O globo, n. 30918, 01/04/2018. País, p. 6

 

Compra de curtidas, um experimento

Marco Grillo, Gabriel Cariello e Thiago Prado

01/04/2018

 

 

Reportagem do GLOBO criou postagem e adquiriu pacote de 2 mil ‘likes’ de uma empresa virtual

 

Uma operação simples, que pode ser feita com cartão de crédito, é o suficiente para transformar uma publicação ou perfil irrelevantes em sucesso na internet. No inflado mercado das redes sociais, dinheiro vale curtidas e seguidores.

Mais repercussão pode resultar em retorno financeiro ainda maior para quem compra — ou apenas um alcance amplo de uma ideia, a depender do objetivo. Nesse ciclo, as falsas aparências tornam-se histórias verdadeiras para milhões de pessoas impactadas.

Nas últimas semanas, O GLOBO pesquisou dezenas de sites brasileiros e estrangeiros que oferecem vários tipos de serviço: venda de seguidores no Twitter ou Instagram, visualizações de vídeos no YouTube, curtidas em páginas ou publicações no Facebook e até comentários em postagens. Por trás da operação, estão estruturas conhecidas como farms — fazendas, em inglês, referência à criação e cultivo de milhões de perfis falsos.

“Por que você está aqui? Já sei. Você busca ter sucesso nas redes sociais. Não perca tempo e se torne uma celebridade digital”, diz o vídeo promocional de uma das empresas.

Na quarta-feira, O GLOBO testou o funcionamento de um desses sites e criou perfis no Twitter e no Facebook — os dois endereços foram usados apenas na apuração. Por R$ 109,90, um pacote que dá direito a 2 mil curtidas em um post no Facebook foi comprado. Essa postagem foi feita dentro de uma página também criada especialmente para a reportagem. Com mais R$ 239,90, foi possível “investir” num lote de 10 mil seguidores no Twitter. Para preservar o experimento, tanto o perfil quanto a página publicaram apenas uma mensagem — “Vote em José Silva 2018” — e não fizeram atividade que pudesse atrair interesse orgânico. Os perfis e a página foram apagados ontem.

Até as 18h de sexta-feira, fim do prazo estipulado pela empresa para a entrega do falso volume de engajamento, a publicação no Facebook alcançou 256 curtidas — um número alto para a insignificância do conteúdo, mas pouco acima de 10% do que foi prometido. No Twitter, nenhum dos dez mil seguidores foi entregue. A diferença entre promessa e realidade expõe outro fator do mercado do falso engajamento: a quem recorrer quando o serviço adquirido opera na fronteira entre o antiético e o ilegal?

— Esse mercado de venda de robôs (perfis falsos e com publicação automatizada) e cliques existe na internet antes mesmo das redes sociais. Muitas empresas querem passar a impressão de que o produto é um sucesso, que usuários reais estão compartilhando aquilo ali. Até políticos. As pessoas pensam: “Se esse político tem muitos seguidores nas redes sociais, tem muita gente apoiando”. Uma empresa pode atrair um cliente, um potencial parceiro. Se parte da importância das redes vêm das métricas, há uma demanda por esse mercado de manipulação dos números — aponta o professor de Ciência da Computação Fabrício Benevenuto, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

As contas que curtiram a publicação no Facebook tinham características diversas. Algumas pareciam pertencer a pessoas reais, com postagens sobre assuntos variados e fotos com amigos e familiares. Outras claramente eram falsas: sem foto de perfil, amigos e nomes como “Habbig Htl”, “Henr Mathias”. A maior parte parecia pertencer a crianças e adolescentes, indicando que, em algum momento, podem ter autorizado de forma involuntária o uso automático do perfil para esse tipo de serviço. Foram enviadas mensagens para perfis escolhidos aleatoriamente, mas não houve respostas.

ATÉ PERFIS PRONTOS ESTÃO À VENDA

Em outro ramo do mercado, também é possível comprar no Instagram perfis já prontos e com muitos seguidores. Depois, basta trocar o nome e a foto para construir uma conta que já surge com uma base ampla. A reportagem identificou um perfil com 57 mil seguidores à venda por R$ 500 — havia também um anúncio no Mercado Livre, em outro exemplo da busca por influência nas redes a qualquer custo.

— Em 2013, fizemos um robô no Twitter ficar mais influente que a Oprah Winfrey. Na época, escrevi artigo falando quanto isso poderia ser usado em eleições, sobre como uma falsa importância poderia ser criada. A influência era medida por retuítes e número de pessoas que seguem de volta. O robô seguia e deixava de seguir pessoas, dormia oito horas, comentava nas postagens de outras pessoas. Simulava comportamento humano. Publicamos artigo expondo esse escândalo. O objetivo era de mostrar que esse ambiente é fácil de manipular. Alguns anos depois estou vendo empresas serem especializadas em manipular métricas — acrescenta Benevenuto.