O Estado de São Paulo, n. 45407, 11/02/2018. Política, p. A4

 

Com auxílios, juízes deixam de pagar R$360MI de IR

Daniel Bramatti, Cecília do Lago e Marianna Holanda

11/02/2018

 

 

Benefícios. Valor representa renúncia fiscal anual; se “penduricalhos” fossem tributados como os salários, cada magistrado teria de repassar, em média, 19% a mais para a Receita

Um conjunto de 18 mil juízes brasileiros, de 81 tribunais federais e estaduais, deixa de pagar cerca de R$ 30 milhões por mês de Imposto de Renda graças à isenção tributária de benefícios como auxílio-moradia, auxílio-alimentação e auxílio-saúde. Se os chamados penduricalhos fossem tributados da mesma forma que os salários, cada juiz teria de repassar, em média, 19% a mais para a Receita Federal.

Como a grande maioria dos auxílios concedidos pelo Poder Judiciário tem valor fixo e pagamento mensal, é possível projetar que essa espécie de renúncia fiscal alcance R$ 360 milhões por ano – aproximadamente R$ 20 mil por juiz, em média.

Nas últimas semanas, líderes da categoria e juízes de grande expressão pública – entre eles Sérgio Moro, titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba e responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância – procuraram justificar o recebimento generalizado de auxílio-moradia, mesmo entre os proprietários de imóveis, como uma forma de complementação salarial.

Se os benefícios são vistos como salários, não deveria haver tratamento tributário diferenciado, argumentam críticos de privilégios no Judiciário. “Então tem que incluir no teto e pagar imposto de renda. Será que um dia a lei será igual para todos neste país?”, escreveu a economista Elena Landau, em postagem no Twitter, ao reagir à afirmação de Moro de que o auxílio-moradia compensa a falta de reajuste salarial no Judiciário desde 2015.

Para estimar o “bônus tributário” dos juízes, o Estadão Dados analisou as folhas de pagamentos, relativas aos meses de novembro e dezembro, de todos os tribunais federais e estaduais que enviaram dados salariais ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ficaram de fora do levantamento apenas os juízes que não receberam auxílios ou que, por serem aposentados, não têm desconto de imposto de renda na fonte.

Foram calculados o valor tributável de cada contracheque e o impacto que haveria em cada um deles caso o imposto incidisse também sobre os penduricalhos. Em novembro, essa diferença foi de R$ 29,8 milhões. Em dezembro, mês de pagamento do 13.º salário, chegou a R$ 30,3 milhões.

Detalhamento. Nos contracheques dos juízes, os rendimentos incluem, além dos salários, outros itens agrupados em três campos: “direitos pessoais”, “direitos eventuais” e “indenizações”. Na média da folha de novembro, os salários corresponderam a 60% do total de rendimentos; os demais itens, a 40%.

O auxílio-moradia é enquadrado legalmente como indenização e, como tal, não é sujeito a cobrança de imposto. Estão na mesma categoria o auxílio-alimentação, o auxílio-saúde, o auxílio-natalidade e “ajudas de custo” diversas.

Também por ter caráter “indenizatório”, e não remuneratório, o auxílio-moradia não é levado em consideração no cálculo do teto do salário dos juízes. Assim, a maioria ultrapassa o limite de remuneração, que atualmente é de R$ 33,7 mil por mês.

Há diversas ações judiciais que contestam o caráter indenizatório do auxílio-moradia. Desde 2015, graças a uma decisão liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, o benefício é pago de forma generalizada, e não apenas aos juízes que são obrigados a trabalhar em local diverso de sua residência tradicional. O valor chega a R$ 4.378 por mês.

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira, não há ilegalidade na concessão generalizada do benefício (mais informações nesta página). “O Supremo vai decidir se a natureza da verba é indenizatória ou remuneratória”, observou. “Se for remuneratória, deve incidir Imposto de Renda. Mas aí se coloca um outro problema: as verbas indenizatórias, como o auxílio-moradia, são dadas apenas para juízes na atividade. Aposentados não recebem, porque não trabalham e, portanto, não teriam que ter residência oficial. Se (o STF) entender que o caráter da verba é remuneratório, o efeito pode estender isso a todos os aposentados também.”

Para o professor de Direito Tributário da USP Luiz Eduardo Schoueri, o auxílio-moradia tem caráter de verba indenizatória, por exemplo, quando um soldado do Exército é deslocado para a fronteira a trabalho. No caso do Judiciário, é diferente. “É um salário indireto. Se não tem caráter de reparação, é renda.”

“A lei trata como indenização o que a pessoa recebe em virtude de uma perda a ser reparada”, disse Heleno Torres, colega de departamento de Schoueri. “É preciso compreender o limite do conceito de indenização. O que não tem natureza obrigatória deve ser oferecida sempre à tributação.”

 

AUXÍLIOS E O LEÃO

"Penduricalhos" como o auxílio-moradia incrementam os rendimentos dos juízes, mas são isentos de Imposto de Renda. Veja o quanto seria arrecadado a mais em cada tribunal se a tributação fosse a mesma dos salários*

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‘Durmo toda noite com uma dívida de R$ 1 milhão' - Wilson Ferreira, presidente da Eletrobrás

Jayme Oliveira

11/02/2018

 

 

Presidente da Eletrobrás, Wilson Ferreira, diz que tem pressa em vender a empresa para sanear finanças e colocá-la de volta ao jogo

A Eletrobrás conseguiu aprovar a venda das distribuidoras de energia elétrica deficitárias que eram consideradas um entrave para a sua privatização. Agora, o ritmo que já era acelerado deve ficar ainda mais corrido para garantir a oferta de ações da Eletrobrás no segundo semestre deste ano. O objetivo, disse o presidente da estatal, Wilson Ferreira, ao Estadão/Broadcast, é sanear as finanças da empresa e colocá-la de novo no jogo do setor elétrico, onde passou a ser minoritária nos últimos anos por falta de recursos para investir: “A pressa é um capricho que a gente tem de ter”, afirma Ferreira, que quer que a Eletrobrás volte a ser majoritária nos seus investimentos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

Uma das críticas à privatização da Eletrobrás tem sido o curto espaço de tempo para fazer a venda. O sr. não teme que a pressa impeça o governo de conseguir um resultado melhor?

Eu costumo dizer que uma dívida de R$ 4 bilhões aqui na Eletrobrás custa mais ou menos R$ 400 milhões de juros por ano. Quando você for dormir hoje à noite pense assim: olha, a Eletrobrás que o Wilson está dirigindo, só hoje, já pagou R$ 1 milhão só por um pedacinho da dívida, e quando acordar amanhã ele vai pagar mais R$ 1 milhão, e no carnaval vai pagar R$ 6 milhões. A pressa é um capricho que a gente tem de ter.

 

A Eletrobrás será obrigada a incorporar R$ 19,7 bilhões em dívidas das seis distribuidoras que pretende vender em abril, quando esperava ficar com R$ 11 bilhões. Já que a dívida ficará com a Eletrobrás, por que vender tão barato, por R$ 50 mil cada?

Elas continuam com dívidas, não vamos assumir todas. Cada uma delas continua com dívidas. Uma parte dessa dívida que está na empresa é com a própria Eletrobrás. A gente vai ter a opção de ficar com até 30% no capital da nova distribuidora, até seis meses depois da venda. Quando falamos em R$ 11 bilhões, não sabíamos que conseguiríamos o crédito de R$ 8,5 bilhões (referente à participação nas distribuidoras, que compensará as dívidas das subsidiárias com os fundos setoriais), não tínhamos uma visão clara se íamos conseguir esse crédito.

 

E a Eletrobrás pensa em voltar a participar do controle dessas empresas que serão vendidas?

Tendo sabido quem é o comprador, qual o plano de negócios desse comprador, então parte da dívida pode ser convertida em capital em até 30% da empresa. Temos um caso que é um bom exemplo para isso. A Companhia Elétrica do Maranhão(Cemar) foi vendida por R$ 1 (um real) e a Eletrobrás converteu a dívida que tinha com a empresa e ficou com 32% da Cemar. A Equatorial passou a operar a Cemar e hoje a companhia é o melhor negócio que a Eletrobrás já fez em termos de aplicação de recursos, porque a empresa é bem gerida, eficiente, aumentou fortemente de valor. Para cada uma das distribuidoras que serão vendidas, vamos ter a mesma opção.

 

Outro entrave para a privatização da Eletrobrás, segundo especialistas, seria uma dívida alta que a empresa tem com a Petrobrás relativa à compra de combustível pelas distribuidoras do norte do País. Vocês vão pagar essa dívida antes da oferta de ações?

A disposição da Eletrobrás é fazer o mais rápido possível. Uma parte da dívida, algo na casa de R$ 11 bilhões, já está negociada e vem sendo paga religiosamente. Foi financiada em 120 meses e coloquei todo o pagamento em dia, eu não deixo inadimplir, e não há o que falar sobre essa questão. A dívida que eu tenho para negociar com o Pedro (Parente, presidente da Petrobrás) é algo em torno de R$ 6 bilhões, já mandei uma proposta pra ele. A Petrobrás ia ter de negociar com as distribuidoras e agora vai ser com a Eletrobrás, vai ficar com um devedor só. Fica mais fácil, considerando os nossos recebíveis, nossos ativos, fazer uma negociação. Será mais fácil.

 

E como ficou a questão do Rio São Francisco, que era outro impasse para a venda da empresa?

O Rio São Francisco é o segundo maior rio brasileiro e temos oito hidrelétricas lá, mas nos últimos 20 anos o rio reduziu muito. No projeto de lei da privatização ficou combinado que vamos pagar R$ 350 milhões por ano pelos próximos 15 anos para revitalizar o rio São Francisco e mais R$ 250 milhões nos 15 anos restantes. São R$ 9 bilhões ao todo em 30 anos.

 

Vai ter investidor para tantos ativos do setor elétrico?

Está favorável porque o juro caiu, a inflação caiu, a perspectiva de crescimento é boa, é um ambiente bom para investimentos. A gente não coloca claramente o quanto o Brasil melhorou. O Brasil está sendo visto muito bem na área de energia lá fora. É a combinação do aperfeiçoamento do marco regulatório com a melhora da economia.

 

Mas em um ano de eleições, não pode haver instabilidade e afugentar os investidores?

Os exemplos que a gente tem hoje são do interesse que se tem pela privatização das nossas distribuidoras e pela venda das SPEs. O que posso dizer é que há interesse para ambas. Tem data room (espaço virtual com informações sobre as distribuidoras) aberto e já foram até fazer diligência. Para a Eletrobrás, não vejo também problemas, nosso capital é em reais e, pela minha experiência, o que mais oscila nas eleições é o câmbio. O que pode acontecer é ficar mais barato para o investidor por causa de câmbio.

 

Rio São Francisco

“No projeto de lei da privatização ficou combinado que vamos pagar R$ 350 milhões por ano pelos próximos  15 anos para revitalizar o ri« e mais R$ 250 milhões nos 15 anos restantes. São  R$ 9 bilhões ao todo  em 30 anos”

Wilson Ferreira​, PRESIDENTE DA ELETROBRÁS