O globo, n. 30885, 27/02/2018. País, p. 5

 

Dodge diverge da Polícia Federal e não pede quebra de sigilo de Temer

Aguirre Talento

27/02/2018

 

 

Procuradora entende que não há elementos que justifiquem ação

-BRASÍLIA- A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, divergiu da Polícia Federal e não solicitou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do presidente da República Michel Temer. Para ela, ainda não há elementos que justifiquem a medida. Temer é investigado sob suspeita de receber propina para favorecer empresas do setor portuário na publicação de um decreto que alterou regras do setor.

Na opinião dos policiais que atuam na investigação, os dados bancários e fiscais de Temer deveriam ser acessados como método para detectar qualquer movimentação financeira suspeita que pudesse demonstrar pagamentos ilegais no período de discussão do decreto portuário, publicado em maio passado.

Raquel foi contrária ao pedido da Polícia Federal. Ao solicitar as quebras de sigilo ao Supremo Tribunal Federal, a PGR não incluiu Michel Temer como alvo. As medidas, já autorizadas pelo STF, atingem, entre outros, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures e o coronel João Baptista Lima, suspeitos de intermediar o recebimento de propina para Temer. Também foram alvos as empresas Argeplan, pertencente ao coronel Lima, e a Rodrimar, concessionária de áreas no porto de Santos que tentou influenciar a edição do decreto.

O pedido da PGR de quebras de sigilo chegou ao STF em 12 de dezembro. No dia 15, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, autorizou a medida. Posteriormente, em 19 de dezembro, a PF protocolou sua solicitação, cuja principal diferença foi enfatizar a necessidade de obter os dados bancários e fiscais de Michel Temer. No dia 20 de dezembro, Barroso pediu à PGR que respondesse à PF. Os autos ficaram com Raquel Dodge até a última sextafeira, quando ela devolveu o material ao Supremo e enfatizou não haver ainda elementos suficientes para quebrar os sigilos de Temer. Os investigadores da PF entendem que é necessário seguir o caminho do dinheiro até o peemedebista para poder finalizar a investigação. Procurada pelo GLOBO para comentar o fato de não ter quebrado o sigilo de Temer, a PGR informou que não comentaria casos concretos.

PEDIDO PARA SEGOVIA NÃO INTERFERIR

A PGR também se posicionou sobre a polêmica envolvendo as declarações do diretor-geral da corporação, Fernando Segovia, que deu uma entrevista afirmando que não existem indícios de corrupção no inquérito e gerou revolta entre os delegados da Lava Jato. Dodge solicitou a Barroso uma ordem judicial para que Segovia se abstenha de “qualquer ato de ingerência” sobre a investigação, inclusive proibindo-o de manifestações públicas a respeito das investigações em curso, sob pena de afastamento do cargo.

Ontem, Dodge enviou ao STF um pedido de prorrogação de prazo do inquérito por mais 60 dias. E rebateu as críticas da PF sobre a questão dos sigilos. Ela se queixou que Barroso autorizou a prorrogação do inquérito em dezembro sem enviar os autos para a Procuradoria, o que impediu que o órgão tomasse conhecimento do atual estágio das investigações.

Os personagens citados na investigação têm negado irregularidades. Temer afirmou à PF que não acompanhou a tramitação do decreto, não discutiu o assunto com empresas do setor nem jamais recebeu doações da Rodrimar. Os executivos da empresa afirmam que não se beneficiaram das regras do decreto.

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PGR rescinde acordo de delação de Wesley

Daniel Gullino

27/02/2018

 

 

Decisão, porém, não anula provas apresentadas pelo empresário

-BRASÍLIA- A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, rescindiu os acordos de delação premiada de Wesley Batista e Francisco de Assis e Silva, executivos da J&F, controladora da JBS. A decisão foi enviada ontem para o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que precisa homologá-la.

Raquel Dodge considerou que os dois descumpriram termos da delação. A rescisão retira os benefícios que haviam sido dados aos delatores, mas não anula as provas apresentadas por eles. Além da procuradora, seu antecessor, Rodrigo Janot, e o ministro Edson Fachin, relator do caso no STF, já defenderam esse mesmo entendimento.

No ano passado, o então procurador-geral Rodrigo Janot havia encerrado os acordos de Joesley Batista e Ricardo Saud, também da J&F, pelo mesmo motivo. Após assumir o cargo, Raquel Dodge reforçou a decisão, que ainda não foi analisada por Fachin. O ministro, porém, já decretou a prisão preventiva dos dois empresários. A delação da J&F provocou a abertura de investigações contra o presidente Michel Temer, duas delas arquivadas em decisão da Câmara dos Deputados.

Para a procuradora-geral, Wesley e Francisco deixaram de informar ao MP fatos ilícitos, como a atuação do então procurador Marcello Miller em favor da J&F. A atuação do ex-procurador está sendo investigada pelo Ministério Público — onde o caso está parado desde setembro — e pela Polícia Federal.

Raquel Dodge avalia que, mesmo se os executivos não considerassem as condutas de Miller ilícitas, “ainda assim tinham a obrigação de reportá-las ao MPF”.

Além disso, a procuradorageral também cita o fato de Wesley ter sido denunciado pelo Ministério Público Federal de São Paulo por uso de informação privilegiada e manipulação de mercado. Ele teria se antecipado aos impactos que a delação teria quando se tornasse pública.

“CONDUTA INCOMPATÍVEL”

Para Raquele Dodge, o executivo cometeu um crime após a celebração do acordo, o que ela considera uma “conduta totalmente incompatível com a de colaborador da Justiça”.

Wesley ficou preso preventivamente por cinco meses por essa acusação, mas foi solto na semana passada por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que impôs medidas cautelares.

Em nota, a defesa de Marcelo Miller afirmou que o ex-procurador “já havia pedido exoneração quando começou a desempenhar atividades preparatórias em âmbito privado, atividades que não tiveram nenhuma relação com as atribuições que ainda exercia no Ministério Público Federal”.

O texto ainda diz que ele “não interveio de forma alguma na preparação ou na emissão de fatura a nenhum cliente do escritório onde trabalhou”. A defesa dos executivos da J&F também vem negando irregularidades no acordo.