. Outra pesquisa que também indicou um resultado parecido foi a feita pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), em maio deste ano, que indicava 20,4% de eleitores que admitiam votar nulo ou em branco. Nessa pesquisa, esse era o segundo índice mais alto, perdendo apenas para os indecisos, com 39,7%. Nos cenários simulados, que estimulam o voto, os nulos e abstenções chegam a 30,5% no primeiro turno. Questionados sobre um possível segundo turno, há casos em que esse número pode chegar a mais da metade dos eleitores, com 52,8%.

Para o professor Daniel Falcão, ainda há muito para ocorrer até as eleições de outubro deste ano, e ainda é possível isolar um aumento nas abstenções, nulos e brancos. “Está muito cedo para isso. A propaganda eleitoral só começa dia 16 de agosto, então ainda é cedo. Não acho que vá haver um aumento dos votos não válidos. Claro em que eleições proporcionais isso realmente pode acontecer, mas não vejo como isso pode acontecer para as presidenciais”, comentou o professor. “Mas, se uma pesquisa no final de agosto, começo de setembro, apontar isso, podemos ficar preocupados. Por enquanto, acho cedo. As pessoas estão revoltadas com os políticos, e isso é natural devido aos últimos acontecimentos”, avaliou.

O consultor de comunicação, marketing digital e gestão de crise, Marcelo Vitorino, acredita que não há uma “fórmula mágica” para superar esse problema, já que o eleitor está desacreditado. Apesar de Vitorino considerar que o caso de Tocantins seja diferente, já que houve uma ruptura de um mandato por causa da Justiça, é possível que haja um grande volume também de abstenções nas eleições de outubro, mas isso não deve ser tão diferente de 2014. “Nas eleições passadas, ficamos perto dos 30% de votos não-válidos. Este ano, podemos ter algo parecido. Pode chegar até 38%”, afirmou. Isso acontece porque, para ele, este ano há um leque maior de escolhas. “Já aconteceu outras vezes, por exemplo, no caso da Marina Silva. Pessoas que não queriam o Serra nem a Dilma, votavam nela. Depois, foi o mesmo com o Aécio. Você não tinha opção, e hoje você tem”, avaliou.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________

O caso Lula

Luiz Carlos Azedo

26/06/2018

 

 

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou ontem com agravo para que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) reconsidere a decisão que rejeitou o recurso extraordinário destinado ao Supremo Tribunal Federal contra a condenação do petista a 12 anos e um mês de prisão no caso do triplex do Guarujá. A vice-presidente do tribunal, desembargadora federal Maria de Fátima Freitas Laberrère, na sexta-feira, havia rejeitado os argumentos da defesa.

Condenado em janeiro pelo TRF-4 por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Lula está encarcerado na Superintendência de Polícia Federal em Curitiba. Os desembargadores consideraram o ex-presidente culpado no caso do triplex do Guarujá, investigado pela Operação Lava-Jato. Com base na Lei da Ficha Limpa, Lula está fora disputa eleitoral de 2018, na qual ainda desponta como político de maior prestígio popular, segundo as pesquisas.

A defesa de Lula argumenta que houve cerceamento da defesa e desrespeito a direitos constitucionais no processo que o levou à condenação pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, e pelo próprio TRF-4, que aumentou sua pena de nove para 12 anos. Os advogados apostam no ambiente de divisão no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à Lava-Jato e à jurisprudência da própria corte sobre a execução de penas de prisão após a condenação em segunda instância.

Recentemente, o ministro Marco Aurélio Mello chegou a declarar que a prisão de Lula é ilegal. Não foi uma declaração impensada. A jurisprudência sobre a execução de pena de prisão após condenação em segunda instância, caso de Lula, embora recentemente tenha sido reafirmada duas vezes pela corte, quanto ao mérito, conta hoje com apoio de apenas cinco dos seus 11 ministros.

Somente não foi derrubada porque a ministra Rosa Weber considera a mudança de jurisprudência, neste momento, casuística e geradora de insegurança jurídica, ainda mais às vésperas das eleições. Doutrinariamente, porém, a ministra defende a execução das penas somente após o “transitado em julgado”, ou seja, depois de esgotados os recursos às instâncias superiores de Judiciário. O caso Lula exacerba as divergências na corte porque serve de divisor de águas em relação à Lava-Jato.

Lula seria julgado hoje na Segunda Turma do STF, mas o ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, mandou arquivar o pedido de liberdade do ex-presidente, depois que a vice-presidente do TRF-4 negou o recurso de Lula ao STF e aceitou a remessa para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). A defesa de Lula apela para que o ex-presidente aguarde em liberdade, enquanto os recursos são julgados nas instâncias superiores. De quebra, pede a suspensão da inelegibilidade de Lula.

Instabilidade

De certa forma, o epicentro da crise ético-política do país está se deslocando para o STF. As divergências entre os ministros e a falta de solidariedade entre eles fragilizam as decisões de maioria da corte, que são contestadas “desde dentro”. O atraso no julgamento pelo Supremo dos políticos denunciados pela Operação Lava-Jato, que somente agora começam a ocorrer, exacerba as tensões entre ministros e amplia as pressões dos políticos. Armou-se uma ampla coalizão política contra a operação.O ex-presidente Lula não aceita a condenação que lhe foi imposta nem a inelegibilidade. Manteve a candidatura ao Planalto e mobiliza a solidariedade de correligionários e aliados. Recebe também o apoio tácito, nos bastidores do Supremo, de antigos adversários que agora estão enrolados na Lava-Jato.

O velho efeito Orloff – “eu sou você amanhã” – funciona a favor de Lula, pois sua prisão sinaliza para outros envolvidos que ninguém está livre do mesmo destino, ainda mais se as acusações são mais robustas do que as do caso do triplex de Guarujá. É uma situação contraditória: velhos adversários querem Lula fora da eleição, mas não encarcerado, porque podem passar pela mesma situação.

Um complicador a mais é o fato de que a dinâmica da política, que agora está sendo ditada pelo calendário eleitoral, não coincide com o “tempo jurídico” dos prazos processuais e das prerrogativas da magistratura, o que aumenta a indefinição em relação ao futuro de Lula. Há que se considerar também as próximas mudanças de comando nos tribunais, como a assunção da ministra Rosa Weber à presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do ministro Dias Toffolli ao comando do Supremo Tribunal Federal (STF), substituindo Luiz Fux e Cármem Lúcia, respectivamente, em pleno processo eleitoral. A primeira conduzirá a decisão quanto à inelegibilidade de Lula; o segundo, decidirá se rediscute ou não, antes das eleições, a execução  da pena de prisão após condenação em segunda instância.