O Estado de São Paulo, n. 45393, 28/01/2017. Política, p.A5

 

 

 

 

 

 

Analistas veem cenário incerto após TRF

Para professores da USP, possível inelegibilidade de Lula estimula outras candidaturas, mas petista manterá influência na disputa

Por: Marianna Holanda / Gilberto Amendola

 

Marianna Holanda 
Gilberto Amendola

O historiador Lincoln Secco e o cientista político José Álvaro Moisés, ambos professores da Universidade de São Paulo (USP), dizem que a possível inelegibilidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abre espaço para novas candidaturas e impõe desafios ao PT. Na semana passada, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) confirmou a condenação imposta pelo juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, e ampliou a pena do ex-presidente. Segundo Secco, autor do livro História do PT, será difícil construir uma candidatura única de esquerda, mas ele diz que qualquer nome precisará do apoio de Lula em um eventual 2.º turno para vencer a eleição. Moisés afirma que, mesmo que venha a ser preso, Lula terá forte impacto sobre o eleitorado, mas descarta uma reação incendiária de seus aliados. Para o cientista político, o PT apela para o discurso de “vitimização”, incongruente com as instituições democráticas do País. Ele também critica a “desobediência” proposta pelos petistas.

PONTO DE VISTA

Lincoln Secco, professor de História Contemporânea da USP

‘Esquerda só tem chance com apoio de Lula’

Historiador diz que candidato do campo que chegar ao segundo turno neste ano vai precisar da ajuda do ex-presidente

Julgamento. A condenação tem significados diferentes, porque o PT precisa resolver um problema mais de curto prazo, que é qual vai ser o candidato substituto. Agora, para Lula, para militância, para parte da sociedade que o apoia, a condenação reforça a biografia dele, com toda a certeza. O julgamento, para os seus apoiadores, passou imagem de que ele é um perseguido político, uma vítima do sistema. A gente tem de lembrar que o Lula é um mito popular. Isso explica o apoio que eles dão.

Forças. À primeira vista, todos os concorrentes do Lula de centro esquerda saíram fortalecidos: Ciro Gomes, eventualmente outros nomes, como Marina Silva. Os candidatos que disputam a centro esquerda. Agora, a Marina apoiou a decisão do tribunal e não sei se isso é inteiramente bom. Esses candidatos que querem lucrar com a retirada do Lula da cena eleitoral vão ter que cortejar o eleitorado do Lula. Se o PT não conseguir transferir os votos do Lula para outro candidato ou grande parte dos votos, a extrema direita sai favorecida, porque o sistema político como um todo está caótico. Há hoje muita coincidência de voto entre Lula e Jair Bolsonaro.

Eleição. A candidatura de Lula é a defesa política do ex-presidente, ao mesmo tempo da manutenção do PT como um partido relevante no cenário político. Se você tem um candidato com 35% de intenção de voto, ele garante que o partido continue em evidência para a disputa de 2018. A campanha dele surtiu efeito: ele está à frente nas pesquisas. Ele não vai poder concorrer, mas essa campanha vai permitir que o PT possa construir aos poucos uma campanha alternativa para transferir os votos do Lula.

Consenso. Acho difícil que a esquerda chegue a um consenso em torno de um nome, a convergência só deve acontecer mesmo em um segundo turno. Até porque os outros partidos também precisam sobreviver e lançar seus próprios candidatos. Agora, é interessante perceber como essa relação do Lula, da esquerda com os setores populares, é personalista. Sem o apoio do Lula, o candidato da esquerda pode até chegar a um segundo turno, mas só tem chance de se eleger se tiver o apoio dele. Lula não só tem o maior capital político da esquerda, como agora, para o setor que o apoia, ele virou um mito mais forte ainda, mártir, vítima. Especialmente se ele for preso. Isso favorece bastante o papel dele na eleição. Prisão. Para a biografia de Lula, a prisão só prejudica quem já não gostava dele. Para quem o apoiava, pode reforçar a tese de “mito”. O PT, por outro lado, soltou uma nota muito tímida (sobre a condenação). Eu esperava que fosse com maior radicalismo verbal. Esse tipo de reação extralegal, de resistência, só aconteceria com um gesto do próprio Lula. Para que isso seja efetivo, o líder tem de aderir. E esse radicalismo não é do histórico dele, ele é conciliador. Tem de separar isso da verborragia de campanha, que é natural.

História. (Se fosse escrever uma sequência do livro ‘História do PT’) Na verdade é mais um marco histórico na trajetória do PT. Como o governo Temer ajudou o PT a se recuperar eleitoralmente e como preferência partidária, a história dele continua. Continua sendo a principal agremiação da esquerda. A queda da Dilma retardou a renovação da esquerda. Em 2013, começaram a surgir novos movimentos e organizações de esquerda. Mas o processo de impeachment fez de novo a esquerda se aglutinar em torno do PT.

Lideranças. (Se o ex-presidente for preso abre espaço) Para novas lideranças, sem dúvida, abre espaço. Mas não é necessariamente uma renovação. Renovação vai demorar mais, porque vai se dar dentro do PT. Ele continua o principal partido da esquerda.

 

José Álvaro Moisés, professor de Ciência Política da USP

‘Saída de petista abre espaço para candidaturas’

Para cientista político, discurso de vitimização é de difícil sustentação, mas transferência de voto não é desprezível

Julgamento. (A condenação no TRF-4) Para o ex-presidente Lula foi um enorme revés. Na medida em que os desembargadores num contexto colocaram mais o julgamento amplo, relativo às responsabilidades do ex-presidente desde o escândalo do mensalão, ficou mais difícil para ele continuar com a narrativa da vitimização. Na democracia, quem comete ilícitos é julgado e condenado.

Refundação. O PT que nasceu como um partido que tinha como objetivo a refundação da política brasileira perdeu seu principal argumento que era o de um partido de esquerda capaz de reorganizar a política nacional, voltado-se, principalmente, para a justiça social. Mas o PT incidiu no hábito conservador política que tanto e tradicional criticava. da O PT se misturou com essa elite. Não sou eu quem disse isso, quem disse foi o ex-governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra (em entrevista ao Estado na quarta-feira).

Instabilidade. Eu não estou na turma que vê na condenação do Lula, no recolhimento do passaporte dele ou em uma eventual prisão algo que deveria ser evitado para não se criar instabilidade e tensão social. A democracia não pode ser uma brincadeira que, dependendo do personagem, os procedimentos adotados podem ser modificados. Lula não é o único. Outros políticos foram condenados, e até presos, e o discurso do “golpe” não foi evocado. Agora, a Justiça vai mostrar que preza pela igualdade de tratamento dando prosseguimento aos casos envolvendo nomes do MDB, PSDB e outros partidos.

Eleições. A decisão do julgamento criou uma situação nova no campo da centro esquerda. A saída do ex-presidente Lula da corrida presidencial modifica o cenário e abre espaço para um potencial fortalecimento de nomes como Ciro Gomes, Manuela D’Ávila e Marina Silva. Isso, claro, se esses nomes tiverem um discurso capaz de capturar o prestígio do ex-presidente Lula.

Transferência. A possibilidade de Lula transferir seus votos para o ex-governador da Bahia Jaques Wagner ou para o exprefeito de São Paulo Fernando Haddad não é uma hipótese desprezível. Mas o PT como um todo vai estar diante de outras questões que podem dificultar um sucesso eleitoral. O PT vai ter de explicar o seu papel na Lava Jato, no mensalão, nos desvios na Petrobrás.

Forças. Toda vez que existe um movimento de deslocamento de alguma força política, existe a possibilidade de crescimento de outra força. Embora os candidatos tenham sido cautelosos, até mesmo o governador Geraldo Alckmin (PSDB), em relação ao resultado no TRF-4, abriu-se um espaço para a requalificação de outras candidaturas, como a do governador, por exemplo. Quem quiser ocupar o espaço pela eventual saída do Lula do páreo vai ter de incorporar em seu discurso aspectos de justiça social e distribuição de renda.

Prisão. A prisão do Lula pode ter enorme impacto. Ele é um líder popular muito prestigiado pelos seus eleitores que podem, até pela narrativa escolhida pelo PT, não compreender com clareza o motivo da condenação. Não compartilho do receio do ministro Marco Aurélio Mello de que uma eventual prisão de Lula incendiaria o País. Vai ter protestos, que, aliás, são legítimos, mas não a ponto de se incendiar.

Desobediência. Quando o Lula diz que não vai aceitar o resultado de um julgamento, isso introduz um elemento de tensão na disputa eleitoral. Isso significa que um contingente importante de um partido relevante não aceita o resultado de uma parte das instituições democráticas. A Justiça é a possibilidade de igualdade perante a lei. Para um partido que defende igualdade é estranho que pregue essa desobediência.

 

 

 

 

 

DEM avança sobre possíveis aliados de ex-presidente

Legenda aproveita que Lula foi condenado em 2ª instância para buscar apoio de PR e PP à candidatura de Maia
Por: Igor Gadelha

 

Igor Gadelha / BRASÍLIA

O DEM vai aproveitar a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em segunda instância para avançar em busca de apoio e viabilizar a candidatura do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (RJ), ao Palácio do Planalto. O foco principal serão PR e PP, maiores partidos do Centrão e que consideravam possível aliança com o petista nas eleições, mas deve se estender ao PRB, PTB e PSD, também integrantes do grupo. Paralelamente, o DEM prepara uma “Agenda Brasil” a ser defendida por Maia, com foco em temas com apelo principalmente entre a classe média, como segurança pública, educação, empreendedorismo e desenvolvimento regional. O partido vai divulgar as principais diretrizes por meio de um “manifesto”, que será lançado na convenção nacional da legenda, marcada para 8 de março.

O grupo de Maia vai insistir com PP e PR que Lula está inviabilizado eleitoralmente após ser condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4). O argumento é de que, ao ser condenado por unanimidade, o petista terá direito a menos recursos, o que aumenta a possibilidade de ele ter o registro de candidatura negado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com base na Lei da Ficha Limpa. Além disso, ressaltará que Lula poderá ser preso antes do pleito, o que inviabilizaria de vez o nome do petista.

Reunião. O avanço sobre o PR já começou antes mesmo do julgamento. Na semana passada, integrantes da cúpula do DEM se reuniram com o ex-deputado federal Valdemar Costa Neto (SP), que, na prática, comanda o PR. O próprio Maia se reuniu com Valdemar em 11 de janeiro. Além do ex-deputado, a cúpula do DEM tem conversado com o ex-deputado Bernardo Santana, presidente do PR de Minas. No PP, a interlocução é com o presidente nacional, senador Ciro Nogueira (PI). Com o movimento, o DEM busca fortalecer os apoios partidários a Maia para tentar mostrar aos demais presidenciáveis do centro que o presidente da Câmara é, entre eles, o pré-candidato com maior capacidade de unir os partidos desse campo político.

O objetivo é mostrar favoritismo principalmente em relação ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), visto pelos aliados do presidente da Câmara como o principal adversário de Maia no centro. A avaliação do grupo do deputado é de que, sem Lula na disputa, nomes de centro vão se fortalecer, enquanto a candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), em segundo lugar nos levantamentos de intenção de voto, se enfraquecerá. Nesse cenário, interlocutores de Maia apostam que será ainda mais difícil um acordo entre os partidos da atual base aliada em torno de um único candidato de centro, como deseja o presidente Michel Temer, pois todos acharão que têm alguma chance de vencer.