O globo, n. 30894, 08/03/2018. Economia, p. 17

 

Chance desperdiçada

BárbaraNascimento

08/03/2018

 

 

Mais de 50% dos jovens perdem interesse pelo estudo e correm risco de não encontrar trabalho

-BRASÍLIA E RIO- Com um sistema educacional falho e pouco conectado com as necessidades do setor produtivo, 52,2% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos perdem interesse pelos estudos e correm o risco de não conseguirem se inserir no mercado de trabalho. Esta é uma das principais conclusões de um estudo do Banco Mundial (Bird), que mostra um cenário de desalento para a juventude do país. São pessoas que se encontram em três situações: desistiram da escola, conciliam os estudos com trabalho informal ou estão defasados na relação idade/série.

Com os investimentos para diminuir a evasão escolar e aumentar o acesso à educação, o percentual é menor do que no passado. Em 2004, 61,7% dos jovens corriam risco de não encontrar seu lugar no mercado de trabalho, mas a taxa ainda é considerada muito alta pelo banco. Segundo o Bird, em 2015, só 38% dos adolescentes estavam na série correta. Aos 18 anos, metade dos jovens está fora da escola.

— Desde 2000, tivemos mais jovens na escola, redução da informalidade, e os “nem-nem” (nem estudam nem trabalham) tiveram trajetória de diminuição. Mas os números de desengajamento econômico são muito altos — diz a economista Rita Almeida, uma das responsáveis pelo estudo.

O estudante Ra-amon Almeida, de 22 anos, tenta concluir o Ensino Médio só agora, cinco anos depois da idade ideal. Ele conta que precisou interromper os estudos aos 16:

— Precisava colocar comida na mesa. Ficou inviável conciliar o trabalho com o estudo.

Há um ano, ele conseguiu voltar à escola. É aluno do curso técnico de Edificações. Conseguiu um estágio há seis meses na área. Para ele, as escolas deveriam oferecer aulas e cursos mais atraentes, relacionados ao cotidiano e à preferência dos alunos.

APENAS 43% CONCLUÍRAM O ENSINO MÉDIO

O relatório do Banco Mundial mostra que a crise dos últimos anos provocou mais desemprego entre os jovens do que nos demais segmentos da população. Em tempos de recessão, eles são os primeiros a perder o emprego e os que mais têm dificuldade de encontrar um novo trabalho. De 2013 a 2015, a taxa de desemprego juvenil ficou em níveis muito superiores à média. Em 2015, foi próxima dos 20%, enquanto o índice do país estava em cerca de 8% (dados da Pnad).

A desilusão com a sala de aula fez Guilherme Henrique Muglia, de 23 anos, desistir do Ensino Médio. Após repetir o primeiro ano três vezes, está desempregado e vive com a sogra e a namorada.

— Na época, achava que não valia a pena continuar, e ainda acho. Levando em consideração o sistema educacional brasileiro, a vontade só diminuiu. Falta dinheiro para a escola. Ela não é atraente: há bullying, calor, livros velhos, falta de merenda. Tudo isso gera frustração — conta.

Uma das sugestões do Bird é um salário mínimo diferente para jovens. Segundo o estudo, isso já é estudado por Reino Unido, Nova Zelândia e Grécia. Para o organismo internacional, a rigidez de um piso salarial imposto por lei empurra os trabalhadores de menor produtividade para o desemprego ou a informalidade. O relatório mostra que 17,9% dos jovens brasileiros ganhavam abaixo do salário mínimo em 2015, não muito distante do cenário de 2001, quando essa proporção era de 19,7%.

Com o rápido envelhecimento da população, o Bird alerta que o Brasil pode estar perdendo a “última onda da transição demográfica”, ou seja, a última parcela significativa de jovens ingressando na população ativa do país. Segundo o relatório, o potencial de produtividade será cada vez mais determinado pela atual juventude. Para isso, será necessário aprimorar a capacidade das instituições de desenvolver as competências do jovem e do mercado de trabalho de engajá-los na economia.

“Equipado com políticas de competências e empregos sólidos e adequados, especialmente para os jovens, o Brasil pode superar a posição de renda média surfando essa onda. A alternativa é que essa onda quebre e afunde a perspectiva do país em atingir novos níveis de prosperidade compartilhada”, alerta o documento.

Melhorar a produtividade da parcela que ingressa no mercado de trabalho passaria por uma reestruturação do modelo educacional. Hoje, apenas 43% das pessoas com mais de 25 anos concluíram o Ensino Médio. A média dos países da OCDE é de 65%. Nos EUA, 88%. O Bird analisa que a falta de interesse é resultado de um currículo escolar “muito mais voltado para a memorização do que para o pensamento crítico”.

O Banco aponta que o jovem brasileiro não tem a real noção do valor efetivo da educação para seu futuro, como o impacto que anos a mais de estudo geram no salário, por exemplo.

A economista do Bird explica que esse risco de o jovem não se inserir no mercado de trabalho, o “desengajamento econômico”, tem reflexos diretos na produtividade. Com as deficiências na educação, o Brasil é o único país em que anos a mais de estudo não impactam a produtividade do país. Para se ter uma ideia, na Coreia do Sul, um ano a mais de escolaridade gera US$ 7 mil para a economia.

— O impacto fundamental de um alto risco de desengajamento econômico é ter um jovem com oportunidade baixa no mercado de trabalho. E isso tem consequências importantes para o crescimento e para a produtividade — aponta.

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Subsídios e estímulos à produção custam muito e prejudicam produtividade

08/03/2018

 

 

Excesso de intervenção na economia é o diagnóstico de outra pesquisa do Bird

-BRASÍLIA- O Brasil gasta muito dinheiro na tentativa de estimular o setor produtivo, mas é “ineficiente na maioria das atividades que realiza”. Essa é uma das conclusões de outro estudo divulgado ontem pelo Banco Mundial (Bird). O trabalho analisa o emprego e a produtividade no país. Segundo o documento, o Brasil errou ao adotar políticas recentes de apoio a empresas que não funcionam. Em 2016, por exemplo, 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) foram gastos com esse objetivo por meio de isenções fiscais, créditos subsidiados e transferências para setores específicos. Os resultados, no entanto, foram limitados na avaliação do Bird.

Para a organização internacional, o excesso de intervenção do governo na economia provocou distorções e criou um cenário de empresas que dependem excessivamente do Estado, além de desestimular a entrada de novos empreendedores. Entre as políticas listadas pelo Banco Mundial como equivocadas estão a introdução de barreiras onerosas à importação, requisitos de conteúdo local, alíquotas diferenciadas, isenções fiscais e subsídios de crédito que beneficiaram apenas algumas empresas ou regiões.

O estudo ainda diz que políticas de apoio às empresas, como o Simples Nacional, a desoneração da folha de pagamento, a Zona Franca de Manaus, a Lei de Informática, a Lei do Bem e o Inovar-Auto “apresentaram resultados limitados com custo fiscal elevado”. Em relação ao Simples, por exemplo, a análise é que o programa de simplificação tributária prejudicou o crescimento das micro e pequenas empresas.

ABERTURA COMERCIAL REDUZIRIA POBREZA

Segundo o diagnóstico, faltam ao país processos de avaliação das políticas públicas, de forma a evitar que um programa seja mantido mesmo sem ter os resultados esperados.

O relatório aponta como essencial a abertura comercial e a reforma de regulamentações para aumentar a concorrência. As barreiras externas limitariam a integração do mercado doméstico e a rivalidade entre empresas locais. Segundo o Banco Mundial, a abertura da economia seria capaz de tirar seis milhões de pessoas da pobreza e gerar 400 mil empregos. Isso porque as empresas seriam forçadas a se adaptarem a um mercado competitivo, provocando queda de preços. Assim, pessoas mais pobres teriam acesso a maior quantidade de bens.

O estudo mostra que o Brasil agiu na contramão de “países comparáveis” e foi o único que não reduziu barreiras comerciais entre 2008 e 2013. Houve aumento de 0,1%. Na Rússia, por exemplo, houve queda de 17,3%. Entre os principais países da OCDE, a diminuição foi de 7,3%.