O globo, n. 30911, 25/03/2018. País, p. 12

 

O desafio é transformar desejo de mudança em votos

Dimitrius Dantas e Tiago Aguiar

25/03/2018

 

 

Movimentos que surgiram com a crise de representação vão lançar 300 candidatos em outubro

 

Se as eleições presidenciais caminham para um cenário com nomes já conhecidos do eleitor, a disputa pelo Legislativo deve trazer uma conjuntura inédita. Movimentos nascidos durante a crise política que atinge o país desde 2014 devem lançar cerca de 300 candidatos no pleito, com um objetivo tão ambicioso quanto distante: com menos dinheiro e menos propaganda, almejam afirmar caras novas na política brasileira.

Ao contrário de eleições passadas, desta vez os grupos acreditam que estão preparados para transformar o desejo de renovação da população em voto nas urnas. Seja por meio de cursos, formulação de agendas ou até gastando a sola do sapato, dez deles estão confiantes em superar os obstáculos impostos pela legislação eleitoral e pela disputa com profissionais.

CANSAÇO DA POLÍTICA

A onda de renovação cresceu no mesmo ritmo da crise. Assim como os escândalos de corrupção, os grupos que pretendem mudar a política se multiplicaram: Agora!, RenovaBR e Acredito, entre outros. Eles se apoiam na sensação de que o brasileiro está cansado da política tradicional e busca renovação, referendados por pesquisas como a realizada pelo Ideia Big Data, em parceria com o Instituto Locomotiva, em fevereiro deste ano: 96% dos eleitores disseram não se sentir representados pelos políticos, e 93% dizem que é preciso formar novas lideranças para mudar o país.

Os grupos vão da esquerda à direita. Alguns conversam entre si, por meio de uma espécie de coalizão batizada de Nova Democracia. Marcelo Calero, ex-ministro da Cultura, que deixou o cargo após denunciar o então também ministro Geddel Vieira Lima, participa de três: do RenovaBR, do Agora! e também do Livres, conforme anunciou na última sexta-feira. Cada um deles tem um objetivo diferente.

Para o cientista político Fernando Schüler, do Insper, os movimentos devem causar um impacto nas eleições de outubro, ancorados na simpatia da população. Mas também devem sofrer para superar todas as vantagens dadas aos grandes partidos, como o fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão, dividido entre as legendas. Beatriz Pedreira, cientista social e pesquisadora de inovação política do Instituto Update, admite que o que deve continuar valendo é a lógica de que, nas eleições, quanto mais dinheiro, mais votos.

— E quem tem dinheiro são os grandes partidos. O teste vai ser descobrir o quanto esse discurso da renovação vai colar no eleitor, porque por enquanto está em uma bolha — disse.

Em 2016, Pedro Markun, da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), tentou uma das cadeiras da Câmara Municipal de São Paulo. Bateu o pé para fazer uma campanha que não dependesse de dinheiro. Não foi eleito.

— Foi um erro crasso. Enquanto tivermos vergonha de falar que fazer política custa dinheiro, teremos problema — afirma.

As estratégias dos grupos para driblar as dificuldades variam: o Acredito aposta em campanhas coletivas, como usar a mesma estrutura para todos os seus candidatos, a fim de diminuir os custos. A Frente pela Renovação, ligada ao movimento Vem pra Rua, que atuou nos protestos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, lembra da audiência de 4,5 milhões de pessoas que tem nas redes sociais. O empresário Eduardo Mufarej, idealizador do Renova, investiu — inclusive com recursos próprios, cujo valor não revela — em um curso para capacitar politicamente interessados em se colocar na disputa em outubro, ensinando como montar e levar uma campanha. Mesmo ele se mostra reticente, no entanto, em apostar que a onda de renovação da qual faz parte vá se transformar em tsunami já em 2018. O empresário cita uma situação paradoxal: ao mesmo tempo em que o eleitor diz querer votar em novos representantes, o sistema político dificulta a renovação.

— Não acho que vamos conseguir construir uma mudança radical em um ciclo eleitoral. Mas podemos ter um ponto de inflexão — diz.

Em média, na Câmara dos Deputados, a renovação fica em torno de 40% a 50% a cada legislatura. Ou seja, das 513 cadeiras, de 205 a 256 têm potencial de serem ocupadas por parlamentares de primeiro mandato. Apesar dos problemas, alguns conseguiram atravessar o filtro. Em Niterói, Talíria Petrone (PSOL) saiu do movimento Ocupa Política para ser a vereadora mais votada. Marielle Franco (PSOL), assassinada na semana passada, também era ligada ao grupo.

— Sabemos dos limites que temos em relação a financiamento, mas optamos por dar conta de um desafio grande — disse Talíria.

ALERTA ÀS ILUSÕES

Em São Paulo, Sâmia Bomfim (PSOL) e Fernando Holiday (DEM) saíram de movimentos como esses para a Câmara Municipal. Os dois percorreram caminhos opostos, mas chegaram ao mesmo lugar. Sâmia era do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de São Paulo (Sintusp), participava do Ocupa Política e se filiou ao PSOL. Holiday, por sua vez, foi um dos principais destaques do Movimento Brasil Livre, uma das lideranças nos protestos contra Dilma Rousseff. Eleitos sob o mesmo discurso de renovação, os dois são vereadores e adversários.

Especialistas acreditam que a chegada de novos rostos, não apenas em idade, é benéfica para a Câmara, principalmente em relação a políticos mais experientes. Há 11 anos, o sindicalista Paulinho da Força (SD-SP) chegou à Câmara dos Deputados pela primeira vez. Já a caminho do quarto mandato, ele vaticina:

— Vão sofrer bastante. Se o cara chega lá imaginando que vai mudar o mundo, periga renunciar no outro dia. (*Estagiário, sob supervisão de Leandro Loyola)