O globo, n. 30926, 09/04/2018. País, p. 3

 

Um dia depois da prisão: PT racha sobre próximos passos

Sérgio Roxo

09/04/2018

 

 

Na ausência de Lula, líderes divergem sobre quais estratégias jurídicas e políticas o partido deve seguir

-SÃO PAULO- A prisão do ex-presidente Lula expôs as divisões internas do PT sobre as estratégias que o partido deve adotar a partir de agora com relação ao Judiciário e às eleições de outubro. Nos últimos anos, o ex-presidente se consolidou como única liderança capaz de mediar as diferenças de posições entre as correntes internas e, assim, sempre manteve a legenda unida. Agora, alas que discordam terão que decidir, sem um árbitro, quais serão as suas diretrizes nos próximos meses.

O primeiro tema que terá que ser resolvido é o tom a ser adotado em relação ao Supremo Tribunal Federal. Uma ala, que tem como expoentes a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), e o senador Lindbergh Farias (RJ), é favorável a elevar os ataques para que sejam colocadas em julgamento as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre o cumprimento de pena dos réus condenados em segunda instância. Se o entendimento de 2016 for revisto em algum momento pelo Supremo, Lula poderia ser solto.

Outro grupo, em que estão parlamentares como o senador Jorge Vianna (AC) e o deputado Vicente Cândido (SP), aponta que a postura de ataques à Corte trará ainda mais prejuízos para Lula. Ministros do STF têm afirmado que julgam casos conforme o seu entendimento e que não serão influenciados por manifestações políticas.

 

PLANO B EM DEBATE

Ao discursar no acampamento montado pelos Movimento dos Sem Terra (MST) ao lado do prédio da PF, onde Lula está preso, ontem, Gleisi deu mostras da sua posição ao se dirigir à ministra Rosa Weber. Em 2016, Rosa foi voto vencido ao se posicionar a favor de esperar o fim dos recursos para iniciar o cumprimento da pena, mas desde então tem seguido o entendimento da maioria do Supremo e votado a favor da prisão após a decisão da segunda instância. No julgamento do habeas corpus de Lula, quarta-feira, ela negou o pedido do ex-presidente:

— Espero que o STF cumpra o seu papel, a ministra Rosa Weber cumpra com a palavra e o STF bote pra votar a questão da decisão da condenação em segunda instância — disse a senadora. A esperança do PT é que, na análise do caso teórico, o Supremo reveja sua posição, com um voto de Rosa, e Lula possa ser solto. A ministra, no entanto, já deu mostras de estar incomodada com a mudança constante de posição da Corte, o que causaria insegurança jurídica e prejudicaria a imagem da Justiça. Seu voto, em um eventual reexame da questão no STF, é tido como incerto.

A questão de como o PT se portará na eleição presidencial também gera discordância. O governador da Bahia, Rui Costa, e o presidente do PT do Rio, Washington Quaquá, já defenderam que o partido discuta um substituto para Lula. Gleisi, porém, mantém o discurso de que o candidato será o ex-presidente, mesmo preso em Curitiba.

Desde que deixou a Presidência da República, em 2011, Lula exerce uma influência direta nas discussões internas do PT. Essa participação aumentou ainda mais, a partir da metade do ano passado, quando Gleisi assumiu a presidência do partido.

A ideia do próprio Lula é manter interlocução com lideranças do partido durante as visitas na cadeia. Há dúvidas, porém, sobre como e a partir de quando as visitas serão permitidas. Um dos nomes escalados para fazer essa interlocução com o mundo político é o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que pretende ir a Curitiba uma vez por semana.

Haddad se consolidou nos últimos dias como plano B do PT para a disputa presidencial deste ano, apesar de ainda enfrentar resistência em setores do partido. O ex-prefeito foi um dos aliados mais presentes ao lado de Lula nos dois dias em que o ex-presidente se entrincheirou no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Já o ex-ministro Jaques Wagner, que também era cotado para substituir Lula, submergiu desde que foi alvo, no final de fevereiro, de uma operação da Polícia Federal sobre irregularidades nas obras do Estádio da Fonte Nova. Wagner fez uma visita rápida e discreta a Lula no sindicato e não chegou nem a subir no carro de som onde o líder petista fez o seu último discurso antes de se entregar à Polícia Federal. O ex-governador da Bahia deve disputar o Senado este ano.

Haddad esteve no Sindicato dos Metalúrgicos ao lado de seu padrinho político, mas foi tratado de uma forma mais discreta do que os dois pré-candidatos a presidente presentes: Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela d´Ávila (PCdoB), que foram muito elogiados pelo líder petista:

— Aquilo foi um gesto de agradecimento ao fato de dois candidatos terem ido lá prestar solidariedade. Não tinham obrigação nenhuma de ir. O Boulos ainda foi muito importante na mobilização do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) nos últimos dias. Nada mais do que isso — afirmou um dirigente petista.

A fala do ex-presidente também tinha o objetivo de tentar plantar sementes para uma união do PT com os dois partidos de esquerda. Mesmo que a chance de aliança no primeiro turno seja remota, fica aberta a porta para um acordo no segundo turno e também para uma aliança em torno de sua defesa diante dos processos da Lava-Jato.

De acordo com aliados, Lula também avaliou que qualquer fala mais entusiasmada em favor de Haddad ganharia as manchetes como uma indicação de passagem de bastão, o que não era considerado estratégico pelo ex-presidente no momento.

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A ‘vigília’ de CUT e MST

Vinicius Sgarbe

09/04/2018

 

 

EM CURITIBA Militantes chegam a bordo de 20 ônibus e prometem deixar o local apenas se Lula for solto

Asim que o ex-presidente Lula se entregou à Polícia Federal, em São Paulo, no início da noite de anteontem, militantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Movimento dos Sem-Terra (MST) começaram a montar acampamento a uma quadra de distância da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde o petista está preso.

No fim da manhã de ontem já havia cerca de 50 barracas e uma estrutura montada: cozinha, de onde saiu a macarronada do almoço, e uma caixa d’água improvisada na calçada e abastecida por um caminhão-pipa. Ao longo do dia, segundo lideranças dos movimentos, cerca de 2 mil pessoas passaram pelo acampamento. Assistiram a um show da cantora Ana Cañas e a um discurso da presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

De acordo com o MST, a militância chegou a bordo de 20 ônibus que saíram do interior do Paraná e de São Paulo e desembarcaram em Curitiba no decorrer da tarde — outros 20 eram aguardados durante a madrugada de hoje. De acordo com Roberto Baggio, coordenador do movimento no Paraná, a ideia é fazer uma vigília permanente ao lado da sede da Polícia Federal até que Lula possa sair da cadeia.

— Haverá manifestações todos os dias até quarta-feira para pressionar o Judiciário a conceder liberdade a Lula — disse o sem-terra, fazendo referência ao julgamento de liminar no Supremo Tribunal Federal (STF), que pode dar novo entendimento ao cumprimento de pena após condenação em segunda instância.

A organização do grupo em Curitiba se assemelha à dos acampamentos de sem-terra. Os militantes se dividem no cumprimento de tarefas. Entre 6h e 7h de ontem, houve distribuição de café e pães para os acampados. Às 10h30m, já começava a preparação do almoço. Mais tarde, outro grupo ficou responsável pela “animação mística”, ou seja, por colocar músicas para a militância ouvir e organizar preces.

A presidente da CUT do Paraná, Regina Cruz, diz que ficou sem dormir desde as 8h de sábado até a tarde de domingo e que estava pronta para ficar acordada por mais dois dias. Nem todos os acampados, no entanto, são filiados a movimentos sociais. A produtora cultural Nina Sabrina de Souza e o artista plástico Vinicius Ferreira, por exemplo, saíram de Joinville (SC) ainda na noite de sábado. Passaram a madrugada deitados sobre uma lona, sem coberta, com termômetros marcando perto de 15 graus. Pela manhã, acabaram ganhando um cobertor de um desconhecido.

— Chegamos no fim da noite e conseguimos uma cobertinha que a galera compartilhou — disse Nina.

O professor de filosofia Avanir Masty saiu de Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba, acompanhado da esposa, também professora, e da filha adolescente:

— Foi Lula quem garantiu um valor valor mínimo de salário e um reajuste anual aos professores. Achei que deveria vir aqui.