Correio braziliense, n. 20047, 10/04/2018. Política, p. 2

 

Pressão (de novo) no STF

Bernardo Bittar

10/04/2018

 

 

UM PAÍS SOB TENSÃO » Apesar de o PEN sinalizar que desistirá da ação, o ministro Marco Aurélio Mello vai pedir que o Supremo analise amanhã a mudança no entendimento sobre prisão após condenação em segunda instância. Raquel Dodge defende rejeição da proposta

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, decidiu que vai colocar amanhã “em mesa” a ação que pode mudar o entendimento sobre a execução da pena após condenação em segunda instância, exatamente uma semana após a maioria do colegiado rejeitar o habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Novamente, Rosa Weber terá o voto decisivo. Se ela votar como quer Mello, não apenas Lula, mas centenas de condenados na Operação Lava-Jato terão a chance de sair da cadeia e aproveitar a liberdade enquanto existirem recursos judiciais disponíveis no Supremo.

Embora Marco Aurélio tenha a intenção de debater a ação, cabe à presidente, ministra Cármen Lúcia, controlar o fluxo de processos do plenário. O julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 43, requerida pelo PEN, pode suspender a execução provisória de acórdão condenatório de segundo grau, com a libertação dos presos que se encontrem nesta situação. “Para que essa medida cautelar seja deferida, é necessária a decisão por maioria absoluta dos integrantes do tribunal. Ou seja, não é algo envolvendo o ex-presidente Lula, mas sim todos os presos nos moldes dele. Isso pode trazer uma reviravolta na Lava-Jato, que prendeu centenas de pessoas. A ADC é um processo objetivo. Ou seja, o objeto é uma norma jurídica em tese — o artigo 283 do CPP, no caso —, não uma situação particular. O que se pretende é ver reconhecida a constitucionalidade do artigo 283 do CPP, que proíbe a execução da pena antes do trânsito em julgado”, explicou um assessor do Supremo.

O advogado da ação é Antônio Carlos de Almeida Castro, que, ontem, recebeu do presidente nacional do PEN, Adilson Barroso, uma mensagem avisando que não gostaria de vincular o trâmite ao ex-presidente Lula. “Ao constituir o senhor como advogado, conferi os poderes para nos representar dentro dos limites que o senhor entender necessário. Sabemos que nossa Constituição merece respeito e nunca quis defender pessoas específicas, mas, sim, o direito de todos.” Almeida Castro respondeu que, “de qualquer maneira, entrou com outro pedido de liminar, nos mesmos moldes, em nome do Instituto de Garantias Penais (IGP). Estarei nesta quarta-feira no plenário do Supremo defendendo a tese”.

Almeida Castro disse que “a ADC nº 43 foi ajuizada em 2016, muito antes de o processo contra Lula chegar ao fim”, e que a ideia não é “tratar esse caso como uma coisa específica”. “O que faremos é cumprir a Constituição, uma ideia que tenho desde a época de estudante.” O presidente do PEN afirmou a interlocutores que pretende retirar a ação do partido no Supremo. Os advogados da legenda se reuniram para avaliar como desistir da liminar. O requerimento que Marco Aurélio quer julgar não é uma “questão de ordem” para que o colegiado analise o pedido de liminar do PEN. Trata-se de um documento para que a Corte somente permita a prisão após condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), terceira instância do Judiciário.

Em novo parecer enviado ao Supremo, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ontem a rejeição do pedido de medida cautelar apresentado pelo PEN. Para a procuradora-geral da República, o partido quer extrair do voto da ministra Rosa Weber no julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “mais do que ela disse e qualificar esta sua interpretação como ‘fato novo’”. Raquel Dodge ainda sustenta que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, siga o critério de não pautar temas que já foram decididos recentemente pelo plenário, a menos “que haja fato novo ou situação excepcional que indique a necessidade de reapreciação da matéria”. Dois habeas corpus também aguardam uma decisão do colegiado. Eles têm prioridade no Supremo e, por isso, podem “passar na frente” da discussão sobre prisão em segunda instância. Um dos habeas corpus foi impetrado pela defesa do ex-ministro Antônio Palocci, que chefiou a Casa Civil da Presidência da República no governo de Dilma Rousseff e foi preso por improbidade administrativa. O outro é do deputado federal Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo (PP-SP), que cumpre prisão domiciliar por lavagem de dinheiro. A ADC nº 44, outro processo sobre prisão em segunda instância, também está na lista de ações a serem analisadas. A autora do pedido é a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Posicionamento

Ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon disse ao Correio que “não há mais nenhum recurso realmente útil nesse caso específico (a prisão de Lula)”. “O que poderia ser feito agora são os embargos dos embargos de declaração, uma coisa que não tem eficácia e praticamente desapareceu do mundo jurídico.” Segundo Eliana Calmon, o julgamento da ADC pode trazer um novo entendimento, o que seria prejudicial à Justiça brasileira como um todo.

Eliana Calmon diz que o voto de Rosa Weber, que é contrária ao cumprimento da pena após condenação em segunda instância, “poderá ser muito decisivo nesta ADC”, porque “ela votou conforme o entendimento do colegiado, de prender o Lula, mas sua opinião é totalmente diferente”. “Deixou isso claro na votação do HC, semana passada”, completou. Na ocasião, seis dos 11 ministros do Supremo votaram pela rejeição da peça. A maioria deles justificou esse posicionamento de maneira jurídica ou pessoal, enquanto Rosa Weber disse que adotou “a orientação hoje prevalecente com o princípio da colegialidade” e que, “acompanhou o entendimento do tribunal”, mesmo reiterando seu ponto de vista.

Cármen Lúcia no Planalto

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, vai assumir a Presidência da República na próxima sexta-feira, quando o presidente Michel Temer viaja ao Peru para participar da Cúpula das Américas, que será realizada em Lima nos dias 13 e 14. A previsão é que Temer retorne ao Brasil no sábado. Atualmente, Cármen é a terceira na linha, já que não há vice-presidente. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Eunício Oliveira, seriam, respectivamente, os que assumiriam o cargo, mas, por estarem concorrendo a cargos eletivos, não podem assumir. Por conta da Lei de Inelegibilidade, nos seis meses anteriores ao pleito eleitoral, eles não podem exercer um cargo do Executivo, se o fizerem, se tornam inelegíveis. A previsão é que Maia e Eunício, no entanto, também façam viagens ao exterior na mesma época, para evitar contestações e problemas. Maia deve ir ao Panamá, e Eunício, ao Japão.