O globo, n. 30931, 14/04/2018. País, p. 3

 

Bloqueio de fronteira

Patrik Camporez, Marcelo Marques e André de Souza

14/04/2018

 

 

Governadora Suely Campos vai ao STF para tentar proibir a entrada de imigrantes

Pressionada pela população a resolver a situação de caos social instalada desde 2015, com o fluxo constante de refugiados venezuelanos para o estado, a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), ingressou com ação civil no STF pedindo o fechamento da fronteira do Brasil com a Venezuela. De Lima, o presidente Temer disse que medida é “incogitável”. Pressionada pela população local para resolver o caos social provocado pela migração em massa de venezuelanos, a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), que é candidata à reeleição, apresentou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido para que o trecho da fronteira do Brasil com a Venezuela no estado fosse fechado temporariamente9. A medida foi classificada pela governadora como um “último pedido de socorro” para a crise migratória que se arrasta desde 2015.

Considerado um pedido incomum na jurisprudência do Supremo, o pleito de Suely foi distribuído para a ministra Rosa Weber. A governadora pede ainda recursos adicionais para suprir os custos da imigração de venezuelanos, especialmente de saúde e educação. O atendimento nas unidades de saúde do estado aumentou 3.000% desde o início da crise migratória, o que ampliou a pressão sobre a gestão da governadora.

Segundo a própria Suely Campos, 50 mil venezuelanos moram no estado e já representam mais de 10% da população da capital Boa Vista, que hoje é de 330 mil pessoas. A Polícia Federal calcula que cerca de 800 imigrantes cruzam diariamente a fronteira entre o Brasil e a Venezuela, em busca de melhores condições de vida.

O governo de Roraima associa a chegada em massa de venezuelanos ao aumento da violência e a problemas de saúde pública no estado, como o reaparecimento do sarampo, com 59 casos registrados, e tuberculose. A ação movida no STF ressalta que o descontrole das fronteiras tem permitido “a prática de inúmeros crimes internacionais de tráfico de drogas e armas, inclusive com a participação de membros de facções criminosas conhecidas pelo estado brasileiro”. Segundo o governo de Roraima, criminosos venezuelanos passaram a estabelecer relações com facções brasileiras.

No texto da ação levada ao STF, Suely Campos também faz duras críticas ao governo do presidente Michel Temer, que, nas palavras da governadora, “indevidamente não exerce de maneira efetiva suas competências constitucionais”, gerando “ônus insuportável” a Roraima.

Juliano Zaiden Benvindo, professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília (UnB), não poupou críticas ao pedido do governo de Roraima. “Estranho e surreal” foram alguns adjetivos usados. Ele, porém, acredita que o STF não vai se intrometer no assunto, porque seria uma interferência indevida numa atribuição do Poder Executivo.

— É muito estranho. Questão de fronteira e de controle de migração é comrais petência do Executivo. Acho que o Supremo entrar nessa seara é bizarríssimo. Eu acho que o Supremo vai negar esse pedido. Para mim não tem cabimento imediato o Supremo interferir. Isso envolve política pública, análise de dados fáticos. Isso é competência do Executivo — avaliou Juliano Zaiden.

Em nome dos imigrantes venezuelanos, a Defensoria Pública da União (DPU) pediu para participar do processo no STF. O órgão diz que, entre outras funções, é responsável pela defesa dos interesses de grupos sociais vulneráveis que mereçam a especial proteção do Estado. “Há indisfarçável pretensão de impedir o afluxo de venezuelanos ao território roraimense”, diz trecho do documento da DPU.

 

PEDIDO DE SOCORRO A TEMER

Em entrevista ao GLOBO ontem, a governadora revelou ter apelado por socorro diretamente ao presidente Michel Temer, por videoconferência, e em audiências no Palácio do Planalto e da Alvorada. No dia 12 de fevereiro, durante o Carnaval, o presidente esteve em Roraima, onde verificou o problema pessoalmente e anunciou uma série de medidas, inclusive o efetivo controle da fronteira, que, segundo a governadora, “não ocorreu até a presente data”.

Suely Campos disse ter tentado, por diversas vezes, tratar do tema com as autoridades federais. Ela lembrou que, embora seu governo já tivesse decretado emergência social em dezembro, apenas em fevereiro deste ano foi editada a Medida Provisória 820/2018, que versa sobre assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório.

Ao editar a MP, a União reservou R$ 190 milhões para ações de órgãos fedevoltadas ao enfrentamento da crise humanitária ao longo de 12 meses. O governo não informa quanto já foi utilizado. Além deste montante, o Planalto remeteu a Roraima apenas R$ 480 mil. O repasse ocorreu em 2017, no início da crise na fronteira, para comprar alimentos e gás para um dos abrigos.

— Nada de efetivo foi implementado até o momento, a não ser a transferência de apenas 266 venezuelanos para os estados de São Paulo e Mato Grosso, o que representa um fator ínfimo, considerando os mais de 50 mil que, muitos deles, perambulam pelas praças da capital Boa Vista — afirmou Suely.

Em meados de fevereiro de 2018, O GLOBO esteve por uma semana na região. Encontrou centenas de imigrantes percorrendo a pé um trecho de mais de 200 quilômetros, conhecido como rota da fome, que vai da fronteira até a capital do estado. Em Boa Vista, mais de 700 pessoas viviam num acampamento improvisado na praça principal, debaixo de lonas plásticas e pedaços de papelão.

Outros 2 mil venezuelanos viviam em abrigos insalubres, amontoados em barracos de lona e se alimentando com comida preparada em fogareiros improvisados no chão de terra. Por dia, 180 crianças com idade entre zero e 14 anos atravessavam a fronteira, número que representava 15% dos refugiados, segundo a Polícia Federal. Somam-se a elas os bebês filhos dos imigrantes que nascem em território brasileiro. Dados da Secretaria estadual de Saúde de Roraima mostram que, a cada quatro horas, nasce um bebê filho de pais venezuelanos na capital Boa Vista.